quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Alergia Alimentar na infância e suas manifestações digestivas: uma enfermidade cada vez mais prevalente no mundo moderno (5)

Alergenos Alimentares

A diversidade alimentar do ser humano nas mais variadas culturas é vastíssima, mas, na verdade apenas um número relativamente pequeno de alimentos é responsável pela ocorrência de Alergias Alimentares no nosso universo.

A sensibilização pelos alergenos alimentares pode acontecer basicamente de 2 formas, a saber: 1- pelo Trato Gastrointestinal, considerada tradicional ou Classe 1 de Alergia Alimentar; 2- por Inalação, denominada de Alergia Alimentar Classe 2.

Os alergenos Classe 1 mais freqüentemente descritos como causadores de Alergia Alimentar nas crianças são o leite, soja, ovo, e, nos EUA, o amendoim, enquanto que nos adultos os alergenos alimentares que mais comumente causam reações alérgicas são o amendoim, castanhas, peixes e frutos do mar.
A maioria dos alergenos alimentares Classe 1 são glicoproteínas solúveis em água com peso molecular que varia entre 10 e 70 kilodaltons, e são razoavelmente estáveis ao aquecimento, desnaturação ácida e ação das proteases.

Por outro lado, é importante ressaltar que proteínas vegetais têm sido cada vez mais caracterizadas como alergenos alimentares e cuja composição aparentemente se assemelha à dos alergenos animais. A maioria dos alergenos de origem vegetal, descritos até o presente, podem ser enquadrados em 2 grandes grupos, de acordo com suas funções na própria planta, a saber:

1- Proteínas de Defesa (incluídas as denominadas proteínas PR ou “proteínas relacionadas à patogenicidade”), as quais estão envolvidas em mecanismos de auto-proteção contra pragas, vírus e parasitas. Estas proteínas também são produzidas como respostas às agressões ambientais e conseqüentemente podem estar presentes em quantidades variáveis dentro de uma mesma espécie de fruta ou vegetal. As profilinas, que tem um papel fundamental na regulação da polimerização dos filamentos de actina e correspondem à maior porção dos alergenos Classe 2, são altamente preservadas em todo o reino vegetal e freqüentemente apresentam uma reação cruzada entre o pólen e o alimento. Os pacientes com freqüência tornam-se sensibilizados ao pólen inalado e, em virtude das reatividades cruzadas com as profilinas das frutas ou vegetais, apresentam sintomas orais e faríngeos após a ingestão da fruta crua ou do vegetal, o que é denominado de Alergia Alimentar ao pólen ou Síndrome Alérgica Oral.
2- Proteínas de Estocagem, as quais se encontram acumuladas principalmente nas sementes maduras, e que são mobilizadas durante a germinação como fonte de Nitrogênio (amino-ácidos) e cadeias de Carbono para o embrião e a nova planta, nos momentos iniciais do desenvolvimento da mesma. Neste grupo estão incluídas as superfamílias das prolaminas e das cupinas.
A superfamília das prolaminas inclui as proteínas majoritárias das farinhas de trigo (asma do padeiro), cevada e centeio, e a albumina 2S das leguminosas, frutos secos e especiarias. A superfamília das cupinas agrupa as proteínas tipo germinas, leguminas e vicilinas. Germinas alergênicas têm sido caracterizadas na laranja, pimenta e trigo. As leguminas são alergenos proeminentes no amendoim, soja e frutos secos (castanha do Pará e avelã). As vicilinas estão presentes nos frutos secos e em sementes como o sésamo.
Manifestações Clínicas no Trato Digestivo das Alergias Alimentares
As hipersensibilidades alimentares, como já anteriormente referidas, são deflagradas em indivíduos geneticamente susceptíveis, presumivelmente quando fracassa o desenvolvimento natural da tolerância oral ou quando este mecanismo sofre algum agravo importante. As reações alérgicas mediadas por IgE surgem quando anticorpos IgE alimentos-específicos residindo nos mastócitos e basófilos entram em contacto e se ligam aos alergenos alimentares circulantes e ativam as células para a liberação de potentes mediadores químicos e citoquinas. Na Tabela abaixo estão discriminadas as afecções digestivas causadas por Alergia Alimentar até o presente momento conhecidas e seus respectivos mecanismos imunológicos de ação.

Afecção -- ---------------------------Mecanismo de Ação

Síndrome Pólen-Alergia Alimentar -- mediada por IgE
(Síndrome Alérgica Oral)

Anafilaxia Gastrointestinal --------- mediada por IgE

Esofagite Eosinofílica -- -------------mediada por IgE e/ou celular

Gastrite Hemorrágica -- ------------mediada por IgE?

Gastroenteropatia eosinofílica -- ----mediada por IgE e/ou celular

Colite Alérgica -- -------------------mediada por células

Enteropatia Alérgica -- -------------mediada por células

Enteropatia Alérgica pós-gastroenterite -- mediada por células

Constipação -- ---------------------mediada por IgE e/ou células?


Síndrome Alérgica Oral

Esta afecção é causada por uma grande variedade de proteínas de plantas que apresentam reação cruzada com alergenos dispersos no meio ambiente, especialmente os polens liberados pelas seguintes plantas: Ambrosia, Bétula e Artemísia. Indivíduos alérgicos a Ambrosia podem apresentar alergia a melão e banana, aqueles que são alérgicos a grama podem desenvolver sintomas ao ingerir tomate cru, e indivíduos alérgicos ao pólen da Bétula podem deflagrar sintomas depois da ingestão de alimentos crus tais como cenouras, maçãs, peras e kiwi. Tendo em vista que os alergenos responsáveis por essas reações são facilmente destruídos pelo calor e pelos ácidos gástricos, na maioria dos pacientes, as manifestações de alergia permanecem circunscritas às mucosas orais e faríngeas (Sampson H., J Allergy Clin Immunol 2004: 113: 805-19).

Anafilaxia Gastrointestinal

Esta é uma manifestação que se apresenta tipicamente de forma aguda com náuseas, dor abdominal em cólica e vômitos; pode ocorrer também o surgimento, em forma concomitante, de manifestações sintomáticas em outro órgão alvo.

Constipação
Muito embora desde longa data haja referência da associação de constipação e alergia ao leite de vaca, mais recentemente Iacono e cols. (J Pediatr 1995: 126: 34-9), em 1995, na Itália, trouxeram este tema de volta à literatura médica. Foram avaliadas 27 crianças menores de 3 anos que sofriam de constipação crônica funcional, as quais foram submetidas a uma dieta de exclusão de leite de vaca e derivados durante 1 mês. Neste período de tempo observou-se que houve aumento no número das evacuações, que estas ocorriam sem dor, houve eliminação de fezes pastosas, e, também, ocorreu cura das fissuras anais em 78% dos casos (21/27). O teste de desencadeamento realizado nas 21 crianças resultou positivo, ou seja, as crianças voltaram a sofrer de constipação em média 48 horas após a reintrodução do leite de vaca. Ao ser novamente retirado o leite de vaca da dieta destas crianças houve total normalização das evacuações. Posteriormente, em 1998, Iacono e cols. (N Engl J Med 1998: 339: 1100-4) estudaram 65 crianças menores de 6 anos de idade que sofriam de constipação crônica funcional e que não responderam ao tratamento com laxantes. Foram realizados dois testes de desencadeamento duplo-cego e 68% (44/65) dos pacientes revelaram-se alérgicos ao leite de vaca, apresentando normalização das evacuações quando submetidos à dieta isenta de leite de vaca e derivados.

Em 2001, Daher e cols. (Pediatr Allergy Immunol 2001: 12: 339-42), em São Paulo, na Disciplina de Gastroenterologia Pediátrica da Escola Paulista de Medicina, investigaram 25 crianças com idades que variaram de 3 meses a 11 anos que sofriam de constipação funcional e constataram que em 7 (28%) delas a constipação se resolveu quando o leite de vaca foi retirado da dieta por um período de 4 semanas, e, reapareceu dentro das primeiras 48-72 horas após a reintrodução do leite de vaca na dieta. Níveis elevados de IgE foram observados em 5 delas e que regrediram com a dieta de eliminação. Desta forma, alergia ao leite de vaca deve ser considerada naqueles casos de constipação refratários aos tratamentos habituais, muito embora o mecanismo fisiopatológico não esteja definitivamente elucidado.

Gastrite Hemorrágica

Trata-se de manifestação clínica bastante incomum e até 2003 tinham sido descritos apenas 10 casos na literatura médica. Entretanto, em 2003, Machado e cols. (Jornal de Pediatria 79: 80-1: 2003), em São Paulo, na Disciplina de Gastroenterologia Pediátrica da Escola Paulista de Medicina, descreveram mais 2 casos de gastrite hemorrágica, em crianças de 2 anos de idade que apresentavam desde os 2 meses hematêmese, vômitos e desnutrição. Submetidos à endoscopia digestiva alta observou-se em ambos os pacientes pangastrite erosiva hemorrágica e a biópsia gástrica revelou gastrite aguda ulcerada com intenso infiltrado eosinofílico (24,1 eosinófilos/campo de grande aumento). A biópsia duodenal evidenciou atrofia vilositária sub-total e a biópsia retal colite inespecífica. Após a eliminação de leite de vaca e derivados da dieta houve total regressão da sintomatologia e recuperação do estado nutricional.

No nosso próximo encontro continuaremos a apresentar as manifestações de Alergia Alimentar que acometem o trato digestivo.

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