Manifestações Clínicas e Métodos
Diagnósticos
Os
principais sintomas de intolerância à LACTOSE
são distensão abdominal, flatulência, cólicas intestinais e diarreia, os quais
são parcialmente dependentes da capacidade funcional da atividade da LACTASE,
mas sim, e acima de tudo, estão diretamente relacionados com a quantidade da LACTOSE ingerida. Ou seja, como se
trata de uma reação enzima-substrato, se houver excesso de substrato (LACTOSE) para ser digerido pela enzima
(LACTASE) na unidade de tempo e na área de superfície de digestão da mucosa
intestinal, os sintomas de intolerância à LACTOSE
deverão surgir algumas horas após a ingestão do leite. Vale ressaltar que a
intensidade dos sintomas irá depender estritamente de uma relação diretamente
proporcional entre a concentração de LACTOSE
no alimento/e a atividade da LACTASE na mucosa intestinal. Dentre todos os sintomas
acima referidos, indiscutivelmente, a diarreia é o que apresenta maior risco
para o paciente, em especial durante o período de lactente, posto que o leite
representa praticamente a única ou pelo menos a maior fonte alimentar da dieta nesta
fase da vida. Nestas circunstâncias, caso o diagnóstico não seja estabelecido
prontamente, a diarreia pode se tornar crônica acarretando agravo nutricional
que pode ser de grave intensidade até mesmo com instalação de acidose
metabólica, que pode ser confundida com um processo infeccioso sistêmico. Quanto
mais tenra for a idade do lactente maiores serão os riscos das complicações
nutricionais mais graves (Figuras 1 & 2).
Figura
1- Paciente com diarreia persistente e desnutrição grave com intolerância à LACTOSE.
Figura
2- Paciente em recuperação clínica e nutricional, já tolerante à LACTOSE.
É
importante assinalar que como se trata de diarreia osmótica, esta obedece ao
princípio da relação causa-efeito. A LACTOSE
não digerida permanece presente na luz do intestino e aí provoca secreção de
água e eletrólitos no sentido organismo-lúmen intestinal, cujo volume de fluido
acumulado supera a capacidade de reabsorção de água pelo intestino grosso,
sendo eliminado sob a forma de fezes líquidas; ao se suspender a LACTOSE da dieta a diarreia rapidamente
cessará. Assim sendo, uma vez cessada a causa o efeito desaparecerá.
Em
pré-escolares e escolares, dor abdominal crônica costuma ser um sintoma
predominante de intolerância à LACTOSE,
e até mesmo pequena quantidade do carboidrato, tal como 12 gramas , a qual
corresponde à concentração equivalente a um copo de leite (250 ml), pode ser a
causa deflagradora do sintoma. Além disso, a LACTOSE não absorvida resulta em um importante substrato para a
flora bacteriana do intestino grosso. As bactérias aí prevalentes metabolizam a
LACTOSE produzindo ácidos graxos
voláteis e gases (metano, dióxido de carbono e hidrogênio), os quais causam
flatulência (Figura 3).
Figura
3- Produtos de metabolização da LACTOSE
pela flora colônica.
Os
ácidos graxos provocam diminuição do pH fecal, tornando-o ácido (menor que
6,0), o que pode ser na prática utilizada como uma medida indireta da má
absorção da LACTOSE.
Critérios
diagnósticos para intolerância à Lactose
A obtenção de uma história clínica bastante detalhada, geralmente, permite levantar fortes suspeitas da existência de intolerância à LACTOSE, a qual pode ser confirmada, na maioria das vezes, com a eliminação de todas as fontes alimentares da dieta contendo o substrato. No entanto, quando se deseja obter uma confirmação diagnóstica mais acurada, de uma suposta intolerância à LACTOSE, é necessária a realização de uma investigação laboratorial adequada.
A hipolactasia pode ser diagnosticada por métodos
diretos, como a dosagem da atividade da LACTASE em fragmento da mucosa jejunal obtido por biópsia, que consiste num diagnóstico definitivo, porém
invasivo. Pode-se também caracterizar a hipolactasia por métodos indiretos, tais como a avaliação de sinais e sintomas
clínicos após a ingestão de LACTOSE, testes de análises fecais (determinação do
pH fecal e pesquisa de substâncias redutoras nas fezes) e teste de tolerância à LACTOSE, nos quais se destacam o teste sanguíneo e o teste do hidrogênio no ar
expirado.
O teste do hidrogênio no ar expirado é uma técnica
que vem sendo utilizada cada vez mais frequentemente na prática clínica e em
pesquisas. Trata-se de um método laboratorial não invasivo confiável e preciso
para a avaliação da absorção de carboidratos e caracterização de
sobrecrescimento bacteriano no intestino delgado. Para que se obtenha um
resultado fidedigno é necessário que o paciente esteja em jejum por pelo menos
seis horas e, extremamente importante, que o mesmo tenha feito adequada higiene
bucal para não falsear o resultado.
O teste é realizado pela administração de uma
quantidade normatizada de LACTOSE (2 gramas/ kg de peso, até no máximo 25 gramas , equivalente à
quantidade de LACTOSE presente em 2 copos de leite) diluída em solução aquosa a
10%. As amostras de ar expirado devem ser coletadas em jejum, antes da ingestão
da LACTOSE, e a cada 30 minutos durante um período de 3 horas após a ingestão
da mesma. Uma elevação da concentração de hidrogênio no ar expirado acima de 20
partes por milhão (PPM) comparada ao valor de jejum, em qualquer tempo durante
as coletas obtidas das amostras de ar, caracteriza má absorção à LACTOSE.
Alguns fatores podem produzir resultados falso-negativos ou falso-positivos, e,
dentre estes últimos se destacam a coexistência de sobrecrescimento bacteriano
no intestino delgado (neste caso, o pico de hidrogênio no ar expirado ocorre
precocemente, dentro da primeira hora do teste) e as alterações da motilidade
intestinal. Dentre os falso-negativos incluem-se o uso prévio de antibióticos
(afeta a flora colônica) e a falta de produção de hidrogênio pela flora
bacteriana, o que pode ocorrer em até 15% da população. Caso, concomitantemente
à caracterização de má absorção de LACTOSE ou não, o paciente venha apresentar
sintomas clínicos compatíveis com a intolerância à LACTOSE, este diagnóstico
deve ser levado em consideração.
Tratamento
da intolerância à LACTOSE
O tratamento da intolerância à LACTOSE baseia-se
única e exclusivamente na eliminação da Lactose da dieta do paciente. No caso
dos lactentes deve-se utilizar uma fórmula isenta de LACTOSE e naqueles
indivíduos que fazem uso de dieta sólida eliminar da alimentação produtos
lácteos, substituindo-os por outros produtos à base de leite, porém com
baixíssimas concentrações de LACTOSE, tais como queijos e iogurtes, os quais
são ricos em cálcio, apresentam a LACTOSE parcialmente hidrolisada e ainda
podem conter Lactobacillus, que
auxiliam na fermentação e metabolização da LACTOSE.
A indústria alimentícia colocou no mercado leites
que apresentam LACTOSE hidrolisada em até 80%, sendo indicados para pacientes
com intolerância ao substrato, pois torna a ingestão tolerável. A substituição
do leite por produtos à base de soja também é de valia, podendo ser utilizados
como fonte de carboidratos, desde que o paciente se adapte ao sabor. Nos
pacientes hipolactásicos, a tolerância aos iogurtes deve-se a uma pequena
atividade da galactosidase presente nos mesmos, que fragmenta, no duodeno, a LACTOSE contida no iogurte.
Nas dietoterapias para tais pacientes, têm-se como
alternativas, além dos queijos maturados e/ou processados e iogurtes já
citados, os pães e produtos fabricados com o soro do leite, os quais podem ser
consumidos por pacientes com falta total da LACTASE.
A Academia Americana de Pediatria (AAP),
considerando o alto valor nutricional do leite para crianças em crescimento,
afirma que a maioria das crianças americanas menores de 10 anos,
independentemente do histórico familiar, pode digerir quantidades razoáveis de
leite, e, portanto, recomenda que cerca de 240 mL de leite devem ser oferecidos
diariamente, posto que a intolerância a 240 mL de leite é rara, mesmo entre os
adolescentes.
Buarraj e cols., ressaltam que na terapia
nutricional da intolerância à LACTOSE são recomendadas dietas hipogordurosas e
pobres em resíduos devido a casos de esteatorréia, ressecção e obstruções
intestinais. Por se tratar da maior fonte de cálcio é preocupante a retirada
total do leite e derivados da dieta, pois as propriedades do cálcio estão
presentes, principalmente, no crescimento e desenvolvimento na infância e
adolescência e, por isso, em casos de consumos inferiores ao recomendado,
faz-se necessária a suplementação medicamentosa.
Considerações
finais
O papel do leite na alimentação humana está bem
estabelecido e tem impacto determinante na sobrevivência da espécie,
particularmente durante o período de lactente. Contudo, a prevalência de má
absorção e/ou intolerância à LACTOSE é bastante elevada e pode alcançar até 75%
da população mundial. Indivíduos que apresentam a deficiência de LACTASE
ontogeneticamente determinada, a qual costuma se instalar gradualmente ao longo
da existência, a partir do 5º ano de vida, mesmo assim tem a possibilidade de
ingerir certa quantidade de leite, o que irá depender da sua própria capacidade
de tolerância.
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