terça-feira, 8 de julho de 2014

Má Absorção à Frutose (2)


Arquivos de Gastroenterologia 2013; 50: 226-30


Prevalência de Má Absorção à Frutose utilizando o teste do Hidrogênio no ar expirado

Adriana Chebar Lozinsky*, Cristiane Boé*, Ricardo Palmero**, Ulysses Fagundes-Neto***
 
 

Introdução
A frutose é um carboidrato monossacarídeo encontrado na natureza em sua maior parte como constituinte da sacarose. Tem sido cada vez mais utilizada na dieta ocidental na forma de adoçante em produtos industrializados, por ser alternativa mais barata que a sacarose. Sua presença é comumente observada em refrigerantes, doces e principalmente em sucos de frutas naturais e artificiais (1). A frutose é transportada através do epitélio intestinal por um mecanismo facilitador denominado GLUT 5 (transportador facilitador de hexose), o qual apresenta alta afinidade pela frutose, que carrega este monossacarídeo através da membrana apical do enterócito (2). Este mecanismo possui capacidade limitada de absorção deste carboidrato.  A frutose pode também ser absorvida quando ingerida em associação com a glicose, sendo então arrastada pelo mecanismo da draga do solvente, pelas junções firmes dos enterócitos (3). Entretanto, quando a concentração da frutose em um determinado alimento encontra-se em excesso em relação àquela da glicose, condição esta muito frequentemente verificada em sucos de frutas, principalmente nos sabores maçã, uva e pêra, alguns indivíduos podem desenvolver má absorção à frutose (4-5). Estes indivíduos apresentam sintomas que incluem flatulência, diarréia, dor e distensão abdominal. Para se estabelecer o diagnóstico da má absorção/intolerância à frutose a anamnese deve incluir uma detalhada história dietética associada à investigação laboratorial que pode ser realizada por meio do teste do hidrogênio no ar expirado, o qual é realizado após ingestão de sobrecarga de frutose (6). Nesta circunstância, o monossacarídeo não absorvido no intestino delgado, é fermentado pelas bactérias colônicas resultando na produção de gases como metano, dióxido de carbono e hidrogênio, além de ácidos graxos voláteis de cadeia curta, tais como ácido acético, butírico e propiônico. O hidrogênio, por sua vez, atravessa a mucosa colônica, passa para a circulação sistêmica e, finalmente, é eliminado pela expiração. A confirmação diagnóstica se complementa quando ocorre alívio dos sintomas depois da retirada da frutose da dieta.
O objetivo do presente estudo é descrever a prevalência de má absorção à frutose utilizando o teste do hidrogênio no ar expirado em pacientes com transtornos digestivos e/ou nutricionais.

Casuística e Métodos
A)  Pacientes
Foram investigados 43 pacientes de forma consecutiva, de ambos os sexos, atendidos no ambulatório de Gastroenterologia Pediátrica da EPM-UNIFESP, com queixa de transtornos digestivos e/ou nutricionais, tais como: dor abdominal crônica e recorrente, diarréia, vômitos e baixo ganho pôndero-estatural, no período compreendido de setembro de 2010 a fevereiro de 2012.
        Todos os pacientes foram submetidos ao Teste do Hidrogênio (H2) no ar expirado com sobrecarga oral dos seguintes carboidratos, a saber: glicose, frutose, lactose e lactulose, como parte rotineira da investigação da função digestivo-absortiva.
Além destes testes outros exames laboratoriais pertinentes para cada caso específico foram realizados.
B) Teste do Hidrogênio no ar expirado com sobrecarga oral de carboidrato
B.1) Procedimento
      Os testes foram realizados individualmente para cada carboidrato e em dias subsequentes.
 Para a realização do teste os pacientes foram mantidos em jejum de 8 horas, sendo permitida a ingestão de pequenas quantidades de água; para os lactentes o período mínimo de jejum foi de 6 horas. Os testes foram realizados pela manhã, após o jejum noturno e lavagem bucal com antisséptico apropriado.
Os carboidratos foram administrados por via oral em solução aquosa a 10%, nas seguintes doses: Lactose 2g∕Kg (máximo 25g), Glicose 1g∕Kg, (máximo 12g), Frutose 1g/Kg (máximo 12g) e Lactulose 20g.
As amostras de ar expirado foram obtidas em jejum e a cada 15 minutos de intervalo de tempo durante a primeira hora e a cada 30 minutos de intervalo de tempo por 1 hora adicional, após a ingestão da solução contendo o respectivo carboidrato, totalizando 2 horas para cada exame.
B.2) Critérios de avaliação diagnóstica
No caso dos testes terem sido realizados com sobrecarga de frutose, glicose e lactose, considerou-se má absorção quando ocorreu incremento >20 partes por milhão (ppm) de H2 em relação ao jejum;  considerou-se intolerância, caso durante o exame e∕ou até 8 horas após o mesmo, o paciente viesse a apresentar distensão abdominal, dor abdominal, diarréia e/ou vômito.
Por outro lado, no caso do teste realizado com sobrecarga de lactulose considerou-se sobrecrescimento bacteriano no intestino delgado quando houvesse incremento >20 ppm de H2 no ar expirado em relação ao jejum, nos primeiros 60 minutos após a ingestão do carboidrato.
C) Definições
Os diagnósticos clínicos dos transtornos funcionais foram caracterizados de acordo com os critérios de Roma III (7), a saber:
1-   Síndrome do intestino irrtitável (SII)
Desconforto abdominal ou dor, pelo menos um episódio por semana com duração de 2 meses anterior ao diagnóstico, associados a 2 ou mais dos seguintes sintomas:
- alívio com a evacuação
- início do quadro associado à mudança na freqüência das evacuações
- início do quadro associado à mudança no formato das fezes
- nenhuma evidência da coexistência de processo inflamatório, neoplásico, anatômico ou metabólico que pudesse explicar os sintomas.
2-   Dor abdominal funcional (DAF)
Dor abdominal caracterizada por ao menos um episódio por semana ou de forma contínua com duração de 2 meses anterior ao diagnóstico, cuja manifestação não apresentasse qualquer evidência de coexistência de processo inflamatório, neoplásico, anatômico ou metabólico que pudesse explicar os sintomas.
      3- Baixa estatura (BE)
O diagnóstico clínico de baixa-estatura foi caracterizado quando a estatura para a idade encontrava-se abaixo de -2 desvios padrões, utilizando-se como referência o z-score (8).
4- Doença celíaca (DC)
O diagnóstico de doença celíaca foi caracterizado segundo os critérios da ESPGHAN (9).
Foi obtido consentimento formal dos pais dos pacientes para a realização dos testes diagnósticos.
O presente trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética da EPM/UNIFESP.

 Referências Bibliográficas

1- Mishkin D, Sabrauskas L, Yalovsky M et al. Fructose and sorbitol malabsorption in ambulatory patients with functional dyspepsia: comparison with lactose maldigestion/malabsorption. Dig Dis Sci 1997; 42; 2591-8.

2- Jones HF, Butler RN, Brooks DA. Intestinal fructose transport and malabsorption in humans. Am J Physiol Gastrointest Liver Physiol 2011; 300: g202-6.
3- Shi X, Schedl HP, Summers RM et al. Fructose transport mechanisms in humans. Gastroenterology 1997; 113: 1171-9.
4- Lifshtz F, Ament ME, Kleinman RE, Klish W, Lebenthal E, Pearman J et al. Role of juice carbohydrate malabsorption in chronic nonspecific diarrhea in children. J Pediatr 1992; 120: 825-9.
5- Baker SS, Cochrane WJ, Greer FR et al. The use and misuse of fruit juice in Pediatrics. Pediatrics 2001; 107: 1210-13.
6- Duro D, Rising R, Cedillo M, Lifshitz F. Association between infantile colic and carbohydrate malabsorption from fruit juice in infancy. Pediatrics 2002; 109: 797-805.
7- Rasquin A, Di Lorenzo C, Forbes D et al. Childhood functional gastrointestinal disorders: child/adolescent. Gastroenterology 2006; 130: 1527-37.
8- World Health Organization. Physical status: the use and interpretation of anthropometry. Geneve: WHO; 1995.
 
9- Husby S, Koletzko S, Korponay-Szabo IR et al. Coeliac disease diagnosis: ESPGHAN 1990 criteria or need a change? Results of a questionnaire. J Pediatr Gastroenterol Nutr 2012; 54: 15-9.
 

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