Arquivos de
Gastroenterologia 2013; 50: 226-30
Prevalência de Má Absorção à Frutose utilizando o teste do Hidrogênio no
ar expirado
Adriana Chebar Lozinsky*, Cristiane
Boé*, Ricardo Palmero**, Ulysses Fagundes-Neto***
Resultados
A idade dos 43 pacientes
investigados variou de 3 meses a 16 anos, a mediana foi de 2,6 anos, sendo que
24 deles eram do sexo masculino. Neste grupo de pacientes foram estabelecidos
os seguintes diagnósticos: SII 16, BE 10, DAF 8, Alergia à proteína do leite de
vaca 4 , Intolerância à lactose 3, DC 1 e Giardíase 1.
Má absorção à frutose foi
caracterizada em 13 (30,2%) pacientes, sendo que 1 (2,3%) paciente, além de má
absorção, também apresentou sintomas de intolerância à frutose dentro das 8
horas após a realização do teste. A Figura 1 exemplifica um teste
característico de má absorção à frutose evidenciando pico de elevação do
Hidrogênio no ar expirado acima de 20 ppm sobre o valor de jejum e, para
comparação dos traçados gráficos, está também representado um teste normal.
No gráfico 1 estão
relacionados os 13 pacientes que apresentaram má absorção à frutose com seus
respectivos diagnósticos, a saber: SII 7, DAF 4, BE 1 e DC 1 paciente.
A análise dos testes com sobrecarga oral
utilizando os demais carboidratos (lactose, glicose e lactulose) apresentou os
seguintes resultados: em 3 pacientes ocorreu má absorção isolada à lactose e em
1 paciente foi detectado sobrecrescimento bacteriano. Todos os testes com
sobrecarga de glicose resultaram normais.
Nos 4 pacientes (3 com intolerância à
lactose e 1 com sobrecrescimento bacteriano) que apresentaram alguma alteração
nos testes com outros carboidratos o teste com sobrecarga de frutose foi
considerado normal e também não ocorreram sintomas de intolerância.
Discussão
Historicamente sucos de frutas têm sido recomendados
pelos Pediatras como uma fonte de vitamina C e uma fonte extra de água para
lactentes e pré-escolares, à medida que em suas dietas são incluídos novos
alimentos sólidos com sobrecargas renais de solutos mais altas. Em 1997 os consumidores norte-americanos
gastaram cerca de US$ 5 bilhões em sucos de frutas. O consumo médio de suco de
frutas nos EUA alcançou o valor de 40 bilhões de litros/ano ou 200 litros/ano
por pessoa. As crianças constituíram-se no maior grupo de consumidores, e
aquelas menores de 12 anos de idade ingeriram 28% do volume total consumido
(10). Embora estes dados não estejam disponíveis no Brasil, pode-se presumir
que por similaridade dos hábitos culturais atualmente praticados no mundo
ocidental, neste aspecto nutricional, estes valores devem ser bastante
próximos. Em passado recente o principal suco utilizado era o de laranja,
porém, com a imensa diversificação da indústria alimentícia, suco de outras
frutas, tais como uva, maçã e pêra passaram a fazer parte da dieta habitual das
crianças brasileiras. A água é o componente predominante nos sucos de frutas,
porém, os carboidratos, incluindo sacarose, frutose, glicose e sorbitol
constituem-se nos seus principais nutrientes. A concentração de carboidratos
nos sucos de frutas varia desde 11g% (0,44 kcal/ml) até cerca de 16g% (0,64
kcal/ml) (5). A sacarose é um dissacarídeo que é hidrolisada em seus
componentes monossacarídeos, glicose e frutose, pela ação da sacarase, presente
nas microvilosidades dos enterócitos. A glicose é rapidamente absorvida por um
processo de transporte ativo, enquanto que a frutose é absorvida por um
mecanismo de transporte facilitado que não ocorre contra um gradiente de
concentração. Além disso, a frutose pode ser absorvida de forma mais eficiente
quando a glicose se encontra presente em concentrações equimolares. No entanto,
investigações clínicas têm demonstrado que quando a concentração de frutose
excede a de glicose pode ocorrer má absorção da frutose (11 -12). É fato
reconhecido que a capacidade absortiva da frutose no intestino delgado é
limitada, e que, por outro lado, a adição de glicose facilita a absorção da
frutose pelo mecanismo da draga do solvente e por difusão passiva (13).
Portanto, alimentos que contém concentrações equimolares de frutose e glicose
podem proporcionar melhor absorção deste monossacarídeo do que alimentos em que
a concentração da frutose excede a de glicose. Sucos de maçã, pêra e uva
apresentam uma concentração de frutose que excede em mais do que o dobro a da
glicose, enquanto que no suco de laranja as concentrações de glicose e frutose
se equivalem (4).
Má absorção à frutose tem sido relatada com crescente
frequencia como uma causa a mais para ser agregada nos pacientes que apresentam
sintomas gastrointestinais. Estudos prévios que demonstram uma relação causal
entre má absorção à frutose e sintomas gastrointestinais foram inicialmente
descritos em pacientes adultos. Choi e cols. (14) estudaram 183 pacientes
utilizando o teste do hidrogênio no ar expirado com a oferta de 50 gramas de frutose em
uma solução aquosa a 33%, e observaram um resultado positivo em 73% deste
grupo. Estes pacientes também relataram uma série de sintomas, tais como, dor
abdominal, flatulência, flatus e diarréia. Pacientes adultos com SII e má
absorção à frutose apresentaram um agravo adicional dos sintomas em comparação
com aqueles que apresentaram absorção normal à frutose (15). Estudos recentes
com população de adultos demonstraram que um número significativo de pacientes
com má absorção à frutose relatou alívio da dor abdominal, flatus, flatulência
e diarréia quando foi introduzida uma dieta restrita de frutose (16 -17).
Está bem estabelecido que o teste do hidrogênio no ar
expirado apresenta elevada confiabilidade no que diz respeito à sensibilidade e
especificidade (18). No passado
acreditava-se que o pulmão fosse um órgão apenas responsável pela respiração,
e, portanto, tinha-se o conceito de que somente o oxigênio e o dióxido de
carbono pudessem ser dosados no ar expirado. Atualmente, sabe-se que o ar
expirado dos pulmões contém mais de 2000 substâncias distintas, e que, além da
respiração, os pulmões apresentam uma função adicional, qual seja a excreção de
substâncias voláteis, e o hidrogênio é uma delas. É sabido que o ser humano
sadio em jejum e em repouso não elimina hidrogênio porque o seu metabolismo não
produz este gás, o qual somente é gerado quase que exclusivamente pelo
metabolismo anaeróbio exercido pelas bactérias da flora colônica normal. As
bactérias anaeróbias têm preferência para metabolizar os carboidratos, os quais
são fermentados dando formação a ácidos graxos de cadeia pequena, CO2 e H2. O
H2 é produzido no intestino atravessa a parede intestinal cai na circulação
sistêmica, é transportado até os pulmões e, finalmente, é eliminado pela
respiração como parte do ar expirado. A concentração de H2 pode ser mensurada
em partes por milhão no ar expirado por técnica não invasiva com alto índice de
precisão (19).
A proporção de má absorção de frutose utilizando-se o
teste do hidrogênio no ar expirado é dependente da dose oferecida e este efeito
tem sido mais profundamente estudado em adultos do que em crianças. Em adultos
sadios 58% a 87% resultaram em teste positivo para má absorção de frutose
quando foram oferecidos 50g do carboidrato, 10% a 25% resultaram em teste
positivo com dose de 25g, e 0% a 10% com dose de 15g (20). Em crianças sadias o
efeito da dose sobre a má absorção da frutose foi demonstrado entre 0,1 e 6
anos de idade; o teste resultou positivo em 100% das crianças quando a dose foi
de 2 g/kg/peso, o qual foi reduzido para 40% com a dose de 1 g/kg/peso (21). No
presente estudo utilizamos a dose padronizada de 1 g/kg até o máximo de 12 gramas, a qual pode
ser considerada relativamente baixa em comparação com o volume potencialmente
ingerido na dieta diária, posto que um copo de maçã (200ml) contém
aproximadamente 15,5
gramas de frutose (6,8 gramas de glicose e 3 gramas de sacarose) (22).
Por esta razão é possível que embora tenhamos detectado má absorção à frutose
em 13 dos 43 pacientes, apenas 1 deles apresentou notória intolerância com
distensão abdominal e diarréia.
Recentemente, Jones e cols. (23) descreveram a
ocorrência de má absorção à frutose em crianças que apresentavam sintomas
gastrointestinais, principalmente diarréia e dor abdominal. Jones e cols.
enfatizam que o baixo limiar para a absorção da frutose apresenta
significativas implicações para o consumo dietético da frutose nas crianças que
manifestam queixas gastrointestinais. Os resultados do presente estudo
coincidem com os de Jones e cols. posto que a maioria dos 13 pacientes que
apresentaram má absorção à frutose, 7 eram portadores de SII com diarréia e 4
com DAF. Vale ressaltar que Gomara e cols. também puderam caracterizar má
absorção à frutose em um grupo de pacientes com queixa de dor abdominal
recorrente sem causa determinada, os quais evidenciaram alívio da dor abdominal
com a utilização de uma dieta de restrição de frutose. Gomara e cols. (24) demonstraram
que 11 de 33 pacientes com diagnóstico prévio de DAF apresentaram teste
positivo para má absorção à frutose, e, além disso, conseguiram reproduzir os
sintomas gastrointestinais de má absorção à frutose em 9 dos 11 pacientes. A
restrição da frutose na dieta destes pacientes resultou em evidente alívio dos
sintomas durante os 2 meses subsequentes de seguimento dos mesmos. Gomara e
cols. enfatizam que a má absorção à frutose pode ser um significativo problema
para este grupo de crianças e que o manuseio dietético apropriado torna-se
eficaz no alívio dos sintomas gastrointestinais.
Gijsbers
e cols. (25) investigaram um grupo de crianças portadoras de
DAF utilizando o teste do hidrogênio no ar expirado após sobrecargas com
lactose (210 pacientes) e frutose (121 pacientes), e demonstraram a prevalência
de má absorção de lactose em 27% e de frutose em 65% dos pacientes,
respectivamente. A DAF desapareceu em 24/38 pacientes após a eliminação da
lactose da dieta e em 32/49 após a eliminação da frutose da dieta. Um teste de
provocação oral aberto foi positivo em 7/23 pacientes com lactose e em 13/31
pacientes com frutose. Vale ressaltar que esta elevada prevalência de má
absorção à frutose neste grupo de pacientes pode ser devida a uma excessiva
dose de frutose utilizada no teste de sobrecarga, posto que a concentração da
solução oferecida aos pacientes foi de 16,7% à dose de 2 gramas/kg de peso,
portanto, acima do padrão internacionalmente estabelecido e também daquele utilizado
no nosso estudo, a qual foi de 1 grama/kg de peso. Está bem estabelecido que
não há uma relação fixa entre má absorção e intolerância a um determinado
carboidrato, posto que inúmeras variáveis podem atuar simultaneamente, tais
como a dose utilizada, a capacidade individual de digestão/absorção, a relação
concentração glicose/frutose e a capacidade de compensação colônica (25).
No caso do paciente portador de DC a má absorção à
frutose provavelmente ocorreu em virtude da atrofia vilositária da mucosa do
intestino delgado característica desta enfermidade (9).
Em
conclusão, no presente estudo foi possível caracterizar má absorção à frutose em
30,2% dos pacientes portadores de variados transtornos digestivos e/ou
nutricionais, sendo que 1 deles apresentou intolerância à frutose (2,3%). A SII
mostrou-se como a principal causa da elevada prevalência de má absorção à
frutose, seguida da DAF; porém, na quase totalidade dos pacientes não houve a
correspondente intolerância, e isto provavelmente foi devido a um mecanismo de
compensação colônica.
Referências Bibliográficas:
10-
Agriculture Research Service. Food and Nutrient Intakes by Individuals in the United States
by Sex and Age, 1994-96. Washington DC. US
Department of Agriculture; 1998. NFS Report n 96-2.
11-
Smith MM, Davis M, Chasalow FI, Lifshitz F. Carbohydrate absorption from fruit
juice in young children. Pediatrics 1995; 95: 340-44.
12-
Nobigot T, Chasalow FI, Lifshitz F. Carbohydrate absorption from one serving of
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13-
Riby JE, Fujisaswa T, Kretchmer N. Fructose absorption. Am J Clin Nutr 1993; 58: S748-53.
14- Choi YK, Johlin FC, Summers RW et al. Fructose
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J Gastroenterol 2003; 98: 1348-53.
15- Rumissen JJ, Gudmannd-Hoyer E. Functional
bowel disease; malabsorption and abdminal distress after ingestion of fructose,
sorbitol and fructose-sorbitol mixtures. Gastroenterology 1988; 95: 694-700.
16- Johlin FC, Panther M, Kraft N. Dietary fructose
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control. Nutr
Clin Care 2004; 7: 92-7
17-
Ledochowsky M, Widner B, Bair H et al. Fructose
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fructose malabsorbers. Scand J Gastroentrol 2000; 35: 1048-52.
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