quarta-feira, 18 de junho de 2025

A permeabilidade intestinal na interação dos transtornos cérebro-trato digestivo: desde a escrivaninha até a beira do leito

 Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

A renomada revista Gastroenterology publicou um artigo de revisão, em março de 2025, intitulado “Intestinal Permeability in Disorders of Gut–Brain Interaction:  From Bench to Bedside”, de Madhusudan Grover e cols., que abaixo passo a resumir em seus principais aspectos.

1.   Introdução

Os transtornos da interação trato digestivo-cérebro (TI TDC) são guiados por mecanismos periféricos e fisiopatológicos centrais complexos. Os mecanismos fisiológicos periféricos incluem alterações na motilidade, sensibilidade e permeabilidade gastrointestinal. Há provavelmente uma significativa conversação cruzada entre estes mecanismos, os quais podem guiar a sinalização para o sistema nervoso central (SNC). Além disso, fatores mediados centralmente podem também influenciar a função periférica. A barreira intestinal repousa sobre uma interface crítica entre os mediadores luminais e os compartimentos da submucosa, neuromuscular e sistêmico. A manutenção desta barreira é considerada crítica para o funcionamento regulador homeostático do trato gastrointestinal. Consequentemente, está implícito que uma disfunção da barreira é provavelmente a mediadora da translocação de fatores nocivos, os quais, podem desta forma, induzir disfunção epitelial, imune e neuromuscular. O conceito do aumento da permeabilidade intestinal é um fator relevante na fisiopatologia dos transtornos da interação cérebro-trato digestivo, e, ganhou notoriedade entre os Gastroenterologistas, tendo recebido impropriamente o rótulo de “Síndrome do Intestino Vazado”. A despeito da falta relativa de evidências mecanísticas plausíveis, há considerações para a significância da disfunção da barreira de permeabilidade nos pacientes portadores dos transtornos da interação trato digestivo-cérebro. (Figura 1)

2.   Uma revisão da Barreira de Permeabilidade Intestinal

Com uma área total de aproximadamente 30m2, a mucosa intestinal forma a maior superfície de contato entre o meio ambiente, que nos circunda, e o meio interno. Diferentemente da sólida barreira da epiderme, a barreira intestinal é semipermeável para permitir a absorção dos nutrientes e água, e, ao mesmo tempo, prevenir a penetração descontrolada de antígenos luminais não processados e microrganismos. O intestino é também um local crítico para dirigir e educar o sistema imunológico inato e adaptativo, por meio de uma continua troca entre o alimento no lúmen intestinal e os antígenos derivados da microbiota. Este processo, é conhecido como Tolerância Oral, serve para prevenir alergias alimentares e estabelecer uma relação simbiótica com a microbiota comensal. O termo “função da barreira intestinal” se refere a este delicado equilíbrio entre duas funções opostas de absorção (permeabilidade) e de defesa (barreira). A função da barreira intestinal é executada por múltiplos atores (Figura 2A) que incluem o conteúdo luminal contendo a microbiota, e substâncias antimicrobianas e a camada de muco.


O componente mais importante e fator limitante da absorção da barreira é o epitélio intestinal. A passagem de compostos do lúmen através do epitélio pode ocorrer pelas rotas transcelular ou paracelular (Figura 2B)

A via paracelular é a rota final para cruzar o epitélio, tem sido extensamente estudada em situações de enfermidade. O acesso pelo espaço paracelular é controlado pelas junções firmes (Figura 2B), enquanto os subjacentes complexos intercelulares juncionais – junções aderentes e desmosomas – são principalmente relevantes na manutenção estrutural do epitélio. Originalmente, entendidas como estruturas estáticas para prover a vedação intercelular, as junções firmes são atualmente reconhecidas como portões adaptáveis para regular o fluxo através do epitélio.

3.   Função da Barreira prejudicada e os Transtornos da interação cérebro-trato digestivo (TI CTD)

A SII e a Dispepsia Funcional (DF) são dois protótipos do (TI CTD) onde a barreira gastrointestinal pode estar prejudicada, e, admite-se que o aumento da permeabilidade favorece a penetração de antígenos luminares, no espaço sub-epitelial onde eles podem ativar o sistema imunológico. Em realidade, várias investigações têm descrito baixo grau de ativação imunológica na SII e da DF, especialmente com infiltração e ativação dos mastócitos e eosinófilos. Além disso, em ambas as condições clínicas, os mastócitos encontravam-se muito próximos das terminações nervosas da mucosa, sugerindo um papel na geração de sintomas, e, tratamentos dirigidos contra os mastócitos têm sido demonstrados serem bem-sucedidos na SII. Entretanto, permanece uma controvérsia quanto ao defeito da barreira ser a causa da ativação imunológica observada em interações neuro imunes, ou, por outro lado, uma consequência da ativação dos mastócitos e eosinófilos levando a liberação de mediadores tais como: a triptase, e, a principal proteína básica, a qual pode aumentar a permeabilidade intestinal.

4.   Tratamentos tendo como alvo a Barreira Intestinal nos Transtornos da Interação Cérebro-Trato Digestivo (TI CTD)

Há tratamentos dietéticos, farmacológicos, probióticos e comportamentais cérebro-trato digestivo que são considerados capazes de exercer efeitos benéficos sobre os sintomas nos pacientes portadores de TI CTD, através de uma diminuição da permeabilidade intestinal e da função da barreira mucosa. (Tabela 1, Figura 3).



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5.   Conclusões

A evidência das acumulações mecanísticas sugere que a permeabilidade intestinal contribui para a fisiopatologia dos TI CTD, tais como a SII e a DF. Entretanto, os resultados dos testes de permeabilidade devem ser interpretados com precaução porque diferentes aspectos da função da barreira intestinal são acessados, porém não a totalidade deles – especialmente os biomarcadores não invasivos – estão apropriadamente validados. Atualmente, nenhum teste disponível desempenha um papel relevante na prática clínica. Para se designar um teste de permeabilidade intestinal como um biomarcador clínico, um número maior de estudos é necessário para desenvolver valores normativos. Além disso, estudos mecanísticos em seres humanos são necessários para determinar de que maneira as alterações na barreira contribuem para outros mecanismos, tais como: alterações na sensibilidade visceral, função motora, respostas imunes e a sinalização trato digestivo-cérebro. Uma série de atitudes, tais como, dietéticas, farmacológicas e comportamentais podem trazer efeitos benéficos sobre os sintomas da TI CTD, pelo menos em parte fortalecendo a permeabilidade intestinal e a função de barreira da mucosa. Portanto, a inclusão de investigações sobre a função da barreira intestinal em novos estudos no tratamento da TI CTD, trarão melhores compreensões do papel da função da barreira intestinal. Além disso, novas drogas com efeito mais direto sobre a barreira intestinal poderão propiciar novas esperanças para os pacientes portadores de TI CTD e outras patologias relacionais com a barreira intestinal.

Referências Bibliográficas

1-   Mars RAT e cols. - Cell 2020;182:1460-1473

2-   Zuo L. e cols.- Cell Mol Gastroenterol Hepatol 2020;10:327-3430

3-   Vanuytsel T. e cols. – Front Nutr 2021;8:71-79

4-   Edwinson AL. e cols. – Nat Microbiol 2022;7:680-694