quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Doença Celíaca (4)


Um problema de saúde pública universal (4)

Os Marcadores Sorológicos: os testes laboratoriais que permitiram desvendar a parte não visível do “iceberg” da Doença Celíaca


Embora a biópsia do intestino delgado ainda seja considerada absolutamente necessária para a confirmação diagnóstica da DC, a introdução dos testes sorológicos, a partir da década de 1980, trouxe uma enorme contribuição para identificar quais indivíduos devem ser submetidos a este procedimento diagnóstico. Além disso, esses testes passaram também a ser utilizados para rastreamentos populacionais o que possibilitou desvendar o que se convencionou designar como a porção submersa do “iceberg” da DC, a partir da investigação pioneira conduzida por Catassi e cols., em 1996. Estes pesquisadores realizaram um estudo multicêntrico na Itália utilizando inicialmente os marcadores sorológicos em uma população de estudantes. Naqueles indivíduos que apresentavam positividade para os marcadores sorológicos realizou-se a biópsia do intestino delgado, o que possibilitou caracterizar que a prevalência da DC é de 1 para cada 184 indivíduos. A partir deste estudo inúmeras outras investigações epidemiológicas populacionais passaram a ser realizadas nos mais diversos países, inclusive no Brasil, as quais demonstraram cabalmente que a DC está longe de ser uma enfermidade rara, e sim, muito ao contrário, trata-se de um problema de saúde pública universal (Tabela 1).
Tabela 1- Prevalência da DC em diversos países, inclusive no Brasil.

Os testes laboratoriais comercialmente disponíveis incluem os anticorpos anti-gliadina IgA e IgG (AGA IgA e AGA IgG), anti-reticulina IgA (ARA), anti-endomíseo IgA (EMA) e anti-transglutaminase tecidual IgA e IgG (ATTG).

A sensibilidade e a especificidade destes testes sorológicos estão discriminadas na Tabela 2.
Tabela 2- Sensibilidade e Especificidade dos principais marcadores sorológicos para DC.

Dentre os vários marcadores sorológicos disponíveis atualmente, os mais utilizados são o EMA e o ATTG, porque apresentam as mais altas taxas de sensibilidade e especificidade.

Estudos populacionais com doadores de sangue têm-se constituído em uma casuística muito freqüentemente utilizada pelos pesquisadores em virtude da facilidade de se utilizar o sangue estocado. Ricardo Palmero Oliveira, pesquisador da Disciplina de Gastropediatria da Escola Paulista de Medicina da UNIFESP e colaboradores (European Journal of Gastroenterology and Hepatology 19: 43-9, 2007), realizaram um estudo com 3.000 candidatos a doadores de sangue para determinar a prevalência da DC em São Paulo com o emprego do ATTG e confirmação diagnóstica pela biópsia do intestino delgado. O teste sorológico resultou negativo em 95,4% (2861/3000), mostrou-se fracamente positivo em 3,1% (94/3000) e positivo em 1,5% (45/3000) dos indivíduos. Dentre os 94 candidatos a doadores de sangue que apresentaram dosagem do ATTG fracamente positivo 91 eram assintomáticos, 1 apresentava queixa de constipação e dor abdominal e 2 queixavam-se de dor abdominal. Dentre os 45 candidatos a doadores de sangue que apresentaram dosagem do ATTG positivo 46,7% (21/45) concordaram em realizar a biópsia do intestino delgado. Na Tabela 3 estão discriminados os aspectos clínicos e laboratoriais relevantes dos indivíduos que realizaram a biópsia do intestino delgado.
Tabela 3- Aspectos clínicos e laboratoriais relevantes dos indivíduos que realizaram a biópsia do intestino delgado.


Na Tabela 4 estão discriminados os aspectos clínicos e laboratoriais relevantes dos indivíduos que não realizaram a biópsia do intestino delgado.
Tabela 4- Aspectos clínicos e laboratoriais relevantes dos indivíduos que não realizaram a biópsia do intestino delgado.


Na Tabela 5 estão discriminadas as manifestações clínicas que podem estar associadas à DC, mostrando que indivíduos da população geral que apresentam sintomas compatíveis com DC têm maior probabilidade de serem portadores da enfermidade.
Tabela 5- Manifestações clínicas associadas à DC.


Dentre os indivíduos que se submeteram à biópsia do intestino delgado confirmou-se o diagnóstico de DC em 66,7% (14/21) deles, ou seja, a prevalência da DC nesta população revelou ser de 1:214 indivíduos. Por outro lado, caso todos os indivíduos que apresentaram dosagem elevada do ATTG e que se recusaram a realizar a biópsia do intestino delgado (24/45), tivessem também se submetido ao referido procedimento, e considerando-se que o ATTG revelou-se falso positivo em 33,3% dos indivíduos que se submeteram à biópsia do intestino delgado e que confirmaram ser portadores da DC, a prevalência seria maior, porque se poderia especular que 66,7% (16/24) dos indivíduos que não realizaram a biópsia de intestino delgado seriam também portadores de DC. Neste caso, ao acrescentarmos mais 16 indivíduos aos 14 com diagnóstico de DC confirmado, totalizaríamos 30 dos 3000 candidatos a doadores de sangue no grupo com DC. Desta forma, então, a prevalência da DC em São Paulo passaria a ser de 1:100 indivíduos, portanto, tão elevada quanto à verificada em outros países, em especial na comunidade européia (Tabela 6).
Tabela 6- Distribuição da prevalência da DC no mundo ocidental.

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