Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto
A
renomada revista Gastroenterology publicou um artigo de revisão, em março
de 2025, intitulado “Intestinal Permeability in Disorders of Gut–Brain
Interaction: From Bench to Bedside”, de Madhusudan
Grover e cols., que abaixo passo a resumir em seus principais aspectos.
1. Introdução
Os transtornos da
interação trato digestivo-cérebro (TI TDC) são guiados por mecanismos
periféricos e fisiopatológicos centrais complexos. Os mecanismos fisiológicos
periféricos incluem alterações na motilidade, sensibilidade e permeabilidade
gastrointestinal. Há provavelmente uma significativa conversação cruzada entre estes
mecanismos, os quais podem guiar a sinalização para o sistema nervoso central
(SNC). Além disso, fatores mediados centralmente podem também influenciar a
função periférica. A barreira intestinal repousa sobre uma interface crítica
entre os mediadores luminais e os compartimentos da submucosa, neuromuscular e
sistêmico. A manutenção desta barreira é considerada crítica para o
funcionamento regulador homeostático do trato gastrointestinal.
Consequentemente, está implícito que uma disfunção da barreira é provavelmente a
mediadora da translocação de fatores nocivos, os quais, podem desta forma,
induzir disfunção epitelial, imune e neuromuscular. O conceito do aumento da
permeabilidade intestinal é um fator relevante na fisiopatologia dos
transtornos da interação cérebro-trato digestivo, e, ganhou notoriedade entre
os Gastroenterologistas, tendo recebido impropriamente o rótulo de “Síndrome do
Intestino Vazado”. A despeito da falta relativa de evidências mecanísticas
plausíveis, há considerações para a significância da disfunção da barreira de
permeabilidade nos pacientes portadores dos transtornos da interação trato digestivo-cérebro. (Figura 1)
Com uma área total
de aproximadamente 30m2, a mucosa intestinal forma a maior
superfície de contato entre o meio ambiente, que nos circunda, e o meio
interno. Diferentemente da sólida barreira da epiderme, a barreira intestinal é
semipermeável para permitir a absorção dos nutrientes e água, e, ao mesmo
tempo, prevenir a penetração descontrolada de antígenos luminais não
processados e microrganismos. O intestino é também um local crítico para
dirigir e educar o sistema imunológico inato e adaptativo, por meio de uma
continua troca entre o alimento no lúmen intestinal e os antígenos derivados da
microbiota. Este processo, é conhecido como Tolerância Oral, serve para
prevenir alergias alimentares e estabelecer uma relação simbiótica com a
microbiota comensal. O termo “função da barreira intestinal” se refere a
este delicado equilíbrio entre duas funções opostas de absorção
(permeabilidade) e de defesa (barreira). A função da barreira intestinal é
executada por múltiplos atores (Figura 2A) que incluem o conteúdo luminal contendo
a microbiota, e substâncias antimicrobianas e a camada de muco.
O componente mais importante e fator limitante da absorção da barreira é o epitélio intestinal. A passagem de compostos do lúmen através do epitélio pode ocorrer pelas rotas transcelular ou paracelular (Figura 2B)
A via paracelular é
a rota final para cruzar o epitélio, tem sido extensamente estudada em
situações de enfermidade. O acesso pelo espaço paracelular é controlado pelas
junções firmes (Figura 2B), enquanto os subjacentes complexos intercelulares juncionais
– junções aderentes e desmosomas – são principalmente relevantes na manutenção estrutural
do epitélio. Originalmente, entendidas como estruturas estáticas para prover a vedação
intercelular, as junções firmes são atualmente reconhecidas como portões
adaptáveis para regular o fluxo através do epitélio.
3. Função da Barreira prejudicada e os Transtornos da interação cérebro-trato digestivo (TI CTD)
A SII e a Dispepsia
Funcional (DF) são dois protótipos do (TI CTD) onde a barreira gastrointestinal
pode estar prejudicada, e, admite-se que o aumento da permeabilidade favorece a
penetração de antígenos luminares, no espaço sub-epitelial onde eles podem
ativar o sistema imunológico. Em realidade, várias investigações têm descrito
baixo grau de ativação imunológica na SII e da DF, especialmente com
infiltração e ativação dos mastócitos e eosinófilos. Além disso, em ambas as
condições clínicas, os mastócitos encontravam-se muito próximos das terminações
nervosas da mucosa, sugerindo um papel na geração de sintomas, e, tratamentos
dirigidos contra os mastócitos têm sido demonstrados serem bem-sucedidos na
SII. Entretanto, permanece uma controvérsia quanto ao defeito da barreira ser a
causa da ativação imunológica observada em interações neuro imunes, ou, por
outro lado, uma consequência da ativação dos mastócitos e eosinófilos levando a
liberação de mediadores tais como: a triptase, e, a principal proteína básica,
a qual pode aumentar a permeabilidade intestinal.
4. Tratamentos tendo como alvo a Barreira Intestinal nos Transtornos da Interação Cérebro-Trato Digestivo (TI CTD)
Há tratamentos
dietéticos, farmacológicos, probióticos e comportamentais cérebro-trato
digestivo que são considerados capazes de exercer efeitos benéficos sobre os
sintomas nos pacientes portadores de TI CTD, através de uma diminuição da
permeabilidade intestinal e da função da barreira mucosa. (Tabela 1, Figura 3).
5. Conclusões
A evidência das
acumulações mecanísticas sugere que a permeabilidade intestinal contribui para
a fisiopatologia dos TI CTD, tais como a SII e a DF. Entretanto, os resultados dos
testes de permeabilidade devem ser interpretados com precaução porque
diferentes aspectos da função da barreira intestinal são acessados, porém não a
totalidade deles – especialmente os biomarcadores não invasivos – estão
apropriadamente validados. Atualmente, nenhum teste disponível desempenha um
papel relevante na prática clínica. Para se designar um teste de permeabilidade
intestinal como um biomarcador clínico, um número maior de estudos é necessário
para desenvolver valores normativos. Além disso, estudos mecanísticos em seres
humanos são necessários para determinar de que maneira as alterações na
barreira contribuem para outros mecanismos, tais como: alterações na
sensibilidade visceral, função motora, respostas imunes e a sinalização trato
digestivo-cérebro. Uma série de atitudes, tais como, dietéticas, farmacológicas
e comportamentais podem trazer efeitos benéficos sobre os sintomas da TI CTD,
pelo menos em parte fortalecendo a permeabilidade intestinal e a função de
barreira da mucosa. Portanto, a inclusão de investigações sobre a função da
barreira intestinal em novos estudos no tratamento da TI CTD, trarão melhores
compreensões do papel da função da barreira intestinal. Além disso, novas
drogas com efeito mais direto sobre a barreira intestinal poderão propiciar
novas esperanças para os pacientes portadores de TI CTD e outras patologias
relacionais com a barreira intestinal.
Referências
Bibliográficas
1- Mars RAT e cols. - Cell 2020;182:1460-1473
2- Zuo L. e cols.- Cell Mol Gastroenterol Hepatol 2020;10:327-3430
3- Vanuytsel T. e cols. – Front Nutr 2021;8:71-79
4- Edwinson AL. e cols. – Nat Microbiol 2022;7:680-694