sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Transporte Intestinal de Futose e Sua Má Absorção nos Seres Humanos (2)

Efeito da Glicose sobre a Absorção da Frutose nos Seres Humanos
Tem sido demonstrado que a glicose aumenta de forma significativa o limiar da má absorção da frutose. O efeito favorecedor da glicose sobre a absorção da frutose pode ter sido reduzido na dieta da sociedade ocidental em virtude da diminuição do consumo da frutose sob a forma do dissacarídeo sacarose (glicose-frutose), e, por outro lado, tem ocorrido um concomitante aumento do consumo da frutose em sua forma isolada. O efeito positivo da glicose sobre o aumento da absorção da frutose levou os pesquisadores a formular uma hipótese inicial de que a frutose seria absorvida através de um sistema de transporte dependente da dissacaridase (sacarase), a qual transportaria simultaneamente glicose e frutose; entretanto, atualmente considera-se que a frutose é transportada por um mecanismo de difusão facilitada utilizando primariamente o transportador GLUT5; desta forma, pode-se desconsiderar o mecanismo de transporte simultâneo dependente da dissacaridase, para explicar o efeito da glicose sobre a absorção da frutose, o que levou os pesquisadores a proporem uma hipótese alternativa para explicar este efeito. 
Atualmente, considera-se a hipótese de que o efeito positivo da glicose sobre a absorção da frutose é resultado de um movimento inespecífico da frutose através do epitélio intestinal por “solvent drag” ou difusão passiva. Isto posto, quando aminoácidos contendo frutose foram oferecidos a crianças sadias houve uma redução da produção de hidrogênio pelo teste do hidrogênio (TH) no ar expirado, em uma mesma proporção do que aquela em que a glicose foi oferecida juntamente com frutose. Por esta razão, foi levantada a hipótese de que o transporte ativo de glicose poderia resultar em um fluxo hídrico induzido pela glicose através da mucosa intestinal, causando, assim, um aumento do “solvent drag” e difusão passiva da frutose. Pesquisas recentes têm demonstrado que GLUT2 pode transportar glicose e frutose, e como este transportador é dependente da presença de glicose, ele passa a ser um potencial candidato responsável pelo aumento do transporte da frutose na presença de glicose.    
Regulação do Desenvolvimento
A absorção da frutose pode ser altamente dependente da idade e uma redução significativa da absorção da frutose tem sido descrita em lactentes e pré-escolares. A evidência para esta absorção significativamente menor em lactentes que consomem sucos de frutas tem sido caracterizada pela excreção de altos níveis de hidrogênio no ar expirado, porém nem sempre esta má absorção está acompanhada de intolerância. Em condições naturais os mamíferos devem receber prioritariamente leite antes do desmame, o qual contém os açúcares glicose e galactose, que são transportados pelo SGLT1 e GLUT2.  Portanto, tudo indica que mamíferos não são capazes de transportar frutose até um determinado período da vida, quando naturalmente as quantidades deste carboidrato aumentariam em suas dietas, e a expressão do GLUT5 tem sido demonstrada apresentar uma regulação acompanhada do crescimento do respectivo mamífero. Tem sido demonstrado em ratos recém-nascidos que a expressão GLUT5 encontra-se em baixos níveis durante os estágios da amamentação (0-14 dias de idade) e o desmame (14-28 dias de idade), porém apresentando um aumento considerável depois dos 28 dias de vida.  Concomitantemente, verificou-se que a expressão e a atividade do GLUT5 aumentaram a partir dos 14 dias de idade, após a introdução de frutose na dieta.
A expressão do GLUT5 em seres humanos foi estudada comparando-se o intestino delgado entre fetos e adultos, e verificou-se a existência de níveis mais baixos da expressão do GLUT5 mRNA nas amostras fetais em comparação com os adultos. Estas diferenças não foram observadas para o GLUT2 e para o transportador ativo de glicose SGLT1. Estes dados sugerem que a expressão do GLUT5 mRNA apresenta uma regulação ao longo do desenvolvimento do ser humano.
Conclusões
Avanços significativos foram alcançados na compreensão do transporte intestinal da frutose, mas ainda não está totalmente esclarecida a relação com o problema gastrointestinal da má absorção da frutose. Tudo indica que lactentes e pré-escolares possuem uma capacidade reduzida de absorver frutose, particularmente mesmo com a ingestão de pequenas quantidades de sucos de frutas contendo altas concentrações de frutose. Uma melhor compreensão do papel dos transportadores da frutose nos seres humanos apresenta uma importância crucial para que possa estabelecer de forma mais aprofundada, o mecanismo básico da má absorção da frutose.

Meus Comentários
Nestes últimos tempos tem sido dada uma maior e merecida importância à má absorção seguida de intolerância à frutose, e suas respectivas manifestações clínicas, a saber: distensão abdominal, flatulência, cólicas e diarreia. Estes transtornos clínicos têm sido principalmente observados em lactentes e pré-escolares que consomem quantidades significativas de suco de frutas, cujas frutas apresentam em sua composição uma maior concentração de frutose em relação à glicose, tais como, a maçã e a uva. Em alguns casos de pacientes portadores da Síndrome do Intestino Irritável este fenômeno também tem sido descrito. Como a absorção da frutose, pelo que se conhece até o presente momento, é dependente do transporte ativo de glicose, quando há um excesso de frutose em relação à glicose em uma determinada fruta a absorção de frutose não se dá de forma completa. A frutose não absorvida, ao permanecer na luz intestinal, irá provocar um efeito osmótico atraindo água para o lúmen intestinal e, esta solução, ao chegar ao cólon será fermentada pela microbiota colônica gerando a produção de ácidos de cadeia pequena e média que serão absorvidos e eliminados pelo ar expirado sob a forma de hidrogênio. Por este motivo a realização do teste do hidrogênio no ar expirado representa o método mais confiável para caracterizar este tipo de manifestação clínica da má absorção e/ou intolerância à frutose.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Transporte Intestinal de Frutose e Sua Má Absorção nos Seres Humanos (1)

Introdução


Má absorção da frutose tem sido descrita cada vez mais frequentemente em determinadas situações clínicas, desde quando o teste do hidrogênio no ar expirado passou a ser empregado de forma universal, nos mais diversos centros médicos de investigação clínica. No número de fevereiro de 2011 do American Journal of Physiology of the Gastrointestinal and Liver Physiology apareceu um interessante artigo de revisão que aborda com riqueza de detalhes os principais aspectos da absorção e da má absorção da frutose em indivíduos sadios e naqueles portadores de determinadas transtornos clínicos que podem cursar com má absorção da frutose. Esta revisão trata do mecanismo de transporte da frutose pelo intestino delgado, particularmente como um causador potencial de queixa gastrointestinal devido à má absorção da frutose em seres humanos. Este artigo intitulado “Intestinal fructose transport and malabsorption in humans” escrito por Hilary F. Jones e cols., foi publicado no Am J Physiol Gastrointest Liver Physiol 300;g202-06, cujos principais tópicos abaixo transcrevo.

A frutose é um monossacarídeo que tem sido utilizada na dieta ocidental com crescente consumo, tanto como um adoçante adicional como na sua forma natural, principalmente em sucos de frutas. A frutose da dieta tem sido implicada na obesidade, na síndrome da resistência à insulina e má absorção de frutose, sendo que esta última tem sido associada à Síndrome do Intestino Irritável (SII), ao sobrecrescimento bacteriano no intestino delgado e à depressão.

Pacientes que sofrem de má absorção de frutose apresentam sintomas que incluem diarreia crônica e dor abdominal. A confirmação clínica deve incluir a história dietética, o teste do hidrogênio (TH) no ar expirado, e o alívio dos sintomas após a retirada da frutose da dieta do paciente. Para a realização do TH o paciente ingere uma solução aquosa de frutose e a quantidade de frutose que não é absorvida no intestino delgado alcança o intestino grosso, aonde ai é metabolizada pela microflora intestinal, resultando assim, na produção de hidrogênio. A detecção do hidrogênio, acima de um determinado nível crítico (>20ppm sobre o nível de jejum), em amostras respiratórias do paciente indica, portanto, má absorção deste carboidrato. O uso do TH para detectar má absorção de lactose está bem consolidado. A má absorção de um dissacarídeo, tal como o é a lactose, tem sido caracterizada por uma deficiência de uma enzima (lactase), que quebra a molécula deste dissacarídeo. Entretanto, como a frutose é um monossacarídeo, não requer a quebra enzimática e, portanto, sua absorção é majoritariamente dependente de um mecanismo de transporte.

Transporte da Frutose

A frutose é transportada através do epitélio intestinal por um mecanismo facilitador. Considerando-se o mecanismo convencional de transporte da frutose, esta é transportada através da membra apical do enterócito pelo GLUT5 transportador facilitador (Figura 1).

O GLUT5 é um transportador de frutose de baixa afinidade e elevada capacidade que parece ser específico para a frutose. Além disso, tem sido demonstrado que a frutose da dieta é responsável pela regulação da expressão do GLUT5 mRNA. O transporte da frutose através da membrana basolateral do enterócito se dá pelo transportador facilitador de hexose GLUT2. O GLUT2 é transportador facilitador para hexoses, tais como a glicose e a frutose, e que também opera com baixa afinidade e alta capacidade. A expressão GLUT2 mRNA tem sido demonstrada ser regulada por ambas, glicose e frutose. Entretanto, têm ocorrido dúvidas a respeito da distribuição destes transportadores GLUT, posto que se descobriu que o GLUT5 também está localizado na membrana basolateral do enterócito. Além disso, descobriu-se que o GLUT2 pode ser temporariamente produzido nas microvilosidades do enterócito em modelos animais. Estes fatos levantaram dúvidas a respeito da distribuição destes dois transportadores e contribuíram para uma polêmica a respeito de qual destes transportadores de açúcar desempenha maior papel na absorção da frutose.

Entretanto, uma série de investigações experimentais parece dar suporte ao GLUT5 como um papel primário responsável pela absorção da frutose.

Capacidade de Absorção e Diagnóstico

A absorção da frutose em seres humanos parece estar limitada a altas concentrações de frutose e este fato é consistente com a capacidade limitada de absorção do sistema de transporte facilitador. A proporção de indivíduos testados que revelaram má absorção à frutose por meio do TH foi demonstrada ser dependente da dose da frutose ingerida (Figura 2).


Funcionalmente, a má absorção de frutose poderia, portanto, surgir quando a ingestão dietética for maior do que a capacidade de absorção. Caso a má absorção de frutose venha ocorrer como resultado de um limiar de absorção reduzido, potencialmente correspondente a uma capacidade reduzida de transporte, não haverá quaisquer dúvidas diagnósticas para responder à presente má absorção. Ainda mais haverá entre pessoas sadias e naqueles malabsorvedores sintomáticos um grau de variação na capacidade absortiva da frutose, a qual estará diretamente relacionada com o consumo dietético da frutose. Para definir má absorção de frutose deve-se tomar como padrão um nível baixo de absorção da frutose, e, para isto requerer-se-ia que a dose do açúcar avaliada por meio do TH fosse tolerada pela maioria das pessoas sadias; a partir de estudos prévios este limiar parece ser de aproximadamente 15g de frutose (Figura 2).

O TH demonstra uma relação direta entre a dose de frutose e má absorção, e, além disso, demonstra que há uma dose limitada dependente da capacidade de absorção, a qual está presente mesmo em indivíduos sadios.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Esofagite Eosinofílica e Esofagite por Refluxo: fibrose sub-epitelial, um aspecto histológico de diferenciação entre elas.

A Esofagite Eosinofílica (EE) foi descrita pela primeira vez na literatura médica em 1977 em um paciente adulto que apresentava disfagia e apenas alguns mínimos sintomas da Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRG), e, além disso, foi demonstrada intensa eosinofilia na biópsia esofágica. Em 1993, Attwod e cols. (Dig Dis Sci 1993;38:109-16) relataram 11 adultos que sofriam de disfagia e apresentavam pHmetria esofágica normal, mas referiam >20 eosinófilos por campo de grande aumento (cga), enquanto que um grupo controle de pacientes com DRG apresentava 3,3 eosinófilos/cga. Em 1995, Kelly e cols. (Gastroenterology 1995;109:1503-12) sugeriram a etiologia alérgica para a EE em um relato de 10 crianças com eosinofilia esofágica que não responderam ao tratamento anti-refluxo, mas sim, apresentaram resposta favorável ao uso de fórmulas à base de mistura de aminoácidos.

Nas crianças, particularmente nos lactentes, a EE costuma se manifestar com sintomas que podem ser similares à DRG, incluindo vômitos, irritabilidade, recusa alimentar e dor. As crianças maiores e os adolescentes, além dessas manifestações podem também queixar-se de disfagia ou impactação alimentar, sintomas esses que se tornam mais típicos do que aqueles vivenciados por adultos. O tratamento destes pacientes com drogas inibidoras da bomba de próton não costuma ser exitoso ao menos que a DRG seja coexistente. Estes fatos fazem com que o diagnóstico de EE seja geralmente retardado e o intervalo médio entre o início dos sintomas e a realização da primeira endoscopia tem sido verificado ser de 3 anos.

Histologicamente, o diagnóstico da EE também pode apresentar dificuldades. A hiperplasia das células basais e o prolongamento do tecido conetivo das papilas são observados em ambas as patologias, EE e DRG. Eosinófilos podem estar presentes na mucosa esofagiana na DRG embora geralmente em número <5 eos/cga. Por outro lado, o limiar de eosinófilos intra-epiteliais utilizados para definir a EE tem apresentado um variação de 5 a 30 eos/cga. Por estes motivos tem ocorrido uma preocupação a respeito de uma possível sobreposição no diagnóstico entre EE e DRG nos casos em que os números de eosinófilos estão mais reduzidos. Outro fator de confusão tem sido a variabilidade dos números de eosinófilos entre os locais das biópsias realizadas. Estas potenciais dúvidas levaram os experts a definir EE como uma enfermidade clínico-patológica caracterizada por sintomas clínicos e rotulada pela existência de eosinofilia esofágica isolada a despeito do uso dos inibidores da bomba de próton. Um recente consenso internacional, baseado na revisão da literatura, recomenda o limiar de 15 eos/cga para caracterizar o diagnóstico de EE.

No número de Fevereiro de 2011 do Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition (JPGN 2011; 52: 147-153) foi publicado um interessante trabalho realizado por Jean P. Li-Kim-Moy e cols. de Sydney, Austrália, intitulado “Esophageal Subepithelial Fibrosis and Hyalinization Are Features of Eosinophilic Esophagitiis”, o qual busca oferecer mais uma evidência para proporcionar a diferenciação entre EE e DRG. A seguir, transcrevo os principais tópicos do referido artigo.

Introdução

A fibrose sub-epitelial da lâmina própria tem sido cada vez mais pensada ser parte do processo patogênico relacionada à reparação tecidual consequente ao infiltrado celular inflamatório da submucosa. Assim sendo, a fibrose seria a responsável por alguns aspectos clínicos da EE, tais como, disfagia e formação de estenose. Biópsias endoscópicas esofagianas obtidas rotineiramente somente ocasionalmente contêm suficiente tecido para alcançar a lâmina própria, o que tem sido um fator limitante desta investigação na maioria das vezes. Chehade e cols. (JPGN 2007;45:319-28) pesquisaram especificamente pacientes cujas biópsias continham a lâmina própria e sugeriram que a fibrose sub-epitelial seria um achado específico na EE, estando presente em 57% dos seus 21 pacientes em comparação com 0 de 6 pacientes com DRG e 1 de 17 pacientes controle. O presente estudo teve por objetivo, através de uma revisão retrospectiva dos prontuários médicos, avaliar os dados demográficos, sintomas e achados endoscópicos e histológicos de fibrose sub-epitelial em um grupo de pacientes que sofriam de EE e DRG nos últimos 3 anos cujas biópsias incluíram tecido sub-epitelial. O objetivo primário foi estabelecer as taxas de fibrose sub-epitelial nos grupos de pacientes com EE e DRG, e, também avaliar a utilidade deste marcador como algo específico para o diagnóstico de EE. Outro objetivo foi caracterizar as crianças com EE e avaliar a relação da fibrose aos sintomas, intensidade da enfermidade e os achados endoscópicos.

Pacientes e Métodos

Pacientes

Foram analisadas 358 biópsias esofágicas em todas aquelas cujo relatório diagnóstico havia referencia ao tecido sub-epitelial, tanto em pacientes com EE e como na DRG. Definiu-se EE como a apresentação de no mínimo 15 eos/cga, enquanto que DRG menos de 15 eos/cga. Todos os pacientes apresentaram história de queixa gastrointestinal que necessitaram de diagnóstico endoscópico.

Dados Coletados

As anotações clínicas de todos os pacientes foram revisadas incluindo as seguintes informações: sexo, idade, sintomas presentes incluindo vômitos, irritabilidade, dor, recusa alimentar, disfagia ou impactação alimentar. Achados endoscópicos tais como: estrias longitudinais, placas, eritema, anéis, ulceração e espessamento da parede também foram pesquisados. Os achados histopatológicos incluíram a presença ou ausência de fibrose sub-epitelial. História prévia de alergias e os testes de investigação realizados também foram analisados.

Avaliação histológica

A avaliação foi realizada levando-se em consideração a contagem de eosinófilos na mucosa esofágica para assegurar a correta inclusão dos pacientes em um dos dois grupos estudados, EE e DRG. Outros aspectos histopatológicos, tais como, hiperplasia das células basais paraqueratose e prolongamento do tecido conetivo das papilas, foram estudados. A lâmina própria de todas as biópsias foi examinada para avaliar a presença ou ausência de fibrose e a presença de qualquer tecido linfoide associado.

Resultados

Características dos pacientes

Foram identificados 27 pacientes com EE e 24 com DRG de acordo com os critérios anteriormente propostos. A comparação entre os achados clínicos, endoscópicos e histológicos, entre os grupos investigados, está descrita na Tabela 1.


Achados endoscópicos

Anormalidades endoscópicas foram observadas em 15 (63%) dos 24 pacientes com DRG. Os achados endoscópicos mais comuns foram eritema e espessamento da parede esofágica. Em contraste, anormalidades endoscópicas foram vistas em 26 (96,3%) dos 27 pacientes com EE. Espessamentos da parede esofágica e estrias longitudinais foram vistas em 52% dos pacientes. Placas (29,6%), eritema (25,9%), anéis (14,8%), e estenoses (14,8%) foram os outros achados endoscópicos observados.

Achados histológicos

Fibrose sub-epitelial da lâmina própria estava presente em 24 (89%) dos 27 pacientes com EE e em apenas 9 (37,5%) dos 24 pacientes com DRG, diferença altamente significativa (p <0,0001).

A fibrose presente no grupo com EE consistiu em um padrão densamente uniforme de fibras colágenas no interior da lâmina própria, geralmente associadas, com aparência hialinizada e com perda da habilidade de diferenciar fibras individualizadas (Figura 1).

Não houve associação entre fibrose e tecido linfoide. Por outro lado, a fibrose demostrada nas biópsias no grupo com DRG mostrou-se marcadamente diferente (Figura 2).


 Em 7 dos 9 pacientes com DRG, que apresentavam fibrose na lâmina própria, esta mostrou-se associada com tecido linfoide (Figura 3).

Sintomas alérgicos

Uma maior proporção dos pacientes com EE relatou problemas atópicos do que aqueles com DRG (Tabela 2).

Comparação entre as crianças com fibrose sub-epitelial e as crianças sem fibrose sub-epitelial

A comparação entre as características clínicas e endoscópicas dos pacientes estão descritas na Tabela 3.

Conclusões

Os autores concluem que a fibrose sub-epitelial é um marcador histológico específico associado à EE, prontamente identificável quando a lâmina própria está presente na biópsia. A fibrose sub-epitelial representaria um processo de reconstrução secundária à infiltração eosinofílica da mucosa e outros possíveis eventos patológicos. Ela está significantemente associada com uma população de pacientes com idades mais avançadas que sofrem de EE, com tendência de duração mais longa dos sintomas e tudo indica estar associada com o desenvolvimento de sintomas futuros de disfagia e impactação alimentar. A presença de fibrose sub-epitelial deve auxiliar na confirmação da EE e alertar o clínico para monitorar rigorosamente os sintomas de progressão da enfermidade ou de suas complicações, tais como dismotilidade esofágica ou estenose.

Meus Comentários

O presente estudo teve como objetivo caracterizar uma população de crianças que sofrem de EE e avaliar a prevalência da fibrose sub-epitelial neste grupo de pacientes e compará-los com um grupo equivalente de crianças que apresentam a DRG, sendo que em ambos os grupos as biópsias obtidas continham tecido sub-epitelial. A fibrose sub-epitelial mostrou-se nitidamente mais frequente no grupo EE do que no grupo DRG (89% vs. 37,5%), sendo que, inclusive, os aspectos da fibrose detectadas no grupo EE apresentaram diferenças acentuadas em comparação com aqueles detectados no grupo DRE. Vale salientar que a presença da fibrose no grupo EE esteve associada com o aumento da idade e também com o tempo de duração dos sintomas, tendo, portanto, uma nítida característica de um processo evolutivo. Admite-se que a EE é o resultado de uma resposta imunológica anormal aos alergenos dietéticos e/ou respiratórios. As citocinas TH2, tais como a interleucina (IL)-5, a eotaxina-3 liberada pelos eosinófilos e o fator de necrose tumoral alfa contribuem de forma decisiva para a fisiopatologia da EE. Admite-se que a fibrose esteja relacionada com a progressão do processo inflamatório, e que este achado pode estar diretamente relacionado com as manifestações de disfagia e impactação alimentar descritos em crianças maiores e adolescentes. O desenvolvimento da fibrose sub-epitelial poderia afetar a motilidade esofágica levando, assim, inicialmente à manifestação de disfagia e mais em longo prazo resultar em estenose esofágica. Tudo isto ainda são temas especulativos que necessitam maior comprovação científica, mas de qualquer maneira já se desenha um caminho a ser trilhado, para melhor se conhecer os mecanismos íntimos da gênese desta enfermidade, cuja prevalência tem aumentado significativamente em todo o globo terrestre.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Bactérias, Fezes e Síndrome do Intestino Irritável: demasiado é tão ruim quanto muito pouco

Introdução
Algumas novidades altamente promissoras estão surgindo na literatura médica para tentar elucidar os mecanismos desencadeadores da Síndrome do Intestino Irritável (SII), tanto em adultos como na população pediátrica. Atualmente está bem estabelecido que as manifestações clínicas da SII obedecem características  multifatoriais, o que, portanto, determina a necessidade de envidar esforços para o esclarecimento específico de cada um destes componentes, para que se possa ter uma definição global deste tema tão prevalente e, ao mesmo tempo, igualmente intrigante. Neste sentido o número de novembro do Gastroenterology, 2011;141:1555-59, traz um interessante Editorial (Bugs, Stool, and the Irritable Bowel Syndrome: Too Much Is as Bad as Too Little? Talley NJ & Fodor AA) que comenta 2 artigos publicados nesta revista, um deles realizado com uma população de adultos, em Houston, Texas, EUA, e o outro realizado com crianças, em Helsinki, Finlândia), que trazem resultados antagônicos. As diferenças observadas podem ser devidas aos diferentes grupos estudados (adultos x crianças) e/ou as diferentes regiões geográficas aos quais os pacientes pertenciam. De qualquer forma, porém, os resultados obtidos são novos e interessantes que poderão indicar rumos a serem perseguidos para o entendimento de como a microbiota intestinal poderia interferir diretamente na gênese da SII. Abaixo, transcrevo os principais tópicos do referido Editorial.
Editorial
A SII é um transtorno altamente prevalente, até o presente momento sem explicação conhecida, e que afeta mais de 10% dos americanos. A SII tem sido reconhecida em todo o globo terrestre e está presente nas populações de todas as nações investigadas. A SII prejudica de forma significante a qualidade de vida, cujo prejuízo se reflete em uma diminuição da produtividade, das funções físicas e mentais, dos relacionamentos pessoais e do sono. Não há até o presente momento qualquer medicação que cure a SII, e, no máximo, alguns medicamentos existentes no mercado, são capazes de trazer alívio temporário e sintomático.
O fenótipo da SII é tão característico que permite que o mesmo seja usualmente reconhecido na prática clínica, sem que haja a necessidade da realização de qualquer teste diagnóstico, e, o qual se apresenta com dor abdominal recorrente ou algum desconforto ligado a um distúrbio errático da evacuação, diarreia ou constipação, ou ambos, e frequentemente flatulência. A despeito dos enormes custos pessoais e econômicos associados a SII, os mecanismos estruturais causais ainda são desconhecidos. Entretanto, tem se tornado cada vez mais claro que em indivíduos geneticamente predispostos a SII provavelmente surge após um ou mais agravos ambientais (mais frequentemente, infecção intestinal aguda).
Tradicionalmente a SII tem sido conceituada como um transtorno do eixo cérebro-intestino, especialmente devido à ansiedade, depressão, e sintomas extras intestinais, tais como fadiga, as quais são condições comórbidas que estão fortemente associadas. Entretanto, a evidência emergente dá suporte à visão de que pelo menos em um subgrupo de pacientes que sofre de SII, o trato digestivo pode ser o deflagrador primário das manifestações clínicas. Há dados convincentes de que uma sutil inflamação da mucosa do intestino delgado e do colón, especialmente a infiltração de mastócitos e linfócitos T, ocorre em um subgrupo de pacientes com SII; a ligação com os mastócitos é particularmente saliente e esta pode representar um biomarcador da mucosa neste transtorno. Citocinas séricas estão aumentadas na SII; níveis basais elevados do fator alfa de necrose tumoral, interleucina 1β e  IL-6, por exemplo, tem sido observados. Tem sido especulado, que certos perfis de citocinas podem ser responsáveis pelo excesso de sintomas somáticos incluindo estresse psicológico na SII (porque correlações positivas têm sido identificadas), embora haja incertezas a respeito da exata fonte das elevações séricas das citocinas. Sabe-se que até 25% dos indivíduos desenvolve a SII depois de um episódio de gastroenterite infecciosa. Outras linhas de evidências sugerem que a permeabilidade intestinal está prejudicada naqueles indivíduos que sofrem de SII pós-infecciosa, o que levanta a hipótese de que antígenos presentes no lúmen intestinal (por exemplo, de bactérias) podem penetrar na mucosa e estimular respostas imunes anormais no hospedeiro com SII.
Qual o deflagrador da cascata inflamatória de citocinas na SII? Uma possibilidade é a composição da nossa própria flora intestinal que predispõe para a SII, e que depois de algum insulto inicia o transtorno (Figura 1).


Micro-organismos respondem pelo impressionante número de 90% das células existentes no corpo, sendo que somente 10% das nossas células é representada por células “humanas”. A extraordinária massa microbiana presente no intestino é estabelecida ao nascimento, cuja exata composição depende dos nossos genes e do meio ambiente local. Ela pode desempenhar um papel crítico em todas as enfermidades inflamatórias intestinais incluindo a SII. O desenvolvimento de uma interessante nova tecnologia tem permitido estabelecer a contagem detalhada do vastíssimo número de micro-organismos que constituem o microbioma intestinal humano. Descrições iniciais que tem explorado a microflora bacteriana por meio de métodos altamente sofisticados verificaram que diferentes pessoas tendem a ter microfloras muito diferentes no interior dos seus intestinos e que essas diferenças mantêm-se bastante estáveis ao longo do tempo. Assim sendo, torna-se tentador especular que algumas dessas diferenças entre os indivíduos no que diz respeito ao seu microbioma intestinal podem explicar as variações pelas quais algumas pessoas desenvolvem a SII e outras assim não o fazem. Por meio da utilização de técnicas de cultura livre tais como a eletroforese em gel de gradiente desnaturante e a reação quantitativa da polimerase em cadeia alvejando um microbiota específico, inúmeros estudos tem tentado encontrar bactérias que possam discriminar casos de SII em contraposição aos controles. Muitos desses estudos foram capazes de encontrar microbiota que parecem ser diferentes nos casos versus controles. Entretanto, a caracterização de microbiota específico que poderia estar consistentemente associado à SII, utilizando-se diferentes coortes e diferentes técnicas, ainda não foi possível determinar.
Rajilic-Stojanovic M e cols., (Gastroenterology 2001;141:1792-1801), utilizando técnicas sofisticadas de alta resolução, estudaram a microbiota de 62 pacientes com SII e 46 controles sadios; seus resultados confirmaram de forma robusta que existe uma nítida separação entre a microbiota dos casos em relação aos controles. Essas diferenças fornecem novas evidências à respeito da hipótese de que há uma variação da comunidade microbiana associada a SII.
Por outro lado, Saulnir D e cols., (Gastroenterology 2011;141:1782-1791), em um estudo pioneiro, utilizaram técnicas de sequenciamento de nova geração e plataformas de micro arranjos para descrever as diferenças dentro da comunidade microbiana entre crianças com SII e crianças sadias, e crianças com diferentes subtipos de SII.  Contraditoriamente, a carga microbiana total não se mostrou significantemente diferente entre as crianças sadias e aquelas com SII. Levando-se em consideração estes achados, será muito interessante analisar como estas observações impactariam na consideração de saber se o número total de bactérias presentes no intestino (a hipótese do “sobrecrescimento bacteriano”) tem importância mais significativa na SII do que os tipos de bactérias presentes, o que agora poderá ser mensurado com estas técnicas altamente sofisticadas disponíveis para as investigações clínicas.
Meus Comentários
Desde há muito tempo a SII é bem conhecida dos gastroenterologistas, tanto para os clínicos que atendem pacientes adultos quanto para os que assistem a população pediátrica, mas, no entanto, além da reconhecida influência bio-psico-social e da característica manifestação pós-infecciosa, seja ela intestinal ou extra-intestinal, inúmeras dúvidas ainda pairam para todos os interessados no estudo desta síndrome, a respeito dos mecanismos íntimos da sua fisiopatologia. Em minha opinião, dentro da multifatoriedade causal das manifestações clínicas da SII, alguns aspectos estão bem definidos, tais como os já supracitados, mas, ao que tudo indica, novos importantes fatores passam a surgir, inclusive a possibilidade da potencial existência de biomarcadores e de um melhor conhecimento do papel da microbiota intestinal, como mais um agente causal na deflagração dos sintomas. Tudo isto somado explica claramente o porquê da inexistência de um único medicamento capaz de controlar os sintomas da SII e, ao mesmo tempo, traz maiores dilemas para o clínico e seus pacientes de como abordar de forma global este tão intrigante e desafiador transtorno funcional. Será mesmo apenas um transtorno funcional? Parece-me que estamos no limiar de serem encontrados, se não todos, pelo menos alguns mecanismos fisiopatológicos palpáveis que poderão trazer possibilidades terapêuticas específicas para este grupo significativo de pacientes, e com estes avanços diminuir seus sofrimentos. É o desejo de todos que tenhamos respostas positivas e otimistas dentro do mais breve período de tempo possível.   

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Esofagite Eosinofílica: Manejo Dietético por meio da utilização de Dietas de Eliminação (2)

Imaginando-se uma situação ideal a EE poderia ser diagnosticada sem a necessidade da realização da biópsia esofágica, como por exemplo, pela utilização de marcadores biológicos, tais como a eotaxina-3 ou a neurotoxina derivada do eosinófilo, os quais estão presentemente sob investigação, e, assim, a proposta de uma dieta eficaz seria identificada logo na apresentação clínica da enfermidade por algum teste que fornecesse uma resposta imunológica. Dietas que evitam o antígeno e que se baseiam em teste alérgicos alcançam uma taxa similar de remissão da doença à aquela verificada pelo emprego da “dieta de eliminação dos 6 alimentos”. Considerando-se que a maioria das crianças que sofrem de EE apresentam reações adversas a múltiplos alimentos, a retirada individual dos alimentos da dieta, porém, permitindo que sejam mantidos outros alimentos potencialmente agressores na dieta, simplesmente irá perpetuar a inflamação. Ao mesmo tempo, testes alérgicos falso positivos e falso negativos resultam no fracasso no uso de dietas de eliminação, porque tanto alguns alimentos agressores podem permanecer sendo ingeridos, como, por outro lado, alguns alimentos não agressores poderão ser removidos de forma desnecessária. De qualquer maneira, ensaios clínicos repetidos com alimentos e exames endoscópicos fazem-se necessários para completar o processo de se propor uma dieta minimamente restritiva. Spergel e cols. em 2005, demonstraram que na tentativa de otimizar a “dieta de eliminação dos 6 alimentos” por meio da utilização dos testes alergênicos “prick” e “patch” apresentam uma tendência ao fracasso porque o valor preditivo positivo para o teste do leite de vaca na EE é baixo, ao redor de apenas 37%.

Tendo em vista que os sintomas necessariamente não retornam logo após a reintrodução do antígeno, biópsias endoscópicas têm sido realizadas para se detectar o impacto do antígeno sobre a mucosa. Esta é uma prática padronizada e tem sido admitida como um fator necessariamente perverso devido a inexistência de um marcador biológico perfeito, o qual possa vir a indicar a existência da inflamação eosinofílica. Até o presente momento, nenhum marcador clínico ou laboratorial correlaciona-se suficientemente bem que possa substituir a biopsia em todo esse processo, mas de qualquer forma as pesquisas para tal achado estão em andamento (Figura 1).

Figura 1- (A) Pretreatment distal esophageal mucosal biopsy. Above left, showing several intraepithelial eosinophils, basal zone hyperplasia, and intercellular edema (H&E ×200). Above right, lamina propria with fibrosis and eosinophilic inflammation (H&E ×400). (B) Post-treatment with OVB, distal esophageal biopsy from the same patient. Above left, unremarkable epithelium (H&E ×100). Above right shows lamina propria with no evidence of fibrosis or eosinophilic inflammation (H&E ×400). (C) Esophageal mucosal biopsies (×400 light microscopy) stained for profibrotic mediators showing LP in a responder patient. Upper images show transforming growth factor–β1 (TGFβ1)-positive (brown) cells and lower images show phosphorylated Smad2/3-positive (red) cells pre- and post-treatment with OVB (Dohil R. et al. Gastroenterology 2010; 139: 418-29).

Está bem estabelecido que a EE pode provocar fibrose da lâmina própria, perda da complacência da parede esofágica ou estenose, a qual se manifesta por disfagia crônica, o sintoma mais comum em adolescentes e adultos. A observação de que sintomas e histologia apresentam uma pobre correlação traz à luz a preocupação de que um tratamento sub-ótimo de um determinado paciente, cuja inflamação persista, pode levar às supra referidas complicações, independentemente do fato de apresentarem ou não sintomas agudos. Não está claro se todos os pacientes que sofrem de EE encontram-se em igual risco para esta complicação, mas, como a remodelação da lâmina própria é reversível com o uso de terapia apropriada, há o consenso de se tratar a inflamação eosinofílica predominante de forma compulsiva para induzir a cicatrização da mucosa e prevenir as complicações. Kagalwalla e cols., reafirmam, por meio de dados convincentes que vale a pena lançar mão do tratamento empírico da “dieta de eliminação dos 6 alimentos” como proposta de manejo inicial para as crianças que sofrem de EE. Vale a pena enfatizar que este manejo dietético deve ser proposto somente para as crianças cujo diagnóstico de EE foi cuidadosamente estabelecido pela biópsia e, ao mesmo tempo, após a exclusão de outras causas de eosinofilia esofágica. A educação do paciente e dos pais, por um nutricionista com experiência comprovada, é crucial para a preservação de uma nutrição adequada quando os principais antígenos alimentares são eliminados.

A utilização de um algoritmo torna-se mandatória para servir de guia de conduta para um ótimo manejo das crianças que sofrem de EE. Evitar a ingestão de antígenos alimentares e a aplicação de corticosteroides tópicos são os pilares básicos do tratamento e parecem ser terapêuticas que perdurarão ao longo do tempo, embora a inexistência de estudos comprobatórios de longo tempo de manuseio farmacológico contínuo ainda geram alguma incerteza quanto à sua segurança. Ao mesmo tempo, sabe-se que nenhuma das terapias disponíveis é universalmente efetiva e isto provavelmente ocorre porque existe uma grande variação fenotípica entre as populações. Não existem definições formais para os fenótipos, mas, por exemplo, reconhece-se que alguns indivíduos são nitidamente atópicos enquanto que outros não o são. Similarmente, alguns pacientes desenvolvem complicações fibro estenóticas (estenoses, estreitamento do calibre esofágico), enquanto que outros não apresentam estes problemas. Talvez, acoplando-se a medicação com o fenótipo, esta associação poderá aumentar o potencial da remissão inicial da enfermidade.

O sucesso do tratamento da EE necessita claramente contemplar muitos componentes. A educação do paciente é crucial e alvejar o tratamento para o fenótipo da enfermidade e o estilo de vida do paciente, podem ser medidas extremamente importantes. Uma discussão profunda dos prós e contras das opções terapêuticas disponíveis com os pacientes e seus familiares podem identificar indivíduos nos quais um ensaio dietético não seria desejável ou exitoso, porque, por exemplo, poderia haver predisposição para não aderir ao tratamento. Pesquisas estão em marcha para determinar com maior precisão uma abordagem terapêutica inicial e, ao mesmo tempo, determinar normas de conduta de longo prazo para está afecção crônica.

Meu Comentário

Kagalwalla e cols., em 2006 (Clin Gastroenterol Hepatol 4: 1097-102), puderam demonstrar que a utilização da “dieta de eliminação dos 6 alimentos” induziu à resolução dos sintomas clínicos na maioria dos pacientes e também causou a redução da inflamação da mucosa esofágica em 74% deles, com remissão histológica parcial em um adicional de 9% das crianças que sofriam de EE.

Esses autores também demonstraram que o uso da “dieta de eliminação dos 6 alimentos”, além de ser uma proposta efetiva de tratamento dietético, é mais prática e palatável, porque apresenta a conveniência de permitir que os pacientes possam ingerir os alimentos rotineiros da dieta, e, este fato traz uma melhor aceitação tanto para os pacientes quanto para seus familiares, quando esta medida é comparada com a utilização exclusivamente da dieta elementar. Sem dúvida alguma o leite de vaca e seus derivados constituem-se de longe nos principais alergenos a serem eliminados da dieta, mas, deve-se sempre ter em conta que alergenos múltiplos podem ser a causa dos sintomas e da eosinofilia esofágica. Embora esteja bem estabelecida que o emprego de uma dieta à base de mistura de aminoácidos é extremamente eficaz para a remissão dos sintomas e das lesões esofágicas sua aplicabilidade na prática esbarra em uma série de dificuldades já bem conhecidas e anteriormente discutidas. Por esta razão, a busca de marcadores biológicos para se detectar com acurácia os potenciais alergenos específicos para cada paciente torna-se de crucial importância, para que seja possível o controle desta enfermidade com a utilização de dietas específicas, mas que façam parte da cultura alimentar de um determinado indivíduo. No presente momento este é o grande desafio que se apresenta para os pesquisadores desta grave afecção crônica, que tanto compromete a qualidade de vida dos nossos pacientes.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Esofagite Eosinofílica: Manejo Dietético por meio da utilização de Dietas de Eliminação (1)

Introdução

Está definitivamente estabelecido que tem ocorrido um significativo aumento no diagnóstico da Esofagite Eosinofílica (EE) em todo oglobo terrestre com exceção do continente africano. As manifestações clínicas apresentam grande variabilidade que incluem desde aversão alimentar e desnutrição em lactentes e pré-escolares, a vômitos crônicos e dor abdominal em escolares, e dor abdominal, disfagia e impactação dos alimentos em adolescentes. Complicações, tais como estenose esofágica, tem sido descritas em crianças e adultos. Fibrose sub-epitelial esofágica, uma precursora da estenose, que pode afetar de forma significativa a qualidade de vida dos pacientes com EE, tem sido descrita em crianças com disfagia. O mecanismo da fibrose sub-epitelial está diretamente relacionado com a eosinofilia e, portanto, a eliminação desta complicação pode resultar em sua reversão. Recentes evidências obtidas a partir de pacientes que apresentam EE de longa duração demonstram que a persistência dos sintomas, a despeito da resolução da inflamação esofágica aguda por meio do uso de drogas anti-inflamatórias, ocorre devido a uma deficiência funcional do esôfago em virtude da existência de um prolongado período de inflamação não anteriormente detectado. Por esta razão, a identificação e a eliminação de antígenos alimentares específicos que provocam inflamação da mucosa esofágica oferecem uma ótima perspectiva para a manutenção sustentada da remissão histológica.

No número de Agosto do Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition (JPGN) de 2011 há um excelente artigo “Invited Commentary” escrito por Philip E. Putman, do Children’s Hospital Medical Center, Cincinnati, Ohio sobre este tema tão atual e que desperta enorme interesse (JPGN 53; 129-30). A seguir reproduzo os principais tópicos abordados pelo autor.

Artigo

Nesta última década tem sido reconhecido um significativo aumento da prevalência da EE tanto na população adulta quanto na pediátrica. Inicialmente, uma série de casuísticas descreveram as manifestações clínicas, endoscópicas e histológicas desta entidade clínica. Em 2007, um grupo multidisciplinar de experts (Gastroenterology 2007; 133: 1342-63) elaborou o primeiro consenso de recomendações para o diagnóstico e tratamento da EE, o qual foi atualizado em Abril de 2011 (J Allergy Clin Immunol). Esses documentos oferecem informações detalhadas a respeito do diagnóstico e das opções do manejo terapêutico, mas não fornecem um algoritmo para o manejo individualizado para pacientes em longo prazo.

O conceito diagnóstico atual é que EE trata-se de um processo inflamatório crônico imunologicamente mediado, restrito ao esôfago, o qual na maioria das vezes é desencadeado pela exposição a antígenos alimentares. A exclusão destes antígenos alimentares agressores resulta na remissão da enfermidade, e a reexposição acarreta sua recidiva. Considerando-se que o número e a natureza dos alergenos da dieta desencadeadores da EE apresentam uma grande variabilidade entre os diferentes indivíduos, não é possível propor um tipo padrão de dieta que atenda à todas as necessidades, de tal forma que possa de uma maneira geral, eliminar os antígenos agressores e, ao mesmo tempo, assegurar uma nutrição adequada para atender aos requerimentos dietéticos necessários para todas as idades. A substituição da dieta rotineira pela utilização de uma fórmula não alergênica à base de mistura de aminoácidos atende este desafio, porém seu alto custo, sua baixa palatabilidade, as consequentes dificuldades psicossociais, a cronicidade do processo patológico e a frequente necessidade da utilização de alimentação por sonda naso-gástrica representam grandes desafios para as famílias dos respectivos pacientes.

Uma alternativa para contornar o problema do uso das dietas alimentares no manejo dietético da EE foi a proposta da então denominanda "dieta de eliminação de seis alimentos". Em 2006, Kagalwalla e cols. (Clin Gastroenterol Hepatol 2006; 4: 1097-102), estudaram o impacto desta dieta, a qual eliminava simultaneamente os seguintes alimentos: leite, ovo, trigo, soja, peixe/frutos do mar e amêndoas, sem levar em consideração os resultados dos tradicionais testes alérgicos. Aproximadamente 75% das crianças apresentaram remissão da EE durante o período em que estes alergenos foram evitados. A vantagem gritante deste tipo de dieta sobre a dieta elementar se dá pela preservação de uma porção significativa da dieta rotineira, a qual pode ser completada nutricionalmente quando apropriadamente manipulada por nutricionistas. Caso ocorra o sucesso terapêutico fica bem estabelecido que os alimentos agressores estão presentes no grupo de alergenos alimentares supra citados. Para se saber quais antígenos são os verdadeiros provocadores da inflamação deve-se então reintroduzí-los na dieta de forma individual seguindo-se pela realização de biópsias endoscópicas, ao menos que uma recidiva dos sintomas seja tão notória que requeira a imediata eliminação deste alergeno da dieta. Desta forma um número relativamente pequeno de endoscopias seria necessário para completar o processo desde a retirada inicial dos alergenos da dieta até ser alcançada uma dieta definitivamente aceitável, o que contrastaria com um número de biópsias endoscópicas que seriam necessárias caso toda a alimentação rotineira fosse suspensa durante a utilização da dieta elementar.

Kagalwalla e cols. (J Pediatr Gastroenterol Nutr 2011; 53: 145-9), estabeleceram a frequência na qual alergenos isoladamente foram responsáveis pela inflamação eosinofílica após a reintrodução dos mesmos. As características clínicas dos pacientes estão descritas na Tabela 1.
Antígenos alimentares únicos foram identificados em 26 (72%), 2 alergenos em 3 (8%) e 3 alergenos em 3 pacientes (8%), como está demostrado na Figura 1.
Os antígenos alimentares mais comumente identificados foram: leite de vaca 25/34 (74%), trigo 8/31 (26%), ovo 4/24 (17%), soja 3/29 (10%) e amendoim 1/17 (6%) (Figura 2).

 O leite de vaca foi o alimento que mais frequentemente causou EE. Em relação aos outros 4 alimentos, o leite de vaca mostrou-se 8 vezes mais causador de EE em comparação com o trigo, 14 vezes mais frequente em comparação com o ovo, 24 vezes mais frequente em comparação com a soja e 43 vezes em comparação com o amendoim, conforme está demonstrado na Tabela 2.

O fato de que os pacientes tivessem reagido a 2 ou mais alergenos alimentares é a razão que justifica a remoção de todos os 6 alimentos alergênicos simultaneamente no início do tratamento dietético. Caso esses alimentos tivessem sido eliminados um a um, nenhuma das crianças que se mostrou intolerante a mais de um alergeno, apresentaria remissão dos sintomas porque haveria sempre, embora de forma alternada, a presença de pelo menos um alimento alergênico na sua dieta. Em conclusão a reintrodução seriada de alimentos de forma individualizada, após a indução da remissão histológica com a eliminação dos 6 alimentos supostamente alergênicos da dieta, permitiu identificar o alergeno alimentar específico causador da EE.

No nosso próximo encontro continuarei a expor este interessante artigo sobre tão relevante tema, a EE.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Síndrome do Intestino Irritável: Novos Conhecimentos Sobre a Flatulência e a Distensão Abdominal (2)

RESPOSTAS VISCEROSSOMÁTICAS ANORMAIS

Tem sido proposto que a ação conjunta do rebaixamento do diafragma, abaixo da lordose lombar, hipotonia da musculatura abdominal, e protrusão voluntária do abdome podem ter importância na geração da flatulência e da distensão abdominal, porém nenhuma destas alterações foi confirmada em um estudo anterior utilizando tomografia computadorizada (Maxton e cols., Gut 1991; 32: 662-64), ou mesmo em outro estudo, realizado na Austrália, aonde se verificou ser normal a atividade da musculatura abdominal na SII (McManis e cols., Am J Gastroenterol 2001; 96: 1139-42). Entretanto, com a utilização da eletromiografia da parede abdominal e do diafragma e a análise da imagem da tomografia computadorizada moderna, o grupo de Barcelona em uma série de cuidadosos estudos incluindo voluntários sadios e pacientes trouxe novos importantes conhecimentos a respeito da gênese da distensão abdominal em pacientes com transtornos funcionais gastrointestinais. Nestes estudos ficou demonstrado que a acomodação abdominal a sobrecargas de volume é um processo ativo que envolve respostas musculares abdominofrênicas (Vitoria e cols., Am J Gastroenterol 2008; 103: 2807-15) e que pacientes com SII que apresentam flatulência sofrem de reflexos viscerossomáticos prejudicados e distonia da parede abdominal, com fracasso na concentração tônica da parede abdominal, e relaxamento do músculo oblíquo interno em resposta a uma sobrecarga gasosa colônica (Perez e cols., Am J Gastroenterol 2007; 102: 842-49). Accarino e cols. (Gastroenterology 2009; 136: 1544-51) investigaram um grupo significantemente grande de pacientes que apresentavam queixa predominantemente de flatulência e voluntários sadios utilizando a tomografia abdominal de varredura, por meio de um software especializado para analisar o conteúdo de gás e os volumes intra-abdominais. Considerando-se o grande interesse do tema, pacientes que sofrem de flatulência como queixa do transtorno funcional foram comparados com aqueles com grave dismotilidade intestinal e flatulência. Ambos os grupos foram submetidos a um estudo com tomografia computadorizada de varredura durante condições basais e também durante um episódio de flatulência intensa. Não houve diferença significativa entre os grupos no estado basal. Entretanto, diferentes mecanismos de origem foram detectados durante os episódios de flatulência entre os dois grupos; os pacientes que sofriam de dismotilidade funcional demostraram um real aumento do volume abdominal total com um deslocamento cefálico do diafragma; por outro lado, os pacientes com transtorno funcional apresentaram um incremento muito modesto do volume abdominal, e, ao contrário do grupo anterior, a distensão abdominal mostrou-se relacionada com um movimento descendente do diafragma, o que resultou em um deslocamento abdominofrênico e redistribuição dos conteúdos gasosos intestinais no sentindo ventro-caudal.

Esses achados são potencialmente de grande valor para explicar os desconfortos sintomáticos da flatulência e da visível distensão abdominal; um pequeno, embora significante, aumento do conteúdo gasoso intestinal, como demonstrado neste estudo pode provocar o desencadeamento da distensão abdominal através da existência de reflexos viscerossomáticos anormais. Entretanto, este estudo apresenta alguns aspectos que merecem críticas. O grupo que sofria de distensão abdominal de causa funcional foi selecionado baseando-se na existência de sintomas graves de flatulência e distensão abdominal, e compreendia pacientes com SII, com constipação e hábitos intestinais mistos, assim como um grupo de pacientes com flatulência funcional, mas nenhum paciente portador de SII com diarreia foi incluído; portanto, a partir deste estudo a generalização dos achados para todos os pacientes que sofrem de transtorno funcional intestinal não fica clara, e a relevância dos achados fica confinada a pacientes com distensão abdominal visível e não para pacientes com a sensação isolada de flatulência. Estudos de acompanhamento são agora necessários utilizando diferentes grupos de pacientes fazendo-se comparações entre diferentes subgrupos de pacientes. Além disso, outro ponto que merece crítica no presente estudo refere-se ao papel do índice de massa corporal, o que não foi claramente esclarecido.

De qualquer forma um novo e potencialmente muito importante mecanismo desencadeador da distensão abdominal nos transtornos funcionais gastrointestinais foi demostrado, e os próximos passos a serem seguidos deverão ser para avaliar sua relativa relevância para conjuntamente atuar em outros mecanismos propostos, e encontrar uma potencial opção de tratamento para se tentar reduzir os sintomas que causam desconforto.

CONCLUSÃO

Os mecanismos potenciais que se encontram por traz dos sintomas desconfortáveis de flatulência e distensão abdominal visível têm emergido nos últimos anos e estão diagramados na Figura 1.

Figura 1- Representação esquemática dos potenciais mecanismos causadores de flatulência e distensão abdominal nos transtornos funcionais gastrointestinais. 

O trânsito prejudicado de gás no intestino parece desempenhar um importante papel associado a uma alteração da motilidade funcional, fato frequentemente encontrado em pacientes com transtornos gastrointestinais funcionais. A hipersensibilidade visceral, um dos principais fatores fisiopatológicos nos transtornos gastrointestinais funcionais, é de grande importância no desencadeamento dos sintomas, em especial naqueles pacientes que sofrem de flatulência e que não apresentam uma distensão abdominal visível. Respostas viscerossomáticas anormais podem resultar de uma aglomeração focal do conteúdo intestinal com incoordenação abdominofrênica e, como consequência, protrusão da parede abdominal. Outros fatores ainda não bem esclarecidos e/ou estudados, e que são de potencial importância, referem-se a uma ativação imunológica anormal da mucosa, alteração da flora bacteriana, hormônios sexuais, e fatores psicológicos, incluindo somatização. O próximo passo que agora deve ser seguido refere-se a avaliação da importância relativa destes diferentes fatores e a inter-relação entre eles. Assim sendo, algumas perguntas permanecem para serem respondidas: será relevante do ponto de vista clínico constituir subgrupos de pacientes que sofrem de flatulência isoladamente versus flatulência com distensão abdominal, baseados na presença/ausência de diferentes fatores fisiopatológicos? Além disso, desde o ponto de vista do paciente, tudo indica ser de enorme importância traduzir estes achados no desenvolvimento de potenciais opções terapêuticas para reduzir a intensidade da flatulência e da distensão abdominal visível. Sem duvida alguma este será o maior passo a ser dado para atender as necessidades dos pacientes e de seus médicos assistentes.

Meus Comentários

Como é possível depreender deste editorial e dos artigos a que ele se refere, os transtornos funcionais gastrointestinais continuam a ser um enorme desafio para os pesquisadores/investigadores/indústria farmacêutica, quanto à sua fisiopatologia e, consequentemente, ao surgimento de potenciais medicamentos que possam a vir controlar/curar os pacientes portadores destes transtornos. Indiscutivelmente, ao longo dos anos, tem ocorrido avanços para uma melhor compreensão dos mecanismos íntimos que geram uma sintomatologia comum a alguns transtornos funcionais, porém, por outro lado, sabemos que ainda estamos engatinhando para alcançarmos uma solução definitiva a respeito do tema. Sem dúvida alguma, os avanços verificados nos critérios de Roma (I - II e III) têm contribuído decisivamente para que sejam definidos de forma mais detalhada cada um dos transtornos considerados como funcionais, bem como inclusive tem sido ampliada a lista dos mesmos, como no caso da Pediatria, agora subdividindo-os entre recém-nascidos e lactentes, e entre escolares e adolescentes. Os últimos conhecimentos gerados pelos pesquisadores vêm demonstrando cada vez mais que estamos diante de um problema que não é necessariamente devido a uma única causa específica, mas sim, pode ser a múltiplos fatores que interagem para desencadear um sintoma comum, ou seja, estamos literalmente lidando com uma síndrome, e discriminar qual ou quais os mecanismos causais para a deflagração dos sintomas torna-se o grande desafio a ser vencido. Será, sem dúvida alguma, a partir do conhecimento específico de cada um destes mecanismos, e de como eles estão atuando em um determinado paciente, é que se poderá propor o melhor tratamento. Torna-se ainda necessário aprimorar a metodologia e a técnica de investigação clínica para serem elucidados e identificados os meandros desta síndrome, para que se possa em futuro próximo, discriminar com exatidão qual o fator/fatores desencadeante/desencadeantes dos sintomas em um determinado paciente, e assim propormos o tratamento correto. Este é, sem dúvida alguma, o grande desafio para a indústria farmacêutica, desvendar medicamentos específicos para abarcar cada um dos fatores causais dos sintomas, porém, sabe-se de antemão, que isto será praticamente impossível enquanto o conhecimento íntimo de cada processo fisiopatológico não for conhecido. Entretanto, nem tudo são desilusões, porque se sabe, isto sim está bem estabelecido, que apesar do desconforto causado pela flatulência, distensão abdominal, constipação e/ou diarreia que por ventura afeta os pacientes portadores dos transtornos gastrointestinais funcionais, estes sintomas tem caráter absolutamente benigno, e, portanto, não oferecem riscos de efeitos colaterais indesejáveis.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Síndrome do Intestino Irritável: Novos Conhecimentos Sobre a Flatulência e a Distensão Abdominal (1)

A Síndrome do Intestino Irritável (SII) continua a ser um grande desafio para pesquisadores e clínicos, além de trazer um enorme aborrecimento e desconforto para os pacientes que padecem deste transtorno funcional. Está bem estabelecido que a SII pode se apresentar por meio de 3 manifestações clínicas distintas, a saber: diarreia, constipação com distensão e dor abdominal, e uma alternância dos sintomas anteriormente mencionados. Até há alguns anos admitia-se que a SII era um transtorno funcional que afetava apenas a população adulta, porém inúmeras publicações que se iniciaram na década de 1960, a partir dos estudos de Murray Davidson, nos Estados Unidos, sob a designação de Diarreia Crônica Inespecífica, e de Horácio Toccalino, na Argentina, sob a designação de Diarreia Fermentativa, outras experiências em diversos países passaram a confirmar que esta entidade clínica soe iniciar sua sintomatologia na infância, inclusive mesmo nos primeiros meses de vida e acompanha o indivíduo ao longo de toda sua existência. No Brasil, tive a oportunidade de descrever pela primeira vez um grupo de pacientes portadores de SII na década de 1980 (Síndrome do Cólon Irritável na infância: diagnóstico e evolução, Ulysses Fagundes-Neto, Marli Pedra e Valéria Ferreira, Jornal de Pediatria 58: 366-70, 1985). Desde então, este tipo de manifestação clínica passou a ser globalmente reconhecida e admite-se mesmo que 20% das consultas em Gastroenterologia se devem a este transtorno funcional. Paradoxalmente, no entanto, muito pouco se conhece a respeito dos mecanismos íntimos da sua gênese, e, como este transtorno funcional não apresenta alterações estruturais visíveis e nem tampouco anormalidades bioquímicas detectáveis pelas técnicas até o presente momento disponíveis, torna-se um grande quebra-cabeças para explicar sua fisiopatologia e consequentemente uma grande frustração para a intervenção terapêutica. Entretanto, a revista Gastroenterology, no seu número 136 de 2009 (páginas 1487-1490) traz um editorial assinado por Magnus Simrén, extremamente interessante, aonde o autor faz uma série de observações sobre os novos conhecimentos que tentam desvendar a fisiopatologia da SII, e assim trazer uma perspectiva otimista para que em futuro próximo possamos compreender completamente a gênese deste transtorno funcional e, a partir daí, possibilitar a oferecer o merecido alívio dos sintomas aos nossos sofridos pacientes. A seguir transcrevo os principais tópicos deste trabalho.

INTRODUÇÃO


Flatulência e distensão abdominal são sintomas frequentes e extremamente desconfortáveis, para os quais inexistem explicações fisiopatológicas claramente definidas e, consequentemente, as opções terapêuticas disponíveis são bastante limitadas. Flatulência refere-se à sensação subjetiva de inchaço abdominal enquanto que a distensão abdominal visível diz respeito a um real aumento da circunferência abdominal. Um recente estudo populacional demonstrou uma prevalência de 19% de flatulência entre a população de brancos norte-americanos, enquanto que distensão abdominal visível foi observada em 9% deles. Nesta investigação associações com o gênero feminino e somatização foram constatadas assim como a existência de transtornos gastrointestinais funcionais (Gut 2008;57:756-63). Esses achados estão de acordo com investigações realizadas em pacientes com transtornos intestinais funcionais, tais como a SII, na qual a maioria dos pacientes queixa-se de flatulência com ou sem distensão abdominal visível, e a maioria dos pacientes considera estes sintomas como os mais desconfortáveis. Desde longa data, flatulência e distensão abdominal visível tem sido sintomas pouco compreendidos, mas, estudos recentes realizados por grupos de Manchester e Barcelona tem trazido alguma luz à respeito dos diferentes mecanismos envolvidos na gênese destes sintomas. Estes novos conhecimentos foram incorporados por Accarino e cols. (Gastroenterology 2009;136:1544-51), que demostraram um importante papel das respostas viscerossomáticas anormais com incoordenação abdomenofrênica e protrusão da parede anterior do abdome.

FLATULÊNCIA VERSUS DISTENSÃO ABDOMINAL

Por meio da utilização do platismógrafo de indutância abdominal e da tomografia computadorizada foi possível demonstrar convincentemente que a distensão abdominal é um fenômeno verdadeiro entre os pacientes que sofrem da SII a qual pode chegar a alcançar até 12cm em determinados casos. Embora a sensação de flatulência e distensão abdominal visível ocorram geralmente em associação, nem sempre isto acontece e em pacientes que sofrem da SII e que se queixam de flatulência, aproximadamente em metade deles objetivamente ocorre distensão abdominal visível. Neste grupo de pacientes, Constipação tem sido a queixa mais comum e hiposensibilidade visceral tem sido observada mais frequentemente. Nos outros 50% dos pacientes, ou seja, aqueles que se queixam apenas de flatulência sem distensão abdominal visível, neste subgrupo de pacientes, predomina a queixa de diarreia e estes pacientes geralmente demonstram sinal de hipersensibilidade visceral. Além disso, em uma recente pesquisa que utilizou barostato foi possível também demonstrar que uma percepção retal alterada estava associada com um grau importante de flatulência, achado este que dá suporte a esta associação. Baseados nestes resultados tudo indica que flatulência e distensão abdominal visível compartilham alguns aspectos sintomáticos, mas eles podem se originar de processos fisiopatológicos distintos.

EXCESSIVA QUANTIDADE DE GÁS NO TRATO GASTROINTESTINAL?
 

A imensa maioria dos pacientes que sofre de SII e que se queixa de flatulência e distensão abdominal está convencida de que isto se deve à presença “de demasiada quantidade de gás” no interior do trato gastrointestinal. Entretanto, a partir de estudos recentemente realizados com o emprego de técnicas modernas e sofisticadas tem sido claramente demonstrado que uma quantidade excessiva de gás no trato gastrointestinal não é o principal problema na maioria dos pacientes que sofrem de transtorno intestinal funcional, muito embora tenha sido sugerido em alguns estudos a ocorrência de fermentação colônica anormal. Entretanto, um defeito em manejar cargas exógenas de gás no interior do trato gastrointestinal em pacientes que sofrem SII e apresentam flatulência tem sido convincentemente demonstrado em vários estudos, e a retenção destes gases tem reproduzido seus sintomas. De fato, na maioria dos pacientes incluídos nestes estudos foi demonstrada uma retenção gasosa e/ou uma percepção aumentada de cargas exógenas de gás, o que aponta para uma combinação de trânsito prejudicado e sensibilidade aumentada, como sendo as responsáveis por estes sintomas. Desde um ponto de vista mecânico, a atividade reflexa alterada do trato gastrointestinal e a sensibilidade aumentada para determinados alimentos tem sido atribuídas como importantes fatores envolvidos no trânsito gasoso prejudicado nestes pacientes, bem como a percepção dos sintomas. Além disso, por meio da utilização de técnica cintilográfica foi demonstrado que o intestino delgado é o responsável pela propulsão ineficaz dos gases nos pacientes que se queixam de flatulência, o que provavelmente contraria aquilo que a maioria dos pesquisadores esperava, posto que o intestino grosso pareceria ser a escolha mais lógica.

Considerando-se todos esses aspectos conjuntamente chegamos à conclusão de que pacientes que sofrem de SII não precisam necessariamente produzir mais gases para apresentarem sintomas relacionados aos mesmos, mas ao contrário, estes sintomas podem ser devidos a uma disfunção motora, que cria um problema de transporte e aumenta a sensibilidade visceral. Além disso, a ocorrência de acúmulo focal de gases pode liberar respostas viscerossomáticas anormais, as quais resultam em flatulência e distensão abdominal visível.

No nosso próximo encontro continuarei a transcrição deste excelente editorial sobre o intrigante tema que é a SII.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Alergia às Proteínas do Leite de Vaca: a Pouca Utilidade da Realização dos Testes Cutâneos de Hipersensibilidade para sua Confirmação Diagnóstica (2)

Resultados

Dentre as 122 crianças que se submeteram ao teste de provocação oral a existência de alergia alimentar foi confirmada em 50 (40,9%) delas. Os alimentos envolvidos foram os seguintes, a saber: proteína do leite de vaca em 44 (88%) casos, albumina do ovo 3 (6%), trigo em 2 (4%), amendoim em 1 (2%).

As crianças participantes do estudo apresentavam idade que variaram de 1 a 5 anos, e a mediana foi 2 anos de idade. Um percentual menor de crianças com alergia alimentar tinha antecedentes familiares de resultados positivos para atopia em comparação com o grupo que não apresentou alergia alimentar. Os sintomas mais frequentemente encontrados entre as crianças estavam relacionados com o trato gastrointestinal, conforme pode ser observado na Tabela 1.



Considerando-se as crianças que apresentaram reações tardias, 7/22 (31,8%), revelaram PRICK TEST positivo. A reação tardia mais frequente revelada foi diarreia. As sensibilidades dos testes cutâneos e dos ensaios dos IgE específicos demostraram ser baixas, da mesma forma que os valores preditivos positivos e negativos, conforme estão demonstrados na Tabela 2.
Devido à sua elevada frequência, a acurácia diagnóstica dos testes somente foi avaliada para a alergia à proteína ao leite de vaca; 22/44 (50%) pacientes apresentaram sintomas dentro das primeiras 4 horas após o teste de provocação oral, a manifestação mais precoce e também a mais frequente foi urticária. Reações graves foram desencadeadas somente em duas crianças que apresentaram catarro nasal, crise de tosse e dispnéia.

Vale ressaltar que 8/15 (53%) pacientes revelaram reação positiva ao PRICK TEST, e o mesmo aconteceu com 4/15% (26,7%) pacientes para a reação com IgE especifica. Somente 3/10 (30%) pacientes que apresentaram PATCH TEST positivo, revelaram reações tardias ao teste de provocação oral. Os dados mostram que 7/22 (31,8%) crianças que apresentaram reação imediata, revelaram concordância com o PRICK TEST positivo e 4/22 (18,2%) com IgE específica.

Discussão

Dentre as crianças com a suspeita diagnóstica e que se submeteram ao teste de provocação oral, o diagnóstico foi confirmado em 50 casos (40,9%). Este fato evidencia que, mesmo tendo apresentado uma história clínica sugestiva, faz-se necessária uma investigação mais profunda, posto que a alergia alimentar foi confirmada em menos da metade dos casos suspeitados. A maioria dessas crianças era do sexo masculino e a mediana de idade 2 anos. Esta é a faixa etária de maior ocorrência de alergia alimentar e isto de deve à imaturidade do trato gastrointestinal associada a uma exposição precoce às proteínas que não fazem parte do leite humano.

O principal alergeno mostrou-se ser a proteína do leite de vaca, a qual foi responsável em 88% dos casos. A proteína do leite de vaca tem sido descrita como principal causa de alergia alimentar nesta faixa etária por inúmeros investigadores em várias regiões geográficas aonde estudos similares a este tem sido realizados.

No presente estudo a frequência dos sintomas gastrointestinais mostrou-se ser similar entre as crianças com diagnostico confirmado de alergia à proteína ao leite de vaca e entre aquelas cujo resultado do teste de provocação oral foi negativo. Este fato enfatiza a importância de que neste grupo etário seja estabelecido um diagnostico diferencial em relação a outras entidades clinicas tais como, diarreia persistente, síndrome do intestino irritável com manifestação diarreica, regurgitação e doença do refluxo gastroesofágico.

Com relação ao teste de provocação oral, observamos que a maioria das crianças apresentaram sintomas algumas horas depois da exposição ao alimento suspeitado. Este fato sugeriu que o mecanismo fisiopatológico envolvido nestes casos não foi predominantemente determinado pela IgE. Em uma revisão focalizando alergia alimentar e sintomas gastrointestinais, Dupont (2001) enfatizou que os mecanismos não mediados por IgE são os mais frequentementes encontrados. Desta forma, há a necessidade de uma monitoração clínica destas crianças que deve durar dias ou mesmo semanas após a reintrodução dos alimentos, para que se possa diagnosticar reações tardias.

A maioria dos testes diagnósticos utilizados nas investigações das alergias alimentares (testes cutâneos e ensaios de IgE específicos), identifica reações IgE mediadas. Estes testes resultam menos frequentementes positivos entre as crianças com sintomas predominantemente gastrointestinais, porém são mais fáceis de diagnosticar posto que elas ocorrem em um período não superior a 4 horas após a exposição à proteína desencadeadora da alergia. Isto explica as baixas sensibilidades dos testes cutâneos e dos ensaios IgE específicos que foram observados neste estudo posto que as crianças apresentaram sintomas gastrointestinais, para os quais o mecanismo fisiopatológico envolvido mostrou-se ser predominantemente não mediado por IgE. O valor preditivo positivo também foi baixo e refletiu o fato de que o rastreamento baseado na história clínica, mesmo quando esta é realizada com profundo detalhe, não foi capaz de excluir as crianças com outras enfermidades que compartilham os mesmos sintomas, como foi acima enfatizado.

Faz-se necessário evitar as situações as quais estes testes continuam a ser requisitados para crianças com manifestações clínicas similares a este estudo. Estas crianças, quando baseadas em diagnósticos incorretos, são submetidas a dietas restritivas as quais resultam em efeitos deletérios sobre seu estado nutricional e ao ritmo de crescimento.

Em conclusão, a despeito das dificuldades operacionais e dos riscos aos quais as crianças estão expostas, em virtude da ausência de testes específicos de alta acurácia, o teste de provocação oral utilizando o alimento suspeito é ainda considerado como o melhor método diagnóstico de alergia à proteína do leite de vaca entre as crianças de baixa idade com sintomas predominantemente gastrointestinais. Estas crianças devem ser acompanhadas por um período de pelo menos 30 dias após a realização do teste, com visitas de retorno periodicamente agendadas para avaliação clínica e observação de possíveis reações tardias.

Meus Comentários
 
Alergia alimentar é uma reação adversa aos alimentos mediada por mecanismos imunológicos, IgE mediados ou não. Colite Alérgica, a manifestação clínica gastrointestinal que tem sido mais frequentemente descrita, é um tipo de alergia que pertence ao grupo de hipersensibilidade alimentar não mediada por IgE também denominada protocolite induzida por alimentos. O mecanismo fisiopatológico ainda não totalmente identificado, porém, sabe-se que envolve a presença de linfócitos CD8, bem como linfócitos do tipo TH-2 e infiltrado eosinofílico em todas as camadas da mucosa colônica. Além disso, a presença de células de memória circulantes reveladas por testes positivos de transformação linfocítica sugerem o envolvimento de células T na patogênese desta entidade, associada à secreção de fator de necrose tumoral α pelos linfócitos ativados. A manifestação clínica mais florida e frequente é a ocorrência de cólicas, de intensidade variável, associada a sangramento retal misturado às fezes, sob a forma de diarréia sanguinolenta, e eliminação de quantidade significativa de muco. Por outro lado, em algumas ocasiões o sangramento retal pode não ser macroscopicamente visível. Usualmente, as lesões são circunscritas ao colon distal e a colonoscopia revela mucosa hiperemiada com a presença de múltiplas pequenas ulcerações com grande fragilidade vascular e sangramento espontâneo à passagem do colonoscópio. A análise histológica evidencia, na imensa maioria dos casos, uma infiltração eosinofílica, com mais de 20 esosinófilos por campo de grande aumento, a qual pode afetar todas as camadas da mucosa colônica, inclusive, o epitélio superficial, podendo também haver a presença de abscessos crípticos e hiperplasia nodular linfóide. Trata-se de uma enfermidade eminentemente do primeiro ano de vida, mais frequentemente afetando lactentes no primeiro semestre, sem provocar maiores repercussões sobre o estado nutricional. As manifestações clínicas regridem, na grande maioria dos casos, com a introdução de fórmula à base de hidrolisado protéico, extensivamente hidrolisado, após até cerca de 72 horas de sua introdução. Vale a pena enfatizar que o diagnóstico desta enfermidade não pode ser confirmado ou afastado por testes de hipersensibilidade imediata (IgE dependentes) ou pelos testes cutâneos.

Conforme se pode depreender da leitura deste excelente artigo, e de inúmeras outras investigações disponíveis na literatura médica, realizadas nos mais variados centros de pesquisa do globo terrestre, fica bem demonstrado que não resulta ser útil solicitar os testes de avaliação de hipersensibilidade imediata quando estamos diante da suspeita diagnóstica de alergia alimentar nos primeiros anos de vida. O teste de provocação oral continua, portanto, a ser até o presente momento a melhor escolha para se confirmar ou descartar o diagnóstico de alergia alimentara uma determinada proteína da dieta.