Um problema de saúde pública universal (4)
Os Marcadores Sorológicos: os testes laboratoriais que permitiram desvendar a parte não visível do “iceberg” da Doença Celíaca
Os Marcadores Sorológicos: os testes laboratoriais que permitiram desvendar a parte não visível do “iceberg” da Doença Celíaca
Embora a biópsia do
intestino delgado ainda seja considerada absolutamente necessária para a
confirmação diagnóstica da DC, a introdução dos testes sorológicos, a partir da
década de 1980, trouxe uma enorme contribuição para identificar quais
indivíduos devem ser submetidos a este procedimento diagnóstico. Além disso,
esses testes passaram também a ser utilizados para rastreamentos populacionais
o que possibilitou desvendar o que se convencionou designar como a porção
submersa do “iceberg” da DC, a partir da investigação pioneira conduzida por
Catassi e cols., em 1996. Estes pesquisadores realizaram um estudo
multicêntrico na Itália utilizando inicialmente os marcadores sorológicos em
uma população de estudantes. Naqueles indivíduos que apresentavam positividade
para os marcadores sorológicos realizou-se a biópsia do intestino delgado, o
que possibilitou caracterizar que a prevalência da DC é de 1 para cada 184
indivíduos. A partir deste estudo inúmeras outras investigações epidemiológicas
populacionais passaram a ser realizadas nos mais diversos países, inclusive no
Brasil, as quais demonstraram cabalmente que a DC está longe de ser uma
enfermidade rara, e sim, muito ao contrário, trata-se de um problema de saúde
pública universal (Tabela 1).
Tabela 1- Prevalência da
DC em diversos países, inclusive no Brasil.
Os testes laboratoriais
comercialmente disponíveis incluem os anticorpos anti-gliadina IgA e IgG (AGA
IgA e AGA IgG), anti-reticulina IgA (ARA), anti-endomíseo IgA (EMA) e
anti-transglutaminase tecidual IgA e IgG (ATTG).
A sensibilidade e a
especificidade destes testes sorológicos estão discriminadas na Tabela 2.
Tabela 2- Sensibilidade e
Especificidade dos principais marcadores sorológicos para DC.
Dentre os vários
marcadores sorológicos disponíveis atualmente, os mais utilizados são o EMA e o
ATTG, porque apresentam as mais altas taxas de sensibilidade e especificidade.
Estudos populacionais com
doadores de sangue têm-se constituído em uma casuística muito freqüentemente
utilizada pelos pesquisadores em virtude da facilidade de se utilizar o sangue
estocado. Ricardo Palmero Oliveira, pesquisador da Disciplina de
Gastropediatria da Escola Paulista de Medicina da UNIFESP e colaboradores
(European Journal of Gastroenterology and Hepatology 19: 43-9, 2007),
realizaram um estudo com 3.000 candidatos a doadores de sangue para determinar
a prevalência da DC em São
Paulo com o emprego do ATTG e confirmação diagnóstica pela
biópsia do intestino delgado. O teste sorológico resultou negativo em 95,4%
(2861/3000), mostrou-se fracamente positivo em 3,1% (94/3000) e positivo em
1,5% (45/3000) dos indivíduos. Dentre os 94 candidatos a doadores de sangue que
apresentaram dosagem do ATTG fracamente positivo 91 eram assintomáticos, 1
apresentava queixa de constipação e dor abdominal e 2 queixavam-se de dor
abdominal. Dentre os 45 candidatos a doadores de sangue que apresentaram
dosagem do ATTG positivo 46,7% (21/45) concordaram em realizar a biópsia do
intestino delgado. Na Tabela 3 estão discriminados os aspectos clínicos e
laboratoriais relevantes dos indivíduos que realizaram a biópsia do intestino
delgado.
Tabela 3- Aspectos
clínicos e laboratoriais relevantes dos indivíduos que realizaram a biópsia do
intestino delgado.
Na Tabela 4 estão
discriminados os aspectos clínicos e laboratoriais relevantes dos indivíduos
que não realizaram a biópsia do intestino delgado.
Tabela 4- Aspectos
clínicos e laboratoriais relevantes dos indivíduos que não realizaram a biópsia
do intestino delgado.
Na Tabela 5 estão
discriminadas as manifestações clínicas que podem estar associadas à DC,
mostrando que indivíduos da população geral que apresentam sintomas compatíveis
com DC têm maior probabilidade de serem portadores da enfermidade.
Tabela 5- Manifestações
clínicas associadas à DC.
Dentre os indivíduos que
se submeteram à biópsia do intestino delgado confirmou-se o diagnóstico de DC
em 66,7% (14/21) deles, ou seja, a prevalência da DC nesta população revelou
ser de 1:214 indivíduos. Por outro lado, caso todos os indivíduos que
apresentaram dosagem elevada do ATTG e que se recusaram a realizar a biópsia do
intestino delgado (24/45), tivessem também se submetido ao referido
procedimento, e considerando-se que o ATTG revelou-se falso positivo em 33,3%
dos indivíduos que se submeteram à biópsia do intestino delgado e que
confirmaram ser portadores da DC, a prevalência seria maior, porque se poderia
especular que 66,7% (16/24) dos indivíduos que não realizaram a biópsia de intestino
delgado seriam também portadores de DC. Neste caso, ao acrescentarmos mais 16
indivíduos aos 14 com diagnóstico de DC confirmado, totalizaríamos 30 dos 3000
candidatos a doadores de sangue no grupo com DC. Desta forma, então, a
prevalência da DC em São
Paulo passaria a ser de 1:100 indivíduos, portanto, tão
elevada quanto à verificada em outros países, em especial na comunidade
européia (Tabela 6).
Tabela 6- Distribuição da
prevalência da DC no mundo ocidental.
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