sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Alergia Alimentar na infância e suas manifestações digestivas: uma enfermidade cada vez mais prevalente no mundo moderno (6)

ESOFAGITE EOSINOFÍLICA E GASTROENTEROPATIA EOSINOFÍLICA

Estas duas entidades alérgicas podem ser mediadas por IgE e também não mediadas por IgE, ou ainda por ambos os mecanismos imunológicos. Caracterizam-se por intensa infiltração de eosinófilos ao longo das mucosas do esôfago, estômago e intestino delgado, associada à hiperplasia da zona basal, alongamento das papilas, ausência de vasculite e eosinofilia periférica em até 50% dos casos (Figura 26) (33).

Figura 26- Material de biópsia do intestino delgado de paciente portador de Gastroenteropatia Eosinofílica, evidenciando importante atrofia vilositária e intenso infiltrado linfo-plasmocitário e eosinofílico na lâmina própria.

Esofagite Eosinofílica é mais frequentemente observada em escolares e adolescentes e tipicamente se apresenta com sintomas de refluxo gastro-esofágico, como por exemplo, náusea, disfagia, vômitos e dor epigástrica.

Gastroenterite Eosinofílica pode ocorrer em qualquer idade, inclusive em lactentes, particularmente nestes últimos a manifestação clínica pode ser de estenose hipertrófica do piloro, com vômitos intensos. Perda de peso ou ganho pondero-estatural insuficiente é uma característica marcante dessa entidade clínica. Na dependência da extensão e da localização do envolvimento do processo inflamatório, o paciente pode apresentar dor abdominal, vômitos, diarréia, sagramento intestinal, anemia ferropriva e até mesmo enteropatia perdedora de proteínas, levando a edema dos membros inferiores devido à hipoalbuminemia (Figura 27).

Figura 27- Paciente portador de Gastroenteopatia Eosinofílica com enteropatia perdedora de proteínas; notar discreto edema tibial biteral devido à hipoalbuminemia.
COLITE ALÉRGICA


A manifestação clínica mais intensa e exuberante é a diarréia sanguinolenta associada a cólicas, as quais estão presentes em cêrca de 90% dos pacientes. Geralmente os sintomas apresentam-se de início insidioso instalando-se na imensa maioria dos casos nos primeiros 6 meses de vida, mais particularmente ainda nos primeiros 3 meses. O sangue costuma ser "vivo" misturado às fezes, e, em algumas circunstâncias pode haver apenas sangramento retal em decorrência do processo inflamatório que afeta a mucosa colônica, tratando-se, portanto, de uma lesão interna. O sangramento costuma ser intermitente e de escassa quantidade; somente em raras situações pode haver perda importante de sangue, acarretando anemia aguda. Em alguns casos, especialmente quando o lactente está recebendo aleitamento natural o sangramento pode não ser visível a "olho nú", e isto é o que se denomina sagramento "oculto", o qual é detectado através de método imunológico em fezes recém eliminadas (34).

Regurgitação e vômitos também podem estar presentes com frequência muito variável entre 20 e 100% dos pacientes, o que pode ser um fator de interpretação equivocada da Doença do Refluxo Gastroesofágico. Na maioria das vezes não há uma clara percepção do agravo do crescimento pondero-estatural, porém, ao se instituir o tratamento correto nota-se nitidamente a ocorrência de uma rápida recuperação nutricional, com ganho pondero-estatural acelerado.

ENTEROPATIA ALÉRGICA

A Enteropatia Alérgica provocada por uma ou mais proteínas heterólogas da dieta geralmente surge nos primeiros 3 a 6 meses da vida, na imensa maioria dos casos em lactentes recebendo aleitamento artificial (não é freqüente em lactentes recebendo aleitamento natural, porém é possível a passagem de antígenos alimentares via leite humano e em conseqüência disto ocorrer manifestação de AA; vale frisar que a β-lactoglobulina, a principal proteína alergênica do leite de vaca, pode ser detectada no leite humano em 95% das mulheres durante a fase da amamentação), seja através do leite de vaca ou de outro animal, fórmulas lácteas e/ou fórmulas de soja. As principais manifestações clínicas são diarréia, caracterizada por fezes amolecidas e volumosas devido à esteatorréia, perda de peso ou ganho ponderal inadequado, parada no ritmo de crescimento em estatura, distensão abdominal com flatulência e em algumas ocasiões vômitos associados. Ao exame físico o paciente mostra-se com aspecto desnutrido, apático, tecido celular subcutâneo escasso ou mesmo praticamente ausente e hipotrofia e hipotonia muscular, em especial na região glútea (Figuras 28 e 29) (35).




Figuras 28 e 29– Paciente por ocasião do diagnóstico de APLV; notar o aspecto emagrecido, hipotonia e hipotrofia da musculatura, diminuição do tecido celular sub-cutâneo, distensão abdominal e dermatite de fralda caracterizada por lesões eritemato-papulosas na região glútea.

O aspecto físico dos pacientes em muito se assemelha ao que se poderia alcunhar de “Doença Celíaca em miniatura”, a qual pode ser totalmente descartada, posto que, na quase totalidade dos casos, devido à precocidade da faixa etária, os lactentes ainda não tiveram a oportunidade de entrar em contacto com o trigo e derivados em suas dietas. É importante salientar que cerca de 30 a 50% dos pacientes com APLV e derivados apresentam reação alérgica cruzada à Proteína da Soja. Outro aspecto que merece ser ressaltado é que este tipo de AA é transitório tendendo a desaparecer ao final do primeiro ou segundo ano de vida, em contraste com a Doença Celíaca que é uma intolerância definitiva ao trigo e derivados. Os testes de avaliação da função digestivo-absortiva mostram-se anormais, caracterizados por má absorção da D-xilose e excreção anormalmente aumentada de gordura nas fezes, e a biópsia do intestino delgado revela uma atrofia vilositária subtotal, que pode ser focal (Figuras 30-31 e 32).



Figura 30- Gráfico de crescimento pondero-estatural da paciente por ocasião do diagnóstico; observar a perda de peso e a parada do rítmo de crescimento, uma evidencia de importante agravo do estado nutricional devido à síndrome de má absorção como consequência da Enteropatia Alérgica.



Figura 31- Testes da função digestivo-absortiva por ocasião do diagnóstico em um grupo de 40 pacientes portadores de Enteropatia Alérgica. Notar que tanto o teste de absorção da D-xilose quanto o teste da digestão e absorção dos Triglicérides encontram-se significativamente abaixo dos valores observados em indivíduos normais.



Figura 32- Material de biópsia de intestino delgado à microscopia óptica comum, aumento médio, evidenciando atrofia vilositária sub-total e discreta hipertrofia das glândulas crípticas.

Após a introdução de dieta apropriada os pacientes apresentam rápida reversão do quadro diarréico passando a se recuperar clínica e nutricionalmente, e, concomitantemente, o mesmo ocorre com os testes de avaliação da função digestivo-absortiva, e da morfologia do intestino delgado (Figuras 33-34 e 35).

 
Figura 33- Gráfico pondero-estatural do paciente após tratamento dietético e recuperação clínica e nutricional.




Figura 34- Comparação da avaliação da função digestivo-absortiva antes e após o tratamento em um grupo de pacientes portadores de Enteropatia Alérgica; notar também a recuperação da morfologia do intestino delgado evidenciando vilosidades digitiformes, dentro dos padrões da normalidade.


Figura 35- Paciente pós tratamento dietético apropriado em plena recuperação clínica e nutricional (trata-se da mesma paciente das figuras 28 e 29).

Referências Bibliográficas
33. Cherian, S. e cols., Arch Dis Chil 2006; 91: 1000-4.

34. Diaz, N. J. e cols., Arq Gastroenterol 2002; 39:260-67.

35. Host, A., Pediatr Allergy Immunol 1994; 5: 5-36.


No nosso próximo encontro continuarei a discussão sobre este fascinante tema.

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