segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Afecções Funcionais Gastrointestinais: Um Problema Emergente e de Alta Prevalência (6)

Distúrbios da Evacuação

A freqüência das evacuações nos lactentes e pré-escolares sadios tende a diminuir à medida que as crianças avançam na idade. Lactentes que recebem aleitamento natural chegam a evacuar até 12 vezes ao dia ou podem mesmo evacuar apenas 1 vez por semana. Por outro lado, lactentes que recebem aleitamento artificial à base de fórmulas tendem a eliminar fezes mais firmes desde as primeiras semanas de vida. Em particular, esses lactentes podem sofrer dor para evacuar e, em conseqüência, passam a apresentar predisposição para desenvolver constipação funcional.

Usualmente, ocorre um declínio na freqüência das evacuações, a qual em média é de 4 vezes por dia na primeira semana para 1 a 2 vezes por dia até o quarto ano de vida. Aproximadamente 97% das crianças entre 1 e 4 anos de vida evacuam de 3 vezes diariamente a 1 vez em dias intercalados. É importante enfatizar que não é possível acelerar a aquisição dos controles esfincterianos vesical e intestinal por meio da realização de um treinamento intensivo. A iniciativa demonstrada pela própria criança do desejo de se livrar das fraldas é um indicativo importante de que ela já se encontra em condições de receber o treinamento apropriado. A maioria das crianças alcança o controle voluntário parcial da evacuação ao redor dos 18 meses de vida, porém a idade em que este controle torna-se completo varia consideravelmente. É bem conhecido que aos 4 anos de idade 98% das crianças detém o controle esfincteriano voluntariamente.

As preocupações relacionadas aos problemas da evacuação são responsáveis por aproximadamente 25% das consultas ambulatoriais ao gastroenterologista pediátrico, e disto passaremos a nos ocupar a seguir.

1- Disquezia do Lactente
A disquezia se caracteriza pelo relato dos familiares dos lactentes quando estes últimos apresentam dificuldades para evacuar. Nestas circunstâncias o lactente faz um grande esforço para evacuar durante longos minutos, com choro intenso, irritabilidade e rubor facial devido ao esforço. Os sintomas costumam persistir durante cerca de 10 a 20 minutos até que venha a ocorrer a eliminação de fezes pastosas e às vezes mesmo fezes líquidas. Estes sintomas são o prenúncio de que mais adiante surgirão os sintomas clássicos da Síndrome do Intestino Irritável. Os sintomas se iniciam nas primeiras semanas de vida e desaparecem espontaneamente depois de algumas semanas.

O médico deve obter uma história clínica detalhada, analisar o gráfico de crescimento pondero-estatural e realizar um exame clínico que inclui toque retal (na presença dos familiares) para descartar anormalidades ano-retais.


Os critérios diagnósticos para a “Disquezia do Lactente” devem incluir todos os seguintes sintomas nos lactentes desde o nascimento até os 6 meses de idade:
1. Pelo menos 10 minutos de grande esforço para evacuar associado a choro intenso antes da evacuação.
2. O lactente não deve apresentar nenhum outro problema de saúde.

2- Constipação Funcional
Constipação é uma queixa principal em cerca de 3% das consultas em Pediatria, e aproximadamente 40% das crianças desenvolvem o problema durante o primeiro ano de vida. Admite-se que a dor para evacuar seja uma razão primordial para o surgimento do comportamento de retenção das fezes. A identificação de uma massa fecal palpável nos flancos antes da evacuação representa um aspecto característico da constipação funcional. A defecação dolorosa de um bolo fecal geralmente acarreta uma resistência para a criança evacuar e isto leva a um círculo vicioso de difícil solução.

O diagnóstico da constipação funcional deve ser estabelecido pela história clínica e pelo exame físico. A rigor, pouca ou nenhuma investigação laboratorial é necessária ou desejável para se estabelecer o diagnóstico. A instalação dos sintomas freqüentemente surge durante 1 de 3 períodos da vida, a saber: (1) na fase de lactente, com o surgimento de fezes endurecidas, geralmente no momento que corresponde à transição do aleitamento natural para a introdução de fórmulas comerciais e/ou a introdução de dieta sólida; (2) na idade pré-escolar durante a fase do treinamento esfincteriano, quando o lactente está tentando controlar suas evacuações e eventualmente pode apresentar dor ao evacuar; (3) quando a criança tem que ir para a escola e por questões variadas evita evacuar durante todo o dia. As crianças que apresentam comportamento de retenção usualmente assumem posições e atitudes que dificultam a ação fisiológica da evacuação, tais como permanecer na posição ereta, agarrar-se a alguma mobília, cruzar as pernas, ou mesmo esconder-se em algum canto do ambiente doméstico.

Em algum momento durante a vigência da constipação pode vir a ocorrer escape fecal e como as fezes que são eliminadas pelo escape geralmente são líquidas podem ser confundidas com um episódio de diarréia. O escape fecal ocorre quando o bolo fecal endurecido mantém contato com a mucosa e, por atrito, provoca uma secreção líquida que é eliminada quando o paciente inadvertidamente relaxa o esfíncter anal externo (durante o sono, devido ao cansaço ou na tentativa de eliminação de gases).

Ao exame físico geralmente é possível palpar o bolo fecal no flanco esquerdo na região que topograficamente corresponde ao colo descendente e ao sigmóide. O toque retal deve ser realizado (na presença dos familiares) para confirmar o diagnóstico, porém, sempre após o estabelecimento de uma relação de boa intimidade e confiança com o paciente, para evitar uma reação negativa de medo ou constrangimento.

Os sintomas se devem ao esforço voluntário da criança para evitar a evacuação. A dor abdominal ocorre em virtude das contrações colônicas normais, que impulsionam o conteúdo luminar em sentido distal e o qual se choca com o esfíncter anal externo contraído (músculo voluntário).

Os critérios diagnósticos para a “Constipação Funcional” devem incluir todos os seguintes sintomas nos lactentes até os 4 anos de idade:
1. Duas ou menos evacuações por semana
2. Pelo menos um episódio de escape fecal por semana
3. História de retenção excessiva de fezes
4. História de dor para evacuar e fezes endurecidas
5. Presença de bolo fecal palpável no reto
6. História de fezes de grande calibre que chegam a obstruir o vaso sanitário.

No nosso próximo encontro continuarei a discutir as mais variadas nuances e os novos conhecimentos deste excitante problema que afeta um sem número de crianças em todo o globo terrestre.

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