sexta-feira, 25 de julho de 2014

Minha História de vida e minha História vivida na EPM/UNIFESP (2)

Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto


“A Escola Paulista de Medicina foi a fértil semente que possibilitou o surgimento e a expansão da universidade...”

2- Educação e Formação

Como minha mãe tinha uma profissão e trabalhava em tempo integral fui para a escola muito cedo para aquela época, aos 3 anos de idade (Figura 1).

Estudei do jardim de infância até o fim do primário no Liceu Pasteur, depois fui para o Colégio Bandeirantes fazer os cursos ginasial e científico.

A minha educação teve um misto de tradicional e muito popular, porque meu avô era um humanista, desprovido de vaidades e preconceitos. Tenho comigo a tese dele de conclusão de curso, foi apresentada em 1914, na qual ele faz uma dedicatória à sociedade humanitária e ao humanismo (Figuras 2-3-4-5 e 6). 






Todos nós fomos criados com esse espírito, o humanismo, o que para mim sempre foi um grande valor nas atitudes, nas relações pessoais e como princípio de vida.

Mas, além dos valores humanísticos transmitidos por meu avô, minhas raízes com o povo são decorrentes do futebol, porque o futebol sempre foi minha maior paixão. Fui jogador de futebol desde muito pequeno, inicialmente no fundo do quintal da nossa casa (Figura 7) e também na rua, porque naquela época, nos idos dos 1950, ainda era possível brincar na rua, pois havia muito pouco movimento de carros. 

Figura 7- Nosso time de futebol no fundo do quintal da minha casa. Em pé da esquerda para a direita: Jairo, Ruy e William. Agachados da esquerda para a direita: Silvio, eu, Claúdio e Tânia como nosso cachorro Totó.

Além disso, organizamos também um time aqui da nossa vizinhança e íamos jogar no Parque Ibirapuera, pois naqueles tempos existiam inúmeros campos de várzea na área onde hoje se situa o clube Círculo Militar. Marcávamos encontros com meninos de outras vizinhanças e para lá íamos geralmente nos fins de tarde, na volta do colégio, disputar umas peladas, era muito divertido, mas às vezes os jogos terminavam em pancadaria, porém, sem maiores consequências, pois havia sempre os apaziguadores, a turma do “deixa disso”. Enfim, esta infância foi muito semelhante a aquela que o famoso escritor uruguaio Eduardo Galeano, reconhecido internacionalmente, entre outros, pelo livro “Las venas abiertas de Latino América”, também um apaixonado pelo futebol, descreve no prefácio de um dos seus livros. Enquanto estava sentado em seu escritório escrevendo, em quase todos os fins dos dias, costumava escutar uma espécie de canto vindo da rua entoado por um grupo de meninos que vinham de uma partida de futebol e assim diziam em coro:”ganamos, perdímos, igual nos divertímos”. 

Na verdade, meu primeiro professor de futebol foi meu avô materno, Valdomiro da Cunha Lobo, o vô Lobo, o homem mais bravo que conheci em toda minha vida, porém com os netos sempre foi muito carinhoso, era muito grande e forte (Figura 8), foi ele quem me ensinou a jogar desde pequeno. 


Figura 8- Vô Lobo comigo no colo ainda nene.

Ele tinha uma chácara no caminho de Guarapiranga, em frente à sua chácara havia um campo de futebol, foi lá que aprendi a fazer o que mais gostava na vida, jogar bola. Ficávamos horas treinando chutes a gol, ele insistia que tinha que ser com os dois pés, do jeito que a bola vinha, também me ensinava fundamentos, como controlar a bola, o domínio e o passe.

Ele havia sido um grande jogador de futebol, ele era de Santo Amaro, vô Lobo era considerado o melhor “center half” de Santo Amaro de todos os tempos.  Aliás toda a família da minha mãe também era tradicional em Santo Amaro, na época Santo Amaro era praticamente um município com vida própria tipicamente do interior, os santamarenses eram conhecidos como os “botina amarela”.

O meu primeiro time oficial foi o juvenil do Banespa, onde verdadeiramente comecei minha carreira de jogador de futebol (Figura 9). 

Figura 9- Time juvenil do Banespa em 1960, sou o número 10.

Como meus pais haviam se conhecido no Banespa e continuaram a frequentar o clube regularmente depois de casados (Figura 10), desde criança eu os acompanhava e assim fui ensinado a também frequentar o clube.

Figura 10- Meus pais no Banespa comigo no colo da minha mãe.

Desta forma, na adolescência minha vida social e esportiva passou a ser no clube. Voltava da escola, almoçava e tomava o bonde que passava em frente ao Biológico, ia para o Banespa e por lá ficava treinando futebol e voleibol até tarde da noite; quando os treinos terminavam tomava o bonde de volta para casa.

Esta minha passagem pelo time juvenil do Banespa foi muito rápida, pois como eu havia me destacado bastante como centro-avante, fazia muitos gols, quando tinha 17 anos, fui convidado a jogar no time principal do Banespa, e logo na minha estreia fiz cinco gols. A partir deste dia passei definitivamente a fazer parte do time principal que jogava aos domingos pela manhã. Naquela ocasião como o clube Banespa pertencia ao Banco do Estado de São Paulo todos os funcionários do banco eram automaticamente sócios do clube e como muitos ex-jogadores de futebol tornavam-se funcionários do banco, o time principal do Banespa era recheado de grandes ex-jogadores. Por esta razão tive a oportunidade de conviver, jogar e aprender com estes profissionais que tanto haviam se destacado nos principais times da nossa cidade, tais como, Canhoteiro, Maurinho e Turcão (São Paulo), Homero (Corinthians), Pinga (Portuguesa) etc. Um outro jogador tão jovem quanto eu também surgiu nesta época, com ele joguei um bom tempo, até que ele se profissionalizou e inclusive veio a se tornar campeão do mundo em 1970 no México, tratava-se nada menos que nosso extraordinário craque Rivellino (Figura 11). 

Figura 11- Um dos times em que joguei juntamente com Rivellino. Estou no centro da foto agachado entre os irmãos Rivellino, Abílio à esqueda e Roberto à direita.

Este meu sucesso no time principal do Banespa me levou a ser convidado a jogar no São Paulo, mas meu pai fez um complô; ele não permitiu que eu me tornasse profissional. Tudo porque ele não queria que eu fosse jogador de futebol, queria que a minha atividade futebolística fosse apenas em nível amador, meu destino já estava traçado desde o nascimento, tinha que ser médico. Lá em Santo Amaro joguei num time de futebol que disputou a terceira divisão, a segunda divisão, ganhamos as duas, porém quando chegamos à primeira divisão, em virtude dos estudos, não pude continuar jogando.

Também joguei, já como estudante de medicina, por uma fábrica em Mauá, ganhava uns trocados para o fim–de–semana; joguei na várzea, em vários lugares, o futebol foi minha vida. A prática do futebol não atrapalhava os estudos, gostava tanto de jogar que na verdade o estudo atrapalhava o futebol. Algumas vezes era obrigado a estudar mais do que queria. Aliás o esporte sempre foi parte importante na nossa família. Meu avô paterno foi campeão carioca pelo América, em 1911, quando morava no Rio de Janeiro estudando medicina. Meu pai, embora não tivesse sido um grande campeão era poliatleta. Minha mãe foi uma extraordinária tenista, chegou a ser campeã brasileira no início da década de 1940. Nossa casa era repleta de taças que ela havia vencido ao longo de sua carreira. Minha irmã também gostava muito de esportes, jogava vôlei e foi até campeã pan–americana em 1963, aqui em São Paulo. Sempre joguei vôlei, futebol de salão e futebol; lá no Banespa tínhamos o time de futebol, que disputava o campeonato bancário, o time de futebol de salão juvenil jogava o campeonato paulista, fomos campeões paulistas (Figura 12), e também o time de vôlei. 
Figura12- Time de futebol de salão do Banespa, campeão paulista juvenil de 1961. Em pé da esquerda para a direita: Eu, Eduardo e José Carlos. Agachados: Pereira e Rosenval.

Fui duas vezes para a seleção paulista de vôlei (Figura 13), na universidade fui campeão brasileiro universitário de vôlei, pela Federação Universitária Paulista de Esportes (FUPE).
Figura 13- Time da seleção paulista juvenil de voleibol que disputou o campeonato brasileiro de 1962. Estou em pé com a bola na mão.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Minha História de vida e minha História vivida na EPM/UNIFESP (1)

Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

“A Escola Paulista de Medicina foi a fértil semente que possibilitou o surgimento e a expansão da universidade...”

Prefácio

Quando criei este blog em outubro de 2008 tinha como objetivo divulgar os mais recentes conhecimentos da gastrenterologia e da nutrição na Pediatria, e assim tenho feito ao longo destes quase 6 anos de atividades. Entretanto, certas circunstâncias e oportunidades que surgiram de forma totalmente inesperada me levaram a desviar momentaneamente da minha rota original e, por isso, me dedicarei a descrever um pouco das minhas memórias. Isto se tornou possível graças ao fato de que recentemente travei conhecimento de uma longa entrevista concedida em abril de 2008 ao professor de História da UNIFESP, Dr. Dante Marcello Claramonte Gallian para ser inserida no livro por ele publicado em comemoração aos 75 anos da Escola Paulista de Medicina/UNIFESP, intitulado “75x75 – epm/unifesp, uma história, 75 vidas”. A seguir, baseado na referida entrevista passo a transcrever minhas memórias de forma revisada, ampliada e ilustrada com fotos.

Minha História de vida e minha História vivida na EPM/UNIFESP

1- As origens

Meu nome é Ulysses Fagundes Neto, nasci em São Paulo, em 16 de Setembro de 1944; naquela época a segunda guerra mundial, apesar de estar nos seus estertores, ainda estava ocorrendo em terras europeias. Meu pai, Ulysses Fagundes Filho, era advogado, mas como na sua juventude, enquanto estudante universitário, havia realizado o Curso Preparatório dos Oficiais da Reserva (CPOR), à época uma forma de cumprir a conscrição do exército brasileiro, tornou-se oficial da reserva. Por esta razão ele foi convocado e passou a servir uma guarnição do exército sediada em Pirassununga, para se preparar para uma possível ida para o front da guerra; consequentemente foi lá que eu vivi meu primeiro ano de vida (Figuras 1 e 2).


Figura 1- Meu pai e eu em Pirassununga

Figura 2- Minha mãe e eu em Pirassununga.

Porém, antes de seguirmos adiante e viajarmos para Pirassununga, vale a pena voltar um pouco no tempo, ao momento do meu nascimento. Na realidade nasci na Vila Mariana, na casa do meu avô paterno, bem em frente ao Instituto Biológico. Essa casa é muito, muito antiga, foi construída em 1927, pelos arquitetos italianos Rossi, eram 2 irmãos que trabalhavam no escritório do famoso engenheiro Ramos de Azevedo (Figura 3). 


Figura 3- A casa dos meus avós de 1927 antes de ser restaurada.

Esta casa sempre despertou em mim uma profunda relação afetiva com minhas raízes familiares paulistanas e ao longo da minha existência nela morei por cinco vezes, em diferentes épocas da minha vida. Esta ligação tem uma clara razão de ser, pois sempre fui muito apegado a esse avô paterno que se chamava Ulysses Bayerlein Fagundes. Mas como a Alemanha deflagrou a segunda guerra mundial e como ele não concordava com o nazismo retirou o sobrenome alemão, passou a assinar apenas Ulysses Fagundes. 


Minha última passagem pela casa foi a mais longa, pois voltei a ela em março de 1993, após ter realizado uma profunda reforma geral, bem como ter restaurado os afrescos das paredes dos cômodos internos. Todo este processo durou exatamente 1 ano, de março de 1992 a março de 1993 (Figuras 4-5 e 6). 




Figuras 4-5 e 6 - A casa dos meus avós após ser reformada.


Desta vez nela morei até setembro de 2008.

Meu avô Ulysses casou-se com minha avó, Juventina de Souza, ambos tiveram dois filhos, meu pai, Ulysses Fagundes Filho e minha tia, Yvonne de Souza Fagundes. Meu pai casou-se com minha mãe, Walkyria da Cunha Lobo, e tiveram 2 filhos, eu e minha irmã, Tânia. Minha tia que era mais velha casou-se com Américo Marco Antonio, e tiveram três filhos, Américo, Ruy e Cláudio. Todos nós 5 temos idades muito próximas, estou situado no meio, sou o terceiro e carrego o nome do meu avô, uma grande responsabilidade (Figura 7 e 8). 


Figura 7- Meus avós, meus primos, minha irmã e eu em férias em Santos.

Figura 8- Meus avós, meus primos, minha irmã e eu alguns anos mais tarde.

Meus avós tinham uma grande afeição pela família, por isso vivíamos praticamente no mesmo quarteirão aonde nós cinco fomos criados na Vila Mariana, era uma relação muito íntima.

Meu avô é de 1887, eu até brincava com ele dizendo que ele era tão antigo que havia nascido antes da abolição da escravatura, porém, era seguramente uma pessoa 50 anos à frente do seu tempo. Ele se formou médico em 1913, no Rio de Janeiro, pois naquela época ainda não havia nenhuma Faculdade de Medicina no estado de São Paulo (a Faculdade de Medicina da USP foi fundada em 1913). Devido a este antecedente, desde que nasci, ficou praticamente decidido que quando crescesse seria médico, juntamente com Ruy, o filho do meio da minha tia. Esta foi uma decisão familiar e como meu avô exercia uma grande influência, tinha um enorme carisma, era amado por todos, ninguém se contrapôs a essa ideia. Por esta razão, desde pequeno eu acompanhava meu avô em suas idas ao Hospital Matarazzo, ele sempre tinha alguns pacientes internados lá, tinha gosto pela atividade que exercia. Ele era uma figura muito popular, e como morávamos em frente ao Biológico, mesmo após ter se aposentado, ele atendia todos os funcionários que trabalhavam no Biológico quando necessitavam algum tipo de atenção, fosse médica ou mesmo conselhos para a vida. Lembro-me bem que o portão da rua da sua casa ficava sempre aberto, da mesma forma que a porta principal da entrada. Minha mãe era funcionária pública, formou-se em Contabilidade, e trabalhava no Biológico, portanto, tínhamos uma grande convivência com todo o pessoal que lá trabalhava, era só atravessar a rua. Naquele tempo o Biológico não era cercado por grades, passei praticamente minha infância lá dentro, pois conhecíamos todo mundo, era uma vida de total segurança até mesmo ingênua se comparada aos dias atuais.

Na minha infância também tentaram me fazer pianista, durante muito tempo estudei piano, mas não saía da escala, não tinha talento nenhum. Mas, para agradar a família ia religiosamente à aula, a professora morava perto de casa, ia lá, tocava a escala, realmente não tinha talento para isso, até que finalmente desisti de ser pianista. Também estudei inglês, esse com mais eficácia, meu pai, já nos idos de 1950, achava importante falar um outro idioma, tornei-me fluente o que muito me ajudou na vida profissional.

Na escola já era atraído por matérias ligadas à Medicina, afinal, já estava decidido que seria esse o meu caminho, a bem da verdade gostava e tinha vocação para tal. Creio que também foi uma transmissão de algum gene que me trouxe para essa atividade, tanto que fui muito bom aluno em Física, Biologia, Química Orgânica e Inorgânica, coisas que domino até hoje em minha atividade como médico. Não era bom aluno em Matemática, mas sim em Português.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Má Absorção à Frutose (3)




Arquivos de Gastroenterologia 2013; 50: 226-30


Prevalência de Má Absorção à Frutose utilizando o teste do Hidrogênio no ar expirado

Adriana Chebar Lozinsky*, Cristiane Boé*, Ricardo Palmero**, Ulysses Fagundes-Neto***
 


Resultados

A idade dos 43 pacientes investigados variou de 3 meses a 16 anos, a mediana foi de 2,6 anos, sendo que 24 deles eram do sexo masculino. Neste grupo de pacientes foram estabelecidos os seguintes diagnósticos: SII 16, BE 10, DAF 8, Alergia à proteína do leite de vaca 4 , Intolerância à lactose 3, DC 1 e Giardíase 1.

Má absorção à frutose foi caracterizada em 13 (30,2%) pacientes, sendo que 1 (2,3%) paciente, além de má absorção, também apresentou sintomas de intolerância à frutose dentro das 8 horas após a realização do teste. A Figura 1 exemplifica um teste característico de má absorção à frutose evidenciando pico de elevação do Hidrogênio no ar expirado acima de 20 ppm sobre o valor de jejum e, para comparação dos traçados gráficos, está também representado um teste normal.



No gráfico 1 estão relacionados os 13 pacientes que apresentaram má absorção à frutose com seus respectivos diagnósticos, a saber: SII 7, DAF 4, BE 1 e DC 1 paciente.




    A análise dos testes com sobrecarga oral utilizando os demais carboidratos (lactose, glicose e lactulose) apresentou os seguintes resultados: em 3 pacientes ocorreu má absorção isolada à lactose e em 1 paciente foi detectado sobrecrescimento bacteriano. Todos os testes com sobrecarga de glicose resultaram normais.

      Nos 4 pacientes (3 com intolerância à lactose e 1 com sobrecrescimento bacteriano) que apresentaram alguma alteração nos testes com outros carboidratos o teste com sobrecarga de frutose foi considerado normal e também não ocorreram sintomas de intolerância.

Discussão

  Historicamente sucos de frutas têm sido recomendados pelos Pediatras como uma fonte de vitamina C e uma fonte extra de água para lactentes e pré-escolares, à medida que em suas dietas são incluídos novos alimentos sólidos com sobrecargas renais de solutos mais altas.  Em 1997 os consumidores norte-americanos gastaram cerca de US$ 5 bilhões em sucos de frutas. O consumo médio de suco de frutas nos EUA alcançou o valor de 40 bilhões de litros/ano ou 200 litros/ano por pessoa. As crianças constituíram-se no maior grupo de consumidores, e aquelas menores de 12 anos de idade ingeriram 28% do volume total consumido (10). Embora estes dados não estejam disponíveis no Brasil, pode-se presumir que por similaridade dos hábitos culturais atualmente praticados no mundo ocidental, neste aspecto nutricional, estes valores devem ser bastante próximos. Em passado recente o principal suco utilizado era o de laranja, porém, com a imensa diversificação da indústria alimentícia, suco de outras frutas, tais como uva, maçã e pêra passaram a fazer parte da dieta habitual das crianças brasileiras. A água é o componente predominante nos sucos de frutas, porém, os carboidratos, incluindo sacarose, frutose, glicose e sorbitol constituem-se nos seus principais nutrientes. A concentração de carboidratos nos sucos de frutas varia desde 11g% (0,44 kcal/ml) até cerca de 16g% (0,64 kcal/ml) (5). A sacarose é um dissacarídeo que é hidrolisada em seus componentes monossacarídeos, glicose e frutose, pela ação da sacarase, presente nas microvilosidades dos enterócitos. A glicose é rapidamente absorvida por um processo de transporte ativo, enquanto que a frutose é absorvida por um mecanismo de transporte facilitado que não ocorre contra um gradiente de concentração. Além disso, a frutose pode ser absorvida de forma mais eficiente quando a glicose se encontra presente em concentrações equimolares. No entanto, investigações clínicas têm demonstrado que quando a concentração de frutose excede a de glicose pode ocorrer má absorção da frutose (11 -12). É fato reconhecido que a capacidade absortiva da frutose no intestino delgado é limitada, e que, por outro lado, a adição de glicose facilita a absorção da frutose pelo mecanismo da draga do solvente e por difusão passiva (13). Portanto, alimentos que contém concentrações equimolares de frutose e glicose podem proporcionar melhor absorção deste monossacarídeo do que alimentos em que a concentração da frutose excede a de glicose. Sucos de maçã, pêra e uva apresentam uma concentração de frutose que excede em mais do que o dobro a da glicose, enquanto que no suco de laranja as concentrações de glicose e frutose se equivalem (4).  
    Má absorção à frutose tem sido relatada com crescente frequencia como uma causa a mais para ser agregada nos pacientes que apresentam sintomas gastrointestinais. Estudos prévios que demonstram uma relação causal entre má absorção à frutose e sintomas gastrointestinais foram inicialmente descritos em pacientes adultos. Choi e cols. (14) estudaram 183 pacientes utilizando o teste do hidrogênio no ar expirado com a oferta de 50 gramas de frutose em uma solução aquosa a 33%, e observaram um resultado positivo em 73% deste grupo. Estes pacientes também relataram uma série de sintomas, tais como, dor abdominal, flatulência, flatus e diarréia. Pacientes adultos com SII e má absorção à frutose apresentaram um agravo adicional dos sintomas em comparação com aqueles que apresentaram absorção normal à frutose (15). Estudos recentes com população de adultos demonstraram que um número significativo de pacientes com má absorção à frutose relatou alívio da dor abdominal, flatus, flatulência e diarréia quando foi introduzida uma dieta restrita de frutose (16 -17). 


     Está bem estabelecido que o teste do hidrogênio no ar expirado apresenta elevada confiabilidade no que diz respeito à sensibilidade e especificidade  (18). No passado acreditava-se que o pulmão fosse um órgão apenas responsável pela respiração, e, portanto, tinha-se o conceito de que somente o oxigênio e o dióxido de carbono pudessem ser dosados no ar expirado. Atualmente, sabe-se que o ar expirado dos pulmões contém mais de 2000 substâncias distintas, e que, além da respiração, os pulmões apresentam uma função adicional, qual seja a excreção de substâncias voláteis, e o hidrogênio é uma delas. É sabido que o ser humano sadio em jejum e em repouso não elimina hidrogênio porque o seu metabolismo não produz este gás, o qual somente é gerado quase que exclusivamente pelo metabolismo anaeróbio exercido pelas bactérias da flora colônica normal. As bactérias anaeróbias têm preferência para metabolizar os carboidratos, os quais são fermentados dando formação a ácidos graxos de cadeia pequena, CO2 e H2. O H2 é produzido no intestino atravessa a parede intestinal cai na circulação sistêmica, é transportado até os pulmões e, finalmente, é eliminado pela respiração como parte do ar expirado. A concentração de H2 pode ser mensurada em partes por milhão no ar expirado por técnica não invasiva com alto índice de precisão (19).


   A proporção de má absorção de frutose utilizando-se o teste do hidrogênio no ar expirado é dependente da dose oferecida e este efeito tem sido mais profundamente estudado em adultos do que em crianças. Em adultos sadios 58% a 87% resultaram em teste positivo para má absorção de frutose quando foram oferecidos 50g do carboidrato, 10% a 25% resultaram em teste positivo com dose de 25g, e 0% a 10% com dose de 15g (20). Em crianças sadias o efeito da dose sobre a má absorção da frutose foi demonstrado entre 0,1 e 6 anos de idade; o teste resultou positivo em 100% das crianças quando a dose foi de 2 g/kg/peso, o qual foi reduzido para 40% com a dose de 1 g/kg/peso (21). No presente estudo utilizamos a dose padronizada de 1 g/kg até o máximo de 12 gramas, a qual pode ser considerada relativamente baixa em comparação com o volume potencialmente ingerido na dieta diária, posto que um copo de maçã (200ml) contém aproximadamente 15,5 gramas de frutose (6,8 gramas de glicose e 3 gramas de sacarose) (22). Por esta razão é possível que embora tenhamos detectado má absorção à frutose em 13 dos 43 pacientes, apenas 1 deles apresentou notória intolerância com distensão abdominal e diarréia. 


   Recentemente, Jones e cols. (23) descreveram a ocorrência de má absorção à frutose em crianças que apresentavam sintomas gastrointestinais, principalmente diarréia e dor abdominal. Jones e cols. enfatizam que o baixo limiar para a absorção da frutose apresenta significativas implicações para o consumo dietético da frutose nas crianças que manifestam queixas gastrointestinais. Os resultados do presente estudo coincidem com os de Jones e cols. posto que a maioria dos 13 pacientes que apresentaram má absorção à frutose, 7 eram portadores de SII com diarréia e 4 com DAF. Vale ressaltar que Gomara e cols. também puderam caracterizar má absorção à frutose em um grupo de pacientes com queixa de dor abdominal recorrente sem causa determinada, os quais evidenciaram alívio da dor abdominal com a utilização de uma dieta de restrição de frutose. Gomara e cols. (24) demonstraram que 11 de 33 pacientes com diagnóstico prévio de DAF apresentaram teste positivo para má absorção à frutose, e, além disso, conseguiram reproduzir os sintomas gastrointestinais de má absorção à frutose em 9 dos 11 pacientes. A restrição da frutose na dieta destes pacientes resultou em evidente alívio dos sintomas durante os 2 meses subsequentes de seguimento dos mesmos. Gomara e cols. enfatizam que a má absorção à frutose pode ser um significativo problema para este grupo de crianças e que o manuseio dietético apropriado torna-se eficaz no alívio dos sintomas gastrointestinais.


   Gijsbers e cols. (25) investigaram um grupo de crianças portadoras de DAF utilizando o teste do hidrogênio no ar expirado após sobrecargas com lactose (210 pacientes) e frutose (121 pacientes), e demonstraram a prevalência de má absorção de lactose em 27% e de frutose em 65% dos pacientes, respectivamente. A DAF desapareceu em 24/38 pacientes após a eliminação da lactose da dieta e em 32/49 após a eliminação da frutose da dieta. Um teste de provocação oral aberto foi positivo em 7/23 pacientes com lactose e em 13/31 pacientes com frutose. Vale ressaltar que esta elevada prevalência de má absorção à frutose neste grupo de pacientes pode ser devida a uma excessiva dose de frutose utilizada no teste de sobrecarga, posto que a concentração da solução oferecida aos pacientes foi de 16,7% à dose de 2 gramas/kg de peso, portanto, acima do padrão internacionalmente estabelecido e também daquele utilizado no nosso estudo, a qual foi de 1 grama/kg de peso. Está bem estabelecido que não há uma relação fixa entre má absorção e intolerância a um determinado carboidrato, posto que inúmeras variáveis podem atuar simultaneamente, tais como a dose utilizada, a capacidade individual de digestão/absorção, a relação concentração glicose/frutose e a capacidade de compensação colônica (25). 


    No caso do paciente portador de DC a má absorção à frutose provavelmente ocorreu em virtude da atrofia vilositária da mucosa do intestino delgado característica desta enfermidade (9).


    Em conclusão, no presente estudo foi possível caracterizar má absorção à frutose em 30,2% dos pacientes portadores de variados transtornos digestivos e/ou nutricionais, sendo que 1 deles apresentou intolerância à frutose (2,3%). A SII mostrou-se como a principal causa da elevada prevalência de má absorção à frutose, seguida da DAF; porém, na quase totalidade dos pacientes não houve a correspondente intolerância, e isto provavelmente foi devido a um mecanismo de compensação colônica.


Referências Bibliográficas:

10- Agriculture Research Service. Food and Nutrient Intakes by Individuals in the United States by Sex and Age, 1994-96. Washington DC. US Department of Agriculture; 1998. NFS Report n 96-2.
11- Smith MM, Davis M, Chasalow FI, Lifshitz F. Carbohydrate absorption from fruit juice in young children. Pediatrics 1995; 95: 340-44.
12- Nobigot T, Chasalow FI, Lifshitz F. Carbohydrate absorption from one serving of fruit juice in young children: age and carbohydrate composition effects. J Am Coll Nutr 1997; 16:152-58.
13- Riby JE, Fujisaswa T, Kretchmer N. Fructose absorption. Am J Clin Nutr 1993; 58: S748-53.
14- Choi YK, Johlin FC, Summers RW et al. Fructose intolerance: an under-recognized problem. Am J Gastroenterol 2003; 98: 1348-53.
15- Rumissen JJ, Gudmannd-Hoyer E. Functional bowel disease; malabsorption and abdminal distress after ingestion of fructose, sorbitol and fructose-sorbitol mixtures. Gastroenterology 1988; 95: 694-700.
16- Johlin FC, Panther M, Kraft N. Dietary fructose intolerance: diet modification can impact self-rated health and symptom control. Nutr Clin Care 2004; 7: 92-7
17- Ledochowsky M, Widner B, Bair H et al. Fructose and sorbitol reduced diet improves mood and gastrointestinal disturbances in fructose malabsorbers. Scand J Gastroentrol 2000; 35: 1048-52.