quarta-feira, 18 de junho de 2025

A permeabilidade intestinal na interação dos transtornos cérebro-trato digestivo: desde a escrivaninha até a beira do leito

 Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

A renomada revista Gastroenterology publicou um artigo de revisão, em março de 2025, intitulado “Intestinal Permeability in Disorders of Gut–Brain Interaction:  From Bench to Bedside”, de Madhusudan Grover e cols., que abaixo passo a resumir em seus principais aspectos.

1.   Introdução

Os transtornos da interação trato digestivo-cérebro (TI TDC) são guiados por mecanismos periféricos e fisiopatológicos centrais complexos. Os mecanismos fisiológicos periféricos incluem alterações na motilidade, sensibilidade e permeabilidade gastrointestinal. Há provavelmente uma significativa conversação cruzada entre estes mecanismos, os quais podem guiar a sinalização para o sistema nervoso central (SNC). Além disso, fatores mediados centralmente podem também influenciar a função periférica. A barreira intestinal repousa sobre uma interface crítica entre os mediadores luminais e os compartimentos da submucosa, neuromuscular e sistêmico. A manutenção desta barreira é considerada crítica para o funcionamento regulador homeostático do trato gastrointestinal. Consequentemente, está implícito que uma disfunção da barreira é provavelmente a mediadora da translocação de fatores nocivos, os quais, podem desta forma, induzir disfunção epitelial, imune e neuromuscular. O conceito do aumento da permeabilidade intestinal é um fator relevante na fisiopatologia dos transtornos da interação cérebro-trato digestivo, e, ganhou notoriedade entre os Gastroenterologistas, tendo recebido impropriamente o rótulo de “Síndrome do Intestino Vazado”. A despeito da falta relativa de evidências mecanísticas plausíveis, há considerações para a significância da disfunção da barreira de permeabilidade nos pacientes portadores dos transtornos da interação trato digestivo-cérebro. (Figura 1)

2.   Uma revisão da Barreira de Permeabilidade Intestinal

Com uma área total de aproximadamente 30m2, a mucosa intestinal forma a maior superfície de contato entre o meio ambiente, que nos circunda, e o meio interno. Diferentemente da sólida barreira da epiderme, a barreira intestinal é semipermeável para permitir a absorção dos nutrientes e água, e, ao mesmo tempo, prevenir a penetração descontrolada de antígenos luminais não processados e microrganismos. O intestino é também um local crítico para dirigir e educar o sistema imunológico inato e adaptativo, por meio de uma continua troca entre o alimento no lúmen intestinal e os antígenos derivados da microbiota. Este processo, é conhecido como Tolerância Oral, serve para prevenir alergias alimentares e estabelecer uma relação simbiótica com a microbiota comensal. O termo “função da barreira intestinal” se refere a este delicado equilíbrio entre duas funções opostas de absorção (permeabilidade) e de defesa (barreira). A função da barreira intestinal é executada por múltiplos atores (Figura 2A) que incluem o conteúdo luminal contendo a microbiota, e substâncias antimicrobianas e a camada de muco.


O componente mais importante e fator limitante da absorção da barreira é o epitélio intestinal. A passagem de compostos do lúmen através do epitélio pode ocorrer pelas rotas transcelular ou paracelular (Figura 2B)

A via paracelular é a rota final para cruzar o epitélio, tem sido extensamente estudada em situações de enfermidade. O acesso pelo espaço paracelular é controlado pelas junções firmes (Figura 2B), enquanto os subjacentes complexos intercelulares juncionais – junções aderentes e desmosomas – são principalmente relevantes na manutenção estrutural do epitélio. Originalmente, entendidas como estruturas estáticas para prover a vedação intercelular, as junções firmes são atualmente reconhecidas como portões adaptáveis para regular o fluxo através do epitélio.

3.   Função da Barreira prejudicada e os Transtornos da interação cérebro-trato digestivo (TI CTD)

A SII e a Dispepsia Funcional (DF) são dois protótipos do (TI CTD) onde a barreira gastrointestinal pode estar prejudicada, e, admite-se que o aumento da permeabilidade favorece a penetração de antígenos luminares, no espaço sub-epitelial onde eles podem ativar o sistema imunológico. Em realidade, várias investigações têm descrito baixo grau de ativação imunológica na SII e da DF, especialmente com infiltração e ativação dos mastócitos e eosinófilos. Além disso, em ambas as condições clínicas, os mastócitos encontravam-se muito próximos das terminações nervosas da mucosa, sugerindo um papel na geração de sintomas, e, tratamentos dirigidos contra os mastócitos têm sido demonstrados serem bem-sucedidos na SII. Entretanto, permanece uma controvérsia quanto ao defeito da barreira ser a causa da ativação imunológica observada em interações neuro imunes, ou, por outro lado, uma consequência da ativação dos mastócitos e eosinófilos levando a liberação de mediadores tais como: a triptase, e, a principal proteína básica, a qual pode aumentar a permeabilidade intestinal.

4.   Tratamentos tendo como alvo a Barreira Intestinal nos Transtornos da Interação Cérebro-Trato Digestivo (TI CTD)

Há tratamentos dietéticos, farmacológicos, probióticos e comportamentais cérebro-trato digestivo que são considerados capazes de exercer efeitos benéficos sobre os sintomas nos pacientes portadores de TI CTD, através de uma diminuição da permeabilidade intestinal e da função da barreira mucosa. (Tabela 1, Figura 3).



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5.   Conclusões

A evidência das acumulações mecanísticas sugere que a permeabilidade intestinal contribui para a fisiopatologia dos TI CTD, tais como a SII e a DF. Entretanto, os resultados dos testes de permeabilidade devem ser interpretados com precaução porque diferentes aspectos da função da barreira intestinal são acessados, porém não a totalidade deles – especialmente os biomarcadores não invasivos – estão apropriadamente validados. Atualmente, nenhum teste disponível desempenha um papel relevante na prática clínica. Para se designar um teste de permeabilidade intestinal como um biomarcador clínico, um número maior de estudos é necessário para desenvolver valores normativos. Além disso, estudos mecanísticos em seres humanos são necessários para determinar de que maneira as alterações na barreira contribuem para outros mecanismos, tais como: alterações na sensibilidade visceral, função motora, respostas imunes e a sinalização trato digestivo-cérebro. Uma série de atitudes, tais como, dietéticas, farmacológicas e comportamentais podem trazer efeitos benéficos sobre os sintomas da TI CTD, pelo menos em parte fortalecendo a permeabilidade intestinal e a função de barreira da mucosa. Portanto, a inclusão de investigações sobre a função da barreira intestinal em novos estudos no tratamento da TI CTD, trarão melhores compreensões do papel da função da barreira intestinal. Além disso, novas drogas com efeito mais direto sobre a barreira intestinal poderão propiciar novas esperanças para os pacientes portadores de TI CTD e outras patologias relacionais com a barreira intestinal.

Referências Bibliográficas

1-   Mars RAT e cols. - Cell 2020;182:1460-1473

2-   Zuo L. e cols.- Cell Mol Gastroenterol Hepatol 2020;10:327-3430

3-   Vanuytsel T. e cols. – Front Nutr 2021;8:71-79

4-   Edwinson AL. e cols. – Nat Microbiol 2022;7:680-694

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

Segurança e eficácia da Linaclotina em crianças com idades compreendidas entre 2 e 5 anos portadoras de constipação funcional: fase 2, estudo randomizado.


Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

A renomada revista JPGN publicou um artigo de revisão, em junho de 2024, intitulado “Safety and efficacy of Linaclotide in children aged 2-5 years with functional constipation: Phase 2, randomized”, de Carlo Di Lorenzo e cols., que abaixo passo a resumir em seus principais aspectos.

1.   Introdução

A constipação funcional (CF) é um transtorno frequente de interação do eixo cérebro-trato digestivo nas crianças. Ainda que a constipação possa ocorrer em qualquer idade, uma revisão retrospectiva de 358 crianças, demonstrou que a idade mediana de instalação foi de 2,3 anos, com pico de incidência da constipação ocorrendo no período de treinamento do desfralde, na grande maioria das crianças com idades compreendidas entre 2 e 4 anos.

A etiologia da CF nas crianças apresenta uma característica multifatorial, com evidências inconclusivas em causas dietéticas e com impacto sobre o sexo, atividade física, obesidade e fatores psicológicos. Em geral, o fator desencadeante é o comportamento de retenção, que leva à absorção de água das fezes pela mucosa colônica e consequentemente o endurecendo das fezes. A subsequente defecação dolorosa pode, portanto, ser ambos um fator causal e uma manifestação clínica desta enfermidade juntamente com sintomas, tais como: dor abdominal e escape fecal. A constipação acarreta um impacto negativo sobre a qualidade de vida relacionada à saúde, não somente nas crianças afetadas, mas também em seus pais, os quais, têm que se responsabilizar pelo tratamento dos seus filhos. Além disso, os custos médicos têm sido demonstrados serem mais altos em crianças com constipação do que os controles pareados por sexo e idade.

O manejo da CF geralmente inclui intervenções dietéticas, modificações comportamentais, desimpactação e terapia de manutenção com laxantes. Embora a intervenção precoce em seguida ao início da instalação da constipação, tudo indica poder levar a um desfecho favorável, mas, por outro lado, um retardo no tratamento acarreta um problema, e, este fato pode explicar o porquê de 25% das crianças com CF permaneçam com os sintomas na vida adulta. A pesquisa sugere que em média são transcorridos 2,7 anos entre o início dos sintomas e a referência a um especialista, sendo que crianças menores sofrem uma duração mais longa dos sintomas antes de serem indicadas a um especialista, e, por esta razão torna-se menos exitoso o desfecho do tratamento, em comparação com crianças de maior idade. Em geral, os dados de tratamento para crianças de menor idade que sofrem de CF permanecem raros, e, a maioria dos estudos pediátricos e revisões focam em crianças com 5 anos ou mais.

Linaclotide é um peptídeo sintético composto por 14 amino-ácidos, agonista do receptor da guanilatociclase – C (GC-C), comercializado nos EUA como LINZESS, aprovado para tratamento de adultos com constipação idiopática crônica à dose de 72 ou 145µg diariamente. Foi recentemente aprovado para crianças com idades compreendidas entre 6 e 17 anos portadoras de CF.

 O objetivo do presente estudo foi avaliar a dose-resposta, segurança e eficácia, durante 4 semanas com emprego da Linaclotida comparada com placebo, em pacientes com idades compreendidas entre 2-5 anos portadoras de CF.

2.   Métodos

Este estudo Fase 2 de dose múltipla randomizado, duplo cego, controlado por placebo, envolveu pacientes com idades compreendidas entre 2-5 anos que preenchiam os critérios de Roma III modificado para CF na infância, durante um período de tratamento de 4 semanas com as seguintes doses da Linaclotida: 9, 18, 36, ou 72µg em comparação com placebo. Os principais objetivos foram detectar as alterações desde o período basal até o final do estudo, levando-se em consideração a ocorrência de defecação espontânea, frequência por semana, consistência das fezes e esforço para evacuar, assim como, a proporção de dias com escape fecal, durante o período de intervenção do estudo. Foram registrados os eventos adversos.

3.   Resultados  

Dentre os 34 (97,1%) pacientes randomizados completaram o tratamento durante o período estabelecido e 33 (94,3%) completaram o período pós-tratamento.



As alterações médias desde a linha basal sobre o período de tratamento para 3 dos 4 pontos de eficácia chave, mostraram grande melhoria o grupo que recebeu Linaclotida 72µg versus placebo. A tendência para a relação dose-resposta foi observada para a consistência das fezes nos pacientes que receberam o medicamento.



Eventos adversos ocorreram em 4 pacientes que receberam o medicamento sendo que em 1 deles houve uma relação direta com a Linaclotida (diarreia leve). Todos os eventos adversos mostraram-se leves ou moderados e nenhum foi grave, e, não necessitou a suspensão do tratamento.



4.   Conclusão

Este é o primeiro estudo placebo-controlado em pacientes com idades compreendidas entre 2-5 anos portadoras de CF. Ficou demonstrado que a Linaclotida se mostrou bem tolerada pelos pacientes em todos os grupos que receberam diferentes doses. Em virtude do pequeno número populacional estudado, torna-se difícil obter conclusões a respeito da eficácia da Linaclotida, porém, a eficácia numericamente mais alta foi observada no grupo que recebeu Linaclotida 72µg versus placebo. Um estudo abrangendo maior número de pacientes com duração mais longa de tratamento é necessário, posto que um tratamento efetivo para a CF em crianças, deve ser realizado em todos os grupos pediátricos etários, especialmente em pacientes de menor idade.

 

5.   Referências Bibliográficas

    Di Lorenzo et cols. – JPGN 2024;79:510-16

    Vermon-Roberts et cols. – JPGN 2021;10:5087

    Benninga MA et cols. – Clin Gastroenterol Hepatol 2022;20:602-610

    Di Lorenzo et cols. – JPGN 2024;9:238-250

quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

A realização do 7° World Congress of Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition, em Buenos Aires de 4 a 7 de dezembro de 2024, representou a definitiva consolidação deste evento universal, com sua segunda passagem pela América Latina

  

As expectativas de que este tipo de evento fosse vingar eram extremamente otimistas, visto que as 4 Sociedades Internacionais (Norte-Americana, Europeia, Latino-Americana e Pan-Asiática), foram ao longo dos anos estreitando laços cada vez mais sólidos entre elas, porém, algumas dúvidas pairavam entre os colegas de todos os continentes. Estas suspeitas se baseavam principalmente pelas enormes distâncias entre os locais de realização dos eventos, o que, sem dúvida alguma, envolvia elevados custos para a execução logística da sede do evento, passagens aéreas de longas distâncias dispendiosas, hospedagens, entre outras potenciais dificuldades que poderiam causar o fracasso do evento. Felizmente, porém, todos os obstáculos que se antepuseram e que poderiam afetar o sucesso dos eventos foram superados, desde o primeiro deles, que foi realizado em Boston em 2000, e, na sequência Paris 2004, Foz do Iguaçu 2008, Taipe 2012, Toronto 2016, e Kopenhagen 2020. Para nós latinos, o sucesso da segunda passagem do evento pelo nosso continente, agora em Buenos Aires, nos daria a prova cabal de que este tipo de evento estaria definitivamente consolidado. De fato, graças ao extraordinário labor da diretoria da LASPGHAN sob a presidência de José Spolidoro, e do Comitê Organizador sob o comando de Marina Orsi e Daniel D’Agostino, obteve-se um estrondoso êxito de público e de qualidade científica, com a presença de mais de 2500 inscritos dos mais variados países, com a participação dos mais reconhecidos experts em nível internacional nas diferentes áreas que abrangem o nosso campo do saber. As imagens abaixo expostas atestam de forma inequívoca o sucesso do evento portenho.




Cerimônia inaugural do Congresso, homenagem a Harland Winter, presidente do primeiro Congresso Mundial, Boston 2000, e Marina Orsi.


Marina Orsi a coordenadora e grande batalhadora pela organização do Congresso Mundial

 


Palestra de Carlo Di Lorenzo sobre Transtornos do Eixo Cérebro Trato Digestivo


Palestra sobre Esofagite Eosinofílica

Também, foi para mim, o prazer de reviver a longa e árdua caminhada, desde os primeiros passos da nossa LASPGHAN, a partir da sua fundação em 1975, da qual sou cofundador, vivenciando as inúmeras incertezas, se conseguiríamos levar adiante aquele ambicioso projeto proposto pelo nosso grande mestre Horácio Toccalino, que mesmo enfermo de uma doença incurável, manteve-se totalmente devotado, até seus últimos dias, para que nossa sociedade vicejasse, desde que seguíssemos fielmente a concretude da proposta dos seus Postulados.    

Postulados emitidos em novembro de 1975, redigidos em manuscrito a mim direcionados: 1- seguir o modelo argentino da especialidade; 2- Martins Campos divulgando nossa sociedade na Europa; 3- os argentinos e você (eu) fazendo o mesmo nos EUA, especialmente com os amigos Nichols e Torres-Pinedo; 4- realizar os encontros da sociedade periodicamente quando deva corresponder à data proposta; 5- publicar regularmente e de boa qualidade nos Arquivos de Gastroenterologia. Caso cumpramos estes postulados ninguém será capaz de frear os Latino-americanos. Querido Ulysses, novamente obrigado pela sua carta, mas necessito muitas outras cartas falando a respeito dos 5 postulados. Eu as espero!!! 





Uma oportuna revisão histórica da criação do Congresso Mundial

Para que possamos chegar a agosto de 2008 é necessário retroceder no tempo mais de duas décadas. Na verdade, tudo começou em 1994 e da forma mais improvável que se possa imaginar. Naquele ano realizava-se o XI Congresso Latino-Americano de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição em Pediatria em Caracas, Venezuela, e eu, excepcionalmente, havia decidido não participar do mesmo porque, por várias razões, não queria me ausentar de São Paulo naquele momento. Entretanto, o presidente do Congresso, um grande amigo de longa data, Dr. Hans Rommer, me telefonou dizendo que minha presença era imprescindível, ele contava com a minha participação ativa, inclusive conseguiria pagar minha hospedagem. Ao chegar, como sempre, o encontro com outros colegas e amigos da América Latina me encheram de alegria e num arroubo de entusiasmo lancei a ideia de organizar o próximo Congresso em 1996, em São Paulo, que foi aprovada pela assembleia geral. Por uma coincidência do destino o XII Congresso Latino-Americano de 1996, em São Paulo, serviu de trampolim para a criação dos Congressos Mundiais da nossa especialidade, e, consequentemente o de Iguaçu 2008.

A Federação Internacional de Gastroenterologia organiza periodicamente a cada 4 anos um Congresso Mundial da especialidade, naquela época era costume deixar reservado um pequeno espaço na grade do programa para a realização de um fórum de Gastroenterologia Pediátrica. Neste evento que foi realizado em Los Angeles, em 1994, eu havia sido convidado para dar duas palestras, convite que aceitei, para lá viajei com todas as despesas pagas pelo evento. Em lá chegando fui informado que em Houston, na semana seguinte ao término do Congresso de Los Angeles, seria realizada a quarta edição do Congresso combinado entre as congêneres Norte Americana (NASPGHAN) e Europeia de Gastroenterologia Pediátrica (ESPGHAN). Na verdade, estas duas sociedades pediátricas realizavam anualmente seus congressos, de forma independente, cada uma em seu respectivo continente há vários anos, mas a cada quatro anos passaram a realizar este congresso conjunto, alternando, de forma sequencial, o continente. Como neste ano tocava a organização do evento à NASPGHAN, Houston, foi a sede escolhida. Considerando que eu estava há apenas algumas horas de voo entre Los Angeles e Houston, as coincidências das datas (término de um e início do outro congresso) e meu enorme interesse na organização do Congresso Latino-Americano de 1996, em São Paulo, decidi por conta e risco ir para Houston. Sim, digo enorme interesse porque como no referido evento estariam reunidos em um mesmo local os mais prestigiosos profissionais de ambas as sociedades NASPGHAN e ESPGHAN, eu teria a rara oportunidade de manter contato pessoal diretamente com a nata da nossa especialidade, não somente com os expoentes cientificamente reconhecidos, como também com os dirigentes de ambas as sociedades. Teria eu, portanto, a possibilidade de convidar pessoalmente os palestrantes para o Congresso de São Paulo, contatar os dirigentes para organizar um futuro evento incluindo também a LASPGHAN, e, ao mesmo tempo, desfrutar a parte científica do evento assistindo as palestras e as apresentações dos trabalhos nas sessões de temas livres. Após esta viagem incorporei um desafio na minha carreira acadêmica, a organização de um Congresso Mundial.

Durante o Congresso Latino-Americano de 1996 fiz um profundo trabalho de prospecção para convidar, dentre os mais cientificamente reconhecidos, alguns palestrantes de ambas as sociedades. Sem desprezar, no entanto, o lado político da ideia da instituição de um potencial Congresso Mundial em breve futuro, tratei também de convidar os atuais presidentes de ambas as sociedades, bem como aqueles que tinham alguma simpatia pela minha causa e possuíam alguma capacidade de influenciar positivamente na consecução do meu projeto. Uma vez formulados os referidos convites houve positiva adesão aos mesmos por parte da maioria dos convidados.

Em 1995, para confirmar a presença de alguns palestrantes europeus viajei a Jerusalém, Israel, para participar do Congresso da ESPGHAN, principalmente para travar contato com o novo presidente da ESPGHAN, que havia sido recentemente eleito, Dr Samy Cadranel.



 Cadranel está radicado em Bruxelas, Bélgica, mas é marroquino de nacionalidade, e, por suas raízes de origem, conhecia muito bem nossa realidade. Ele mostrou-se, desde logo, totalmente sensível aos meus apelos pela realização de um evento de conotação mais abrangente, na verdade o Congresso Mundial. Cadranel de imediato aceitou meu convite para participar do XII Congresso Latino-Americano, e se comprometeu a defender a minha causa no continente europeu.

Chegamos a julho de 1996 e à realidade do XII Congresso Latino-Americano. Conforme o esperado o evento revestiu-se de um completo êxito, tanto no que diz respeito aos aspectos científicos quanto às negociações para a criação de um futuro Congresso Mundial. Do ponto de vista científico, a satisfação foi enorme posto que a maioria dos convidados internacionais, europeus e norte-americanos, esteve presente. Dentro das minhas expectativas o intercâmbio profissional e social entre eles e nossos colegas latino-americanos revelou-se altamente positivo. Quanto às negociações para a criação do Congresso Mundial, como aqui estiveram presentes o presidente da ESPGHAN e alguns expoentes da NASPGHAN, houve um avanço significativo, principalmente pela firme disposição de Cadranel em levar adiante junto aos seus pares europeus esta iniciativa, a qual lhe parecia altamente meritória. Da parte dos membros da NASPGHAN também houve boa aceitação, porém, uma decisão final para o SIM ou para o NÃO seria tomada no ano seguinte, em 1997, no Congresso Anual da ESPGHAN que seria realizado em Tessalônica, Grécia.

Em maio de 1997 realizava-se em Tessalônica o Congresso da ESPGAHN, o que para mim tratava-se de uma enorme expectativa porque estava seguro de que naquele evento haveria uma tomada definitiva de posição, para o SIM ou para o NÃO, quanto à disposição dos meus colegas europeus e norte-americanos de realmente se comprometerem com a realização do Congresso Mundial. A viagem à Grécia vinha, portanto, envolvida em um misto de otimismo e apreensão, otimismo porque durante o resto do ano após o Congresso Latino-Americano continuei batalhando pela realização do Congresso Mundial. Como parte deste trabalho tive a oportunidade de me reunir pessoalmente, mais de uma vez, com Dr. Ronald Sokol, presidente da NASPGHAN, em minha residência em São Paulo, para expor-lhe a importância da criação de um evento que englobasse todo o universo de especialistas radicados ao redor do globo sem quaisquer exceções. Sokol mostrou-se bastante sensibilizado com a ideia e se comprometeu a levar esta proposta para seus pares da NASPGHAN, o que me trazia um certo conforto, porque Cadranel já havia obtido o aval dos seus pares da ESPGHAN.

Ao chegar a Tessalônica fui imediatamente em busca de Cadranel para auscultar a atmosfera vigente quanto ao real apoio dos colegas europeus à nossa proposta. Cadranel me garantiu que não haveria maiores problemas, a criação do evento Congresso Mundial por parte dos europeus era algo absolutamente resolvido, restava discutir com os norte-americanos, cujo presidente da NASPGHAN, Sokol estava presente. Sokol trazia uma decisão favorável da sua sociedade, porém, seria necessário ter um acordo final do novo presidente eleito da NASPGHAN, Dr. Harland Winter. Após inúmeros contatos telefônicos trocados entre Sokol e Winter, finalmente havia sido dado o voto definitivamente a favor da criação do evento Congresso Mundial. Como Winter era o presidente eleito e estaria à frente da sua sociedade por ocasião da realização do evento, a proposta definitiva da sede seria Boston, porque era lá que Winter vivia e trabalhava. Finalmente, o sonho transformou-se em uma adorável realidade, tinha mais é que comemorar o êxito desta conquista (só eu sabia dentre todos eles o tamanho da grandeza que esta vitória representava para mim e para a nossa Sociedade), e levantar um brinde ao meu mestre Toccalino, pois a partir daquele instante nossa Sociedade estava definitivamente inserida no cenário mundial da Gastroenterologia Pediátrica, conforme ele propugnava em um dos seus postulados.



Membros do Comitê Organizador do I World Congress of Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition, reunidos em Toronto, Canadá em 1998. Da esquerda para a direita: Ron Sokol (Denver, NASPGHAN), Samy Cadranel (Bélgica, NASPGHAN), eu (LASPGHAN), Yuichiro Yamashiro (Japão, APPSPGHAN) e Harland Winter (Boston, NASPGHAN).

 Ainda em Tessalônica, tive mais uma alvissareira informação, soube da existência oficial de uma Sociedade de Gastroenterologia Pediátrica Asiática, a Asiatic and Pan Pacific Society of Pediatric Gastroenterology and Nutrition (APPSPGHN), que também desejava apoiar a criação e participar ativamente do evento Congresso Mundial.

Finalmente, uma vez definidos todos os aspectos políticos e administrativos para a realização do I World Congress of Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition, foi criado um comitê com representantes de cada uma das sociedades congêneres e marcada a primeira reunião deste comitê para o ano seguinte, em outubro de 1998, durante a realização do Congresso Anual da NASPGHAN em Toronto, Canadá. Nesta reunião ficaram então definitivamente acertadas todas as questões logísticas para a efetiva realização do I World Congress of Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition, Boston, em agosto de 2000.

Finalmente, após os longos anos de intensos trabalhos, desde que Foz do Iguaçu foi eleita a sede do Congresso Mundial, em março de 2003, pelos associados da LASPGHAN e posteriormente aprovada, em fevereiro de 2004, em reunião presencial do conselho da FISPGHAN, em Paris, era chegado, agora em agosto de 2008, o tão aguardado momento da sua materialização.



 




August 17, 2008.

Speech: Opening Ceremony

Dear Colleagues and Friends – Ladies and Gentlemen

In this historical evening an old dream of the pioneer mentors and founders of the Latin American Society, Horácio Toccalino and Martins Campos, is becoming reality. At this moment, I am quite sure that their spirits, wherever they may be, are here with us and will be guiding and illuminating all of us to make this the most successful World Congress ever.

I would like to thank my FISPGHAN colleagues for the unconditional support that they have given to our team to organize this event. Along these last 5 years, we have been working in a very friendly atmosphere in several face-to-face meetings in many different countries in almost all of the continents. Moreover, there have been two previous visits of FISPGHAN delegations to Iguassu to supervise and approve the venue of the World Congress.

I would also like to acknowledge my colleagues of the Host Executive Committee and the Scientific Committee for their deep commitment to the organization of the event. Over these last 4 years we had several face-to-face meetings in our headquarters in São Paulo in my beloved Escola Paulista de Medicina/Universidade Federal de São Paulo and in many other countries always taking advantage of the presence of the majority of our members in scientific meetings in Latin America, North America and Europe.

A special mention to the sponsors from the pharmaceutical industry, particularly our diamond sponsors, for their financial contribution that has been of enormous importance to having make this event possible.

I would also like to express my gratitude to Mr. Julio Urban from Idealiza, our operational organizer, Mrs. Danielle Boukai from Blumar our official travel agency, and a very special acknowledgement to Drs. Carlos Garcia and Ulysses Fagundes for their tireless endeavor with an outstanding competence in the infrastructure organization of the World Congress.

My dearest delegates we are very pleased to welcome you and your families. Attendees came from 87 countries around the world to participate in this meeting with more than 2,300 persons. We are very proud of these numbers. On the other hand, we are quite aware about the difficulties you suffered to reach Iguassu. I want to apologize for all the possible inconveniences you may have gone through along your way to get here. However, I do hope you will be rewarded by an outstanding scientific program, a very friendly atmosphere for social relationships, taking advantage of a splendored panorama that nature of this region of Brazil offers to the visitors and the numerous possibilities of a delightful time for leisure.

I would like to encourage delegates and their relatives to enjoy every single moment of the stay with us and return safely back home with unforgettable memories of having participated in a magnificent event.

Finally, I earnestly wish you to enjoy the flavor of the Brazilian hospitality.

Thank you.

Ulysses Fagundes-Neto

President, Host Executive Committee, World Congress of Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition 3

 

 



A cerimônia de abertura do congresso teve a participação do grupo musical Meninos do Morumbi, que nos proporcionou momentos de grande alegria entusiasmando a audiência de forma espetacular.

 






 De volta a Buenos Aires...

Foi, especialmente para mim, um prazer enorme e mesmo emocionante reencontrar antigos amigos de longa data, que com eles viajei inesquecíveis jornadas em passado distante, e, mesmo aqueles com quem continuo viajando. Reencontrei também inúmeros ex-pós-graduandos a quem tive a felicidade e o prazer de orientar na nossa especialidade, que estão espalhados pelos mais diversos centros do nosso país, bem como outros ex-pós-graduandos latino-americanos que vieram se especializar conosco, atualmente exercendo a profissão em seus países de origem.



Com meu querido amigo Eduardo Cueto Rua desde 1973, quando fizemos nosso treinamento na especialidade no Policlínico Alejandro Posadas em Buenos Aires sob a orientação de Horácio Toccalino.


Nosso grupo de especialização em 1973, da esquerda para a direita: Luis Guimarey, Jorge Donatone, Eduardo Cueto Rua, Eu e Negro Rodriguez


Colegas da Gastropediatria da EPM


Com ex-pos-graduandas da Gastropediatria da EPM.


José Spolidoro e Carlo Di Lorenzo


Jon Vanderhoof e Harland Winter

Time Brasil

Bem-vinda Brisbane 2028!!!