segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Constipação Funcional: diagnóstico e tratamento (3)

1- Terapia Comportamental
A terapia comportamental sempre deve vir acompanhada do uso de laxantes por via oral, cujo objetivo é o de reduzir o nível de estresse e, além disso, desenvolver ou restaurar os hábitos intestinais normais por meio de um reforço positivo. Recentemente (van Dijk – Pediatrics, 121: e1334-41, 2008), um ensaio clínico randomizado realizado por um Psicólogo Pediátrico (utilizando o processo de aprendizagem para reduzir as reações fóbicas relacionadas com a evacuação, o qual consiste de 5 passos sequenciais, a saber: conhecer – cuidar – poder – desejar – fazer), comparou a terapia comportamental com o tratamento convencional realizado por um Gastroenterologista Pediátrico (educação – diário – treinamento esfincteriano com sistema de premiação), durante 22 semanas e que incluíram 12 visitas. Ambos os grupos foram tratados com o uso de laxantes similares. Embora tenha sido encontrado um aumento estatisticamente significante na frequência das evacuações, bem como uma redução dos escapes fecais em ambos os grupos, não houve porém diferenças significativas na frequência das evacuações e nem tão pouco no número de episódios de escape fecal ao cabo das 22 semanas e 6 meses depois, entre os dois grupos estudados. Além disso, não houve diferenças significativas nas taxas de sucesso entre ambos os grupos. Após 6 meses, o percentual de crianças com problemas comportamentais mostrou-se significantemente mais baixo no grupo que recebeu terapia comportamental comparado com o grupo tratado convencionalmente (11,7% vs 29,2%). O manual de conduta holandês, o qual se baseou parcialmente neste estudo, recomenda a indicação de tratamento com psicólogos somente naquelas crianças que apresentam graves problemas emocionais. Além disso, a terapia comportamental pode ser de grande valia naquelas crianças cuja terapia com laxantes tenha fracassado.

2- Tratamentos Não Farmacológicos
O tratamento da constipação é de longa duração e as recidivas são frequentes. Portanto, não é surpreendente que os pais das crianças com transtornos funcionais da defecação venham a procurar auxilio de outros profissionais da saúde. O tratamento não farmacológico inclui uma intervenção multidisciplinar, o emprego de pré e pró-bióticos, e medicamentos alternativos (acupuntura, homeopatia, terapia mente e corpo, manipulações músculo-esqueléticas, tais como manipulações osteopráticas e quiropráticas, e terapias espirituais como a Yoga). Vlieger e cols. (Pediatrics, 122:e446-51, 2008), demonstraram que 36,4% das crianças com constipação funcional usaram alguma forma de medicina complementar, tais como acupuntura e homeopatia. Entretanto, não existe na literatura ensaios clínicos controlados e randomizados que avaliem a eficácia de tratamentos multidisciplinares ou qualquer tratamento com medicações alternativas, os quais, portanto, não devem ser recomendados.

Algumas hipóteses têm sido postuladas do por que os pró-bióticos possam vir a ter um potencial terapêutico para o tratamento da constipação. Neste sentido tem sido sugerida a existência de uma disbiose na flora intestinal em pacientes com constipação, a qual pode ser regulada depois da ingestão de pró-bióticos. Entretanto, não esta claramente definida se a disbiose é uma manifestação secundária da constipação ou um mero fator contribuinte para a constipação. Por outro lado, os pró-bióticos podem diminuir o pH do intestino grosso, aumentando a peristalse, o que subsequentemente diminui o tempo do trânsito colônico. Uma revisão sistemática incluindo dois ensaios clínicos controlados e randomizados avaliaram os efeitos dos pró-bióticos. Um estudo demonstrou aumento da frequência das evacuações e uma diminuição na frequência da dor abdominal quando se utilizou o pró-biótico Lactobacillus casei rhamnosus em comparação com um placebo. O outro ensaio mostrou que o pró-biótico Lactobacillus casei GG não se revelou eficaz como tratamento coadjuvante da Lactulose. Ambos os ensaios não descreveram quaisquer eventos adversos nos grupos que receberam os pró-bióticos.

Pré-bióticos são carboidratos de cadeia curta que alteram a composição ou o metabolismo da microbiota intestinal de uma maneira benéfica. É esperado, portanto, que os pré-bióticos venham a melhorar o estado de saúde de um modo similar ao induzido pelos pró-bióticos, enquanto que, ao mesmo tempo, são mais baratos, oferecem menores riscos de complicação e são mais facilmente incorporáveis à dieta que os pró-bióticos. Em relação aos pré-bióticos conseguimos encontrar na literatura uma única revisão sistemática de um ensaio clínico randomizado e controlado comparando uma fórmula rotineira com uma fórmula contendo uma mistura de pré-bióticos. Não houve qualquer diferença significativa entre os dois grupos estudados no que se refere à frequência das evacuações por semana após três semanas de estudo, mas, no grupo que recebeu pré-bióticos houve uma pequena melhora no que diz respeito à consistência das fezes, embora este achado não tenha se mostrado estatisticamente significante. Tomando-se por base esses dados limitados, o uso rotineiro de pré ou pró-bióticos para o tratamento da constipação na infância não está recomendado no manual de conduta holandês.

3- Seguimento
Apenas 50% de todas as crianças seguidas entre 6 e 12 meses apresentaram cura da constipação e foram exitosamente “desmamadas” do uso de laxantes. Além disso, em 50% dos pacientes que utilizaram tratamento com laxantes foram registrados efeitos colaterais adversos, tais como: dor abdominal, flatulência, diarreia, náusea e distensão abdominal. Não existem dados disponíveis na literatura quanto a possíveis efeitos adversos de longo prazo tais como distúrbios eletrolíticos, lesão da mucosa e dependência, com relação aos diferentes laxantes disponíveis. Baseados nesses dados torna-se de grande importância o desenvolvimento de novas estratégias de tratamento para este específico transtorno crônico.

4- Qualidade de Vida
As crianças que sofrem de constipação funcional relatam ter uma qualidade de vida prejudicada em relação às queixas físicas e a longa duração dos sintomas. A qualidade de vida relatada pelos pais destas crianças mostra-se ainda mais pessimista do que aquela descrita pelas próprias crianças. Ainda mais importante, aquelas crianças que persistem apresentando sintomas de constipação encontram-se sob o risco de apresentarem comportamento global abaixo do esperado e de sofrer uma deficiente qualidade de vida tanto na infância quanto quando atingirem a idade adulta.

MEUS COMENTÁRIOS
Está bem estabelecido que a constipação crônica funcional é um grande estorvo tanto para o paciente quanto para seus familiares. Conforme se pode depreender da experiência holandesa, transcrita neste artigo de revisão, a constipação crônica funcional trata-se de um transtorno de difícil solução definitiva e que na maioria das vezes apresenta evolução extremamente tortuosa, e que não se pode prever com segurança a total resolução dos sintomas. A situação torna-se ainda mais problemática quando a constipação crônica vem acompanhada de escape fecal, porque além do problema da constipação em si, tem-se o agravo do estigma social decorrente do odor extremamente desagradável exalado pelo paciente. É, portanto, sob este ponto de vista que se devem envidar esforços para curar a constipação, mas, caso o êxito terapêutico não seja de todo alcançado, pelo menos se deve evitar a persistência do escape fecal. É, portanto, nossa missão atuar para atingir a cura definitiva, mas se este objetivo por quaisquer razões não for conseguido, pelo menos se devem evitar que os efeitos colaterais adversos da constipação funcional crônica prejudiquem de forma significativa a qualidade de vida dos nossos pacientes.

Nenhum comentário: