Um problema de saúde pública universal (5)
O papel desempenhado pela Genética na Doença Celíaca
O papel desempenhado pela Genética na Doença Celíaca
A suscetibilidade para a
ocorrência da DC está, em parte, determinada por uma associação com um Antígeno
de Histocompatibilidade (HLA – human leukocytes antigen) dominante comum:
especificamente, com o mais importante complexo de antígenos classe II de
histocompatibilidade, DQ2 e DQ8. Esses genes são codificados para
glicoproteinas que se ligam a peptídeos e formam um complexo antigênico HLA que
pode ser reconhecido pelas células T receptoras CD4+ na mucosa intestinal. O
gene DQ2 está presente em cerca de 90% dos pacientes e quando esses alelos são
homozigotos respondem pela instalação precoce da forma clássica da DC. Vale
ressaltar que embora o gene DQ2 represente a base da suscetibilidade genética
da DC, eles estão presentes em cerca de 30% de toda a população. O gene DQ8
está presente na maioria dos restantes 10% dos pacientes. Portanto, como as
moléculas de DQ2 e DQ8 respondem pela quase totalidade dos pacientes com DC, a
ausência das mesmas, nos testes genéticos, praticamente exclui a possibilidade
da existência da DC em um determinado indivíduo. Vale ressaltar, porém, que
embora DQ2 esteja presente em 30% da população geral e que tanto DQ2 como DQ8
estejam presentes em 40% da população geral, a auto-imunidade para DC irá
surgir em apenas cerca de 3% da população geral que possui DQ2. Desta forma as
sondas genéticas para DQ2 e DQ8 apresentam alta sensibilidade (baixas taxas de
falso negativo), mas baixa especificidade (altas taxas de falso positivo),
indicando, portanto, baixo valor preditivo positivo, mas um alto valor
preditivo negativo para a DC.
Diagnóstico
O diagnóstico da DC
usualmente é suspeitado em um primeiro momento pela presença dos
auto-anticorpos, porém, deve sempre ser confirmado pela realização da biópsia
de intestino delgado. Há uma série de artigos disponíveis na literatura médica
demonstrando que o diagnóstico baseado em critérios clínicos levando-se em
consideração apenas as manifestações gastrointestinais mostraram-se incorretos
em mais de 50% dos casos. Exames radiológicos ou mesmo outros testes
laboratoriais também são incapazes de definir corretamente a existência ou não
da atrofia vilositária. Entretanto, a visão macroscópica obtida quando da realização da endoscopia digestiva poderá em certos casos antecipar a existência de atrofia vilositária sub-total (Figuras 1 & 2).
Figura 1- Visão macroscópica da mucosa duodenal evidenciando nitidamente as vilosidades integras.
Figura 2- Visão macroscópica da mucosa duodenal evidenciando atrofia vilositária com aspecto cerebriforme.
Atualmente, é consenso
internacional que crianças maiores de 2 anos de idade (em crianças menores as
mesmas alterações histológicas também podem ser observadas em lactentes
portadores de enteropatia por alergia à proteína do leite de vaca), que
apresentam manifestações clínicas sugestivas da DC associadas a lesões
morfológicas características do intestino delgado, e que evoluem para a
recuperação clínica e nutricional quando submetidas à dieta isenta de glúten, o
diagnóstico da DC pode ser considerado definitivamente correto, sem que haja
necessidade da realização de novas biópsias do intestino delgado. Além disso,
caso tenham sido demonstrados auto-anticorpos antes do diagnóstico e o
conseqüente desaparecimento dos mesmos, após a introdução da dieta isenta de
glúten, estes eventos reforçam ainda mais o acerto diagnóstico da DC.
As características lesões
morfológicas da mucosa do intestino delgado descritas na DC incluem um número
aumentado de linfócitos intra-epiteliais (>30 linfócitos por 100
enterócitos), índice mitótico dos linfócitos intra-epiteliais superior a 0,2%,
diminuição na altura das células epiteliais, com transformação cuboidal,
hiperplasia das criptas, atrofia vilositária parcial ou total, com nítida
diminuição da relação vilosidade:cripta (Figuras 3 & 4).
Figura 3- Aspecto
histopatológico característico da Doença Celíaca. Atrofia vilositária total,
transformação cuboidal do epitélio, com hiperplasia das criptas e infiltrado
intra-epitelial de linfócitos.
Figura 4- Aspecto da
histologia normal da mucosa do intestino delgado, apresentando vilosidades
digitformes, células epiteliais cilíndricas com núcleo em posição basal e
glândulas crípticas preservando a relação vilosidade/cripta 4ou5:1.
Presentemente, os
critérios diagnósticos de graduação das alterações morfológicas da mucosa
intestinal aceitos internacionalmente para o diagnóstico da DC são os propostos
por Marsh, em 1992 (Figuras 5 & 6) (Gastroenterology 102: 330-54).
Figura 5- Representação
esquemática dos critérios de Marsh para o diagnóstico da Doença Celíaca.
Figura 6- Graduação
histológica das lesões do intestino delgado na Doença Celíaca.
Marsh classificou as
alterações histológicas para o diagnóstico da DC nos seguintes graus, a saber:
Grau 0, estágio pré-infiltrativo (normal), Grau 1, lesão infiltrativa (aumento
do número de linfócitos intra-epiteliais), Grau 2, lesão hiperplásica (Grau 1 +
hiperplasia das criptas), Grau 3, lesão destrutiva (Grau 2 + atrofia
vilositária parcial), Grau 4, lesão hipoplásica (atrofia vilositária total com
hipoplasia críptica). A lesão Grau 3 foi modificada para ser subdividida em
Grau 3a (atrofia vilositária parcial), Grau 3b (atrofia vilositária subtotal) e
Grau 3c (atrofia vilositária total).
A existência de lesão
Marsh Grau 3 com atrofia vilositária, ou mais intensa, é aceita como claro
aspecto diagnóstico da DC. A ocorrência de lesão Marsh Grau 2 associada à
positividade de marcadores sorológicos é altamente sugestiva da DC. A
existência da lesão histológica Marsh Grau 1 é considerada inespecífica, porém,
se essa lesão vier acompanhada de positividade dos marcadores sorológicos
deve-se considerar fortemente o diagnóstico de DC. Nesta situação deve-se
realizar a tipagem HLA e se necessário repetir a biópsia do intestino delgado,
ou então, indicar o emprego da dieta isenta de glúten e após 6 meses repetir os
testes sorológicos e a biópsia do intestino delgado.
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