quarta-feira, 27 de abril de 2011

O emprego de pró-bióticos para aliviar os sintomas da Síndrome do Intestino Irritável

Introdução
A Síndrome do Intestino Irritável (SII), como se sabe, é um transtorno funcional, conceituada como tal pelos critérios de Roma II (Gut 199;45(Suppl 2):1160-68) e reafirmada pelos critérios de Roma III (Gastroenterology 2006;130:1527-37). Os sintomas que caracterizam esta síndrome devem incluir todas as seguintes manifestações clínicas: 1- Desconforto abdominal ou dor abdominal associada com pelo menos 2 das seguintes situações em pelo menos 25% do tempo, a saber: a) alívio após a defecação; b) instalação acompanhada de alteração na freqüência das evacuações e c) instalação associado com alteração na forma das fezes; 2- Ausência de evidência de processo inflamatório, anatômico, metabólico ou neoplásico que possa justificar as manifestações clínicas referidas pelo paciente.

Admite-se a SII é diagnosticada em 0,2% das crianças (média de idade 52 meses) atendidas clínicas pediátricas de atenção primária e de 22 a 45% das crianças entre 4 e 18 anos referidas aos cuidados clínicos de atenção terciária.

Os sintomas que de forma cumulativa dão sustentação ao diagnóstico da SII são: 1- freqüência anormal das evacuações (4 ou mais por dia e 2 ou menos por semana); 2- formato anormal das fezes (endurecidas ou amolecidas e líquidas); 3- eliminação dificultada das fezes (esforço, urgência, ou sensação de evacuação incompleta); 4- eliminação de muco e 5- flatulência ou sensação de distensão abdominal.

Trabalhos de investigação têm documentado a ocorrência de hipersensibilidade visceral nas crianças portadoras da SII, a qual pode estar relacionada a inúmeros problemas clínicos, tais como: infecção, inflamação, trauma intestinal, alergia e pode estar associada a alguma anormalidade na motilidade intestinal. Admite-se que exista uma predisposição genética, a existência prévia de fatores estressantes e a incapacidade emocional do paciente em contornar estes fatores.

Algumas características psicológicas estão usualmente presentes, a saber: ansiedade, depressão e outras múltiplas queixas somáticas acompanham o quadro clínico.

Diante do desconhecimento da intimidade do processo fisiopatológico que envolve esta síndrome tem sido propostos diversos esquemas terapêuticas com as variadas abordagens que em geral resultam infrutíferas para aliviar estes sintomas funcionais. Recentemente, entretanto surgiu um artigo de investigação no Journal odf Pediatric Gastroenterology and Nutrition (JPGN 2010;51:24-30) produzido por Stefano Guandalini e cols. tendo como objetivo investigar a eficácia do emprego de um pró-biótico, para aliviar os sintomas, em um grupo de adolescentes portadores da SII., e que a seguir passo a reproduzir seus aspectos de maior importância.

Os autores afirmam que embora a etiologia da SII permaneça desconhecida, há reconhecimento crescente do papel de que as infecções entéricas e as alterações da microflora colônica estão envolvidas na gênese desta condição. Por esta razão, recentemente o uso de pró-bióticos tem sido proposto com eficácia em adultos; na faixa etária pediátrica lactobacilos GG foram testados oferecendo resultados conflitantes. Até o presente momento, nenhuma pesquisa foi realizada na idade pediátrica utilizando-se a mistura pró-biótica VSL, que se constitui em um preparado pró-biótico patenteado e que resultou em alguma eficácia em investigações realizadas em adultos com a SII. VSL contém bactérias acido-lácticas vivas e congeladas secas em uma concentração total de 450 bilhões de bactéria por pacote, compreendendo 8 cepas diferentes, a saber: Bifidobacterium breve, B longum, B infantis, Lactobacillus acidophilus, L plantarum, L casei, L bulgaris e Streptococcus thermophilus.
O presente trabalho teve por objetivo avaliar a eficácia desta mistura de pró-bióticos administrada por via oral em crianças portadoras de SII.

Pacientes e Métodos


Esta investigação baseou-se em um ensaio clínico “crossover”, randomizado, controlado por placebo, realizado em 5 centros pediátricos de cuidados terciários localizados na Itália e na Índia. O centro de Chicago serviu como pólo de coordenação, aonde os dados foram unificados e analisados. Foram considerados elegíveis para serem incluídos no estudo pacientes de ambos os sexos com idades que variaram de 4 a 18 anos de idade, portadores da SII, diagnosticados de acordo com os critérios de Roma II. Inicialmente os pacientes foram submetidos a uma fase de observação por 2 semanas sem receberem quaisquer medicamentos, durante a qual preenchiam um questionário a respeito dos sintomas. Após completar este período inicial foram alocados de forma randomizada duplo cego para receberem o placebo ou a intervenção medicamentosa com a mistura de pró-bióticos. Os pacientes recebiam um sache de VSL#3 (1 por dia para as crianças de 4 a 11 anos e 2 por dia para as de 12 a 18 anos) ou um sache de idêntica aparência contendo o placebo para serem administrados durante 6 semanas. Nenhum outro medicamento, exceto analgésicos, foi permitido ser administrado durante o período de duração do estudo. Durante todo este período os pacientes ou seus cuidadores deveriam preencher um extenso questionário para avaliar as manifestações clínicas em ambos os grupos. Os pacientes foram acompanhados clinicamente a cada 2 semanas até o final do estudo. Após as semanas iniciais os pacientes permaneceram sem receber quaisquer medicamentos por 2 semanas, e ao cabo deste período de tempo os grupos foram invertidos, ou seja, os que haviam recebido a mistura de pró-bióticos passaram a receber o placebo e vice-versa para aqueles que haviam recebido o placebo. O período de estudo foi finalizado com uma última consulta e com o preenchimento do questionário final. Os formulários de cada paciente dos centros de investigação foram enviados para o centro coordenador e o código da randomização foi, então, rompido para a elaboração da análise dos dados obtidos (Tabela 1).



O primeiro ponto final de avaliação dos pacientes foi o grau de alívio global dos sintomas. O segundo ponto final de avaliação dos pacientes foi o grau de alívio específico dos sintomas, a saber: desconforto/dor abdominal, padrão das fezes, distensão abdominal e o impacto que as manifestações clínicas do paciente portador da SII apresentaram sobre a vida familiar.

Resultados

De um total de 67 pacientes inicialmente eleitos para participar da investigação 59 deles completaram o ensaio clínico. A idade média dos pacientes foi de 12,5 anos. Não ocorreu qualquer evento adverso com os pacientes durante todo o transcorrer do estudo. A Tabela 2 discrimina aas características clínicas de base dos pacientes no momento do ingresso no estudo.
1- A Figura 1 revela o primeiro ponto final de avaliação, o qual diz respeito ao grau de alívio global dos sintomas.

2- A Figura 2 ilustra a progressão dos escores quanto aos episódios de desconforto/dor abdominal.
3- A Figura 3 demonstra as alterações dos escores relativos à distensão abdominal.

4- A Figura 4 evidencia as alterações dos escores quanto aos padrões de evacuação.

5- A Figura 5 refere-se à percepção dos familiares em relação à evolução clínica do paciente durante o período do estudo.


Conclusão

Os autores concluem que este é o primeiro estudo dirigido a avaliar o uso da mistura de pró-bióticos VSL#3 em crianças portadoras da SII. Afirmam que os achados deste estudo revelaram que o medicamento testado foi efetivo em promover um alívio na percepção global dos sintomas, na intensidade e na freqüência da dor abdominal, na distensão abdominal e na melhoria da qualidade de vida observada pelo cuidadores; não ocorreu uma significante modificação no número das evacuações e nem tão pouco nas características das fezes. Por estas razões acreditam os autores que o medicamento VSL#3 é um bem-vindo acréscimo ao paupérrimo arsenal de estratégias terapêuticas disponíveis para crianças e adolescentes portadoras de SII.

Comentário

Indiscutivelmente trata-se de um projeto de pesquisa extremamente detalhado e cuidadoso atendendo com rigor as normas científicas metodológicas exigidas para este tipo de ensaio clínico. Fica evidente, porém, que o objetivo do presente trabalho é propor um medicamento que possa promover um alívio sintomático e não agir sobre a causa deste transtorno funcional de tão elevada prevalência pelo menos nos países do mundo ocidental. Vale ressaltar que na minha vivência clínica entendo a SII como uma manifestação clínica de origem psicossomática, posto que é universalmente reconhecido que o trato digestivo representa uma caixa de ressonância das inúmeras tensões emocionais a que estão sujeitas as crianças e os adolescentes, bem como os adultos, devido ao alucinante ritmo de vida que a sociedade moderna inevitavelmente nos impõe. Atuar na causa dos problemas é em primeiro lugar reconhecer que a SII se trata de um transtorno funcional, e que, portanto, não produz quaisquer alterações de natureza inflamatória, anatômica ou bioquímica, pelo menos até o presente conhecidas pela medicina, ou seja, não apresenta riscos de vida ao paciente a médio ou em longo prazo. Em segundo lugar, deve-se orientar os familiares para a natureza benigna da SII, e que, a melhor proposta para aliviar os sintomas, é a de se fazer um grande esforço para aprender a lidar com eles, e assim evitar o surgimento e a persistência dos seus efeitos indesejáveis.

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