O retorno de Perón à Argentina e mais transformações na vida do país e também na minha
Logo após a eleição de Campora o humor da população de um modo geral sofreu uma radiante mudança, passaram a ser respirados os ares de uma plena democracia. Antes as pessoas não se atreviam a emitir qualquer opinião política contra o governo militar por puro medo das possíveis retaliações que poderiam vir a sofrer, mas agora, porém, diante da nova realidade de plena liberdade, tudo transpirava política. A partir daí pude me dar conta do alto grau de politização que fazia parte da alma do argentino, desde o mais simples cidadão do ponto de vista educacional e sócio-cultural, passando por todas as estratificações, até o mais refinado intelectual. Em todos os ambientes que eu freqüentava, tanto no hospital quanto no bairro onde eu morava, a política era o tema que predominava em todas as conversas. Como no Brasil vivíamos uma ditadura militar que já durava nove anos, o que muito embora a mim não agradasse para nada, eu não tinha uma participação política ativa contra a ditadura, entendia que minha função era trabalhar como médico atendendo a população e continuar a estudar para manter-me atualizado na minha área de atuação. Na verdade, afora a Medicina meu grande envolvimento era com o esporte, mais particularmente o futebol, minha eterna paixão, a qual perdura até os dias atuais. A política não me entusiasmava e, na verdade, eu não tinha a consciência da importância do exercício da plena cidadania, poderia mesmo me considerar um alienado politicamente falando, o tema até mesmo me aborrecia. Foi o convívio com meus pares no hospital e no bairro onde morava que, pouco a pouco, fui percebendo, quase de forma inconsciente, que a política permeia todas as nossas ações na vida, queiramos ou não ela está intimamente ligada aos nossos destinos. Assim é que no hospital, como que em um passe de mágica, o assunto das conversas que girava apenas em torno da Medicina, até então, começou a dar lugar, mais e mais, às questões políticas pelos quais o país passava, mas muito além disso, vivíamos a época da plena guerra fria, portanto, a política mundial também entrava em cena, em particular o antagonismo direita-esquerda, capitalismo-socialismo, democracia-comunismo. Eu me considerava absolutamente neófito neste campo do conhecimento, principalmente porque meus interlocutores conheciam, pelo menos sob meu ponto de vista, profundamente o assunto, e, como me sentia um total ignorante, me calava para escutar e aprender. Mas como me referi anteriormente, política também se discutia no bairro, muito embora em nível bem menos elitizado. Eu morava em um prédio de três andares pertencente a um único dono e aí praticamente habitava apenas a sua família que era numerosa. O andar térreo era todo constituído por lojas que o patriarca alugava para o comércio. Dentre as várias lojas existentes havia uma quitanda e um açougue como parte do mesmo negócio que era dirigido por um senhor mais idoso e seus dois filhos que tinham aproximadamente a minha idade, o Negro e o Pepe. Como aí fazíamos as compras do dia a dia, pouco a pouco fomos nos tornando amigos, no princípio por causa do futebol, mas depois do retorno à democracia a discussão política passou a preponderar. Alguns dias da semana depois de chegar do hospital, no começo da noite, como na Argentina não se costuma jantar antes das 21 horas, enquanto minha mulher preparava a comida eu descia para a quitanda para conversar com eles que sempre me esperavam com uma garrafa de vinho e algum aperitivo. Aí passávamos longos minutos divagando sobre os mais variados temas políticos, e, como já havia aprendido algo no hospital com meus colegas médicos, aqui eu me atrevia a dar algumas opiniões, já me sentia seguro para tal. Freqüentemente outras pessoas, geralmente fornecedores de mercadorias, também participavam desses deliciosos encontros. Uma delas, em particular, o fornecedor de cigarros que vinha em seu furgãozinho, também da nossa idade, era um peronista fanático, e por mais que se criticasse Perón, ele apresentava um argumento infalível para defendê-lo. Dizia ele, meu pai era muito pobre, um simples operário, mas foi no governo de Perón que ele conseguiu adquirir a sua casa própria, e, isto tem um valor incalculável, é uma dívida de honra contraida com Perón para todo o sempre. Foi aí que pude entender duas coisas ao mesmo tempo, primeira, porque praticamente não havia imóveis para serem alugados em Buenos Aires, e, segunda, o real significado da expressão “realizar o sonho de ter a casa própria”, o que a imensa maioria dos meus compatriotas não possuía. Foi assim, paulatinamente que eu fui me politizando e desfrutando com entusiasmo o direito da livre expressão, sem censuras externas ou autocensura, fui sorvendo com enorme alegria esse ambiente de democracia na sua mais pura conceituação. Havia atingido o que se denomina, em algumas situações críticas, “o ponto do não retorno”, não conseguiria mais me calar diante da falta de liberdade de expressão, esta salutar transformação me havia atingido em cheio e me conquistado definitivamente. Havia assumido um compromisso moral comigo mesmo que ao retornar ao Brasil iria lutar ativamente pela reconquista da democracia, e assim o fiz de forma incansável, pacificamente, dentro das minhas possibilidades. Eu que havia viajado apenas para fazer uma especialização em Gastroenterologia Pediátrica, retornaria com mais uma bagagem no meu currículo pessoal, ter me transformado em um ser político, um defensor incondicional da democracia.
As discussões políticas, entretanto, não impediam que eu continuasse a desempenhar ativamente minhas tarefas assistenciais e de pesquisa, mesmo porque, estas conversas ocorriam nos intervalos das nossas atividades, durante o café no meio da manhã e o almoço, como ficou comprovado conforme está escrito no meu diário:
”...tenho aproveitado muito as seções de Raios-X, uma vez por semana as rotineiras, mas na realidade tenho ido de duas a três vezes por semana para acompanhar os meus pacientes. É muito interessante principalmente acompanhar os exames contrastados visualizando também a radioscopia, o que nos dá uma excelente noção da dinâmica do trato digestivo. Nunca tinha visto tanta chapa de estômago em toda minha vida e mais uma vez a verdade se repete, quem procura acha, e tenho achado úlceras gástricas e duodenais em crianças.
Tenho estudado bastante e procurado muita bibliografia sobre tudo que diz respeito à gastroenterologia. Fiz, ou melhor, estou terminando de fazer, pelo Current Contents (era a melhor e mais moderna forma de se pesquisar a literatura médica na época, não existia internet nem o Google), uma completa revisão de 1972 e praticamente enchi um caderno com referências bibliográficas. Continuo, porém, angustiado em querer estudar tudo e aprender tudo sobre esse mundo que é a gastroenterologia, e, evidentemente, não consigo dominar nem sobre 1/10 das informações disponíveis. No entanto, continuo buscando coisas novas para estudar.
Meu entendimento com o pessoal aqui é muito bom e já fiz grandes amizades, principalmente com dois especializandos de La Plata. Um deles, Eduardo Cueto Rua (Figura 1), desenvolve um trabalho sobre Balanço Metabólico, que por sinal é uma coisa muito interessante.
Logo após a eleição de Campora o humor da população de um modo geral sofreu uma radiante mudança, passaram a ser respirados os ares de uma plena democracia. Antes as pessoas não se atreviam a emitir qualquer opinião política contra o governo militar por puro medo das possíveis retaliações que poderiam vir a sofrer, mas agora, porém, diante da nova realidade de plena liberdade, tudo transpirava política. A partir daí pude me dar conta do alto grau de politização que fazia parte da alma do argentino, desde o mais simples cidadão do ponto de vista educacional e sócio-cultural, passando por todas as estratificações, até o mais refinado intelectual. Em todos os ambientes que eu freqüentava, tanto no hospital quanto no bairro onde eu morava, a política era o tema que predominava em todas as conversas. Como no Brasil vivíamos uma ditadura militar que já durava nove anos, o que muito embora a mim não agradasse para nada, eu não tinha uma participação política ativa contra a ditadura, entendia que minha função era trabalhar como médico atendendo a população e continuar a estudar para manter-me atualizado na minha área de atuação. Na verdade, afora a Medicina meu grande envolvimento era com o esporte, mais particularmente o futebol, minha eterna paixão, a qual perdura até os dias atuais. A política não me entusiasmava e, na verdade, eu não tinha a consciência da importância do exercício da plena cidadania, poderia mesmo me considerar um alienado politicamente falando, o tema até mesmo me aborrecia. Foi o convívio com meus pares no hospital e no bairro onde morava que, pouco a pouco, fui percebendo, quase de forma inconsciente, que a política permeia todas as nossas ações na vida, queiramos ou não ela está intimamente ligada aos nossos destinos. Assim é que no hospital, como que em um passe de mágica, o assunto das conversas que girava apenas em torno da Medicina, até então, começou a dar lugar, mais e mais, às questões políticas pelos quais o país passava, mas muito além disso, vivíamos a época da plena guerra fria, portanto, a política mundial também entrava em cena, em particular o antagonismo direita-esquerda, capitalismo-socialismo, democracia-comunismo. Eu me considerava absolutamente neófito neste campo do conhecimento, principalmente porque meus interlocutores conheciam, pelo menos sob meu ponto de vista, profundamente o assunto, e, como me sentia um total ignorante, me calava para escutar e aprender. Mas como me referi anteriormente, política também se discutia no bairro, muito embora em nível bem menos elitizado. Eu morava em um prédio de três andares pertencente a um único dono e aí praticamente habitava apenas a sua família que era numerosa. O andar térreo era todo constituído por lojas que o patriarca alugava para o comércio. Dentre as várias lojas existentes havia uma quitanda e um açougue como parte do mesmo negócio que era dirigido por um senhor mais idoso e seus dois filhos que tinham aproximadamente a minha idade, o Negro e o Pepe. Como aí fazíamos as compras do dia a dia, pouco a pouco fomos nos tornando amigos, no princípio por causa do futebol, mas depois do retorno à democracia a discussão política passou a preponderar. Alguns dias da semana depois de chegar do hospital, no começo da noite, como na Argentina não se costuma jantar antes das 21 horas, enquanto minha mulher preparava a comida eu descia para a quitanda para conversar com eles que sempre me esperavam com uma garrafa de vinho e algum aperitivo. Aí passávamos longos minutos divagando sobre os mais variados temas políticos, e, como já havia aprendido algo no hospital com meus colegas médicos, aqui eu me atrevia a dar algumas opiniões, já me sentia seguro para tal. Freqüentemente outras pessoas, geralmente fornecedores de mercadorias, também participavam desses deliciosos encontros. Uma delas, em particular, o fornecedor de cigarros que vinha em seu furgãozinho, também da nossa idade, era um peronista fanático, e por mais que se criticasse Perón, ele apresentava um argumento infalível para defendê-lo. Dizia ele, meu pai era muito pobre, um simples operário, mas foi no governo de Perón que ele conseguiu adquirir a sua casa própria, e, isto tem um valor incalculável, é uma dívida de honra contraida com Perón para todo o sempre. Foi aí que pude entender duas coisas ao mesmo tempo, primeira, porque praticamente não havia imóveis para serem alugados em Buenos Aires, e, segunda, o real significado da expressão “realizar o sonho de ter a casa própria”, o que a imensa maioria dos meus compatriotas não possuía. Foi assim, paulatinamente que eu fui me politizando e desfrutando com entusiasmo o direito da livre expressão, sem censuras externas ou autocensura, fui sorvendo com enorme alegria esse ambiente de democracia na sua mais pura conceituação. Havia atingido o que se denomina, em algumas situações críticas, “o ponto do não retorno”, não conseguiria mais me calar diante da falta de liberdade de expressão, esta salutar transformação me havia atingido em cheio e me conquistado definitivamente. Havia assumido um compromisso moral comigo mesmo que ao retornar ao Brasil iria lutar ativamente pela reconquista da democracia, e assim o fiz de forma incansável, pacificamente, dentro das minhas possibilidades. Eu que havia viajado apenas para fazer uma especialização em Gastroenterologia Pediátrica, retornaria com mais uma bagagem no meu currículo pessoal, ter me transformado em um ser político, um defensor incondicional da democracia.
As discussões políticas, entretanto, não impediam que eu continuasse a desempenhar ativamente minhas tarefas assistenciais e de pesquisa, mesmo porque, estas conversas ocorriam nos intervalos das nossas atividades, durante o café no meio da manhã e o almoço, como ficou comprovado conforme está escrito no meu diário:
”...tenho aproveitado muito as seções de Raios-X, uma vez por semana as rotineiras, mas na realidade tenho ido de duas a três vezes por semana para acompanhar os meus pacientes. É muito interessante principalmente acompanhar os exames contrastados visualizando também a radioscopia, o que nos dá uma excelente noção da dinâmica do trato digestivo. Nunca tinha visto tanta chapa de estômago em toda minha vida e mais uma vez a verdade se repete, quem procura acha, e tenho achado úlceras gástricas e duodenais em crianças.
Tenho estudado bastante e procurado muita bibliografia sobre tudo que diz respeito à gastroenterologia. Fiz, ou melhor, estou terminando de fazer, pelo Current Contents (era a melhor e mais moderna forma de se pesquisar a literatura médica na época, não existia internet nem o Google), uma completa revisão de 1972 e praticamente enchi um caderno com referências bibliográficas. Continuo, porém, angustiado em querer estudar tudo e aprender tudo sobre esse mundo que é a gastroenterologia, e, evidentemente, não consigo dominar nem sobre 1/10 das informações disponíveis. No entanto, continuo buscando coisas novas para estudar.
Meu entendimento com o pessoal aqui é muito bom e já fiz grandes amizades, principalmente com dois especializandos de La Plata. Um deles, Eduardo Cueto Rua (Figura 1), desenvolve um trabalho sobre Balanço Metabólico, que por sinal é uma coisa muito interessante.
Figura 1- Eduardo Cueto Rua cuidando de uma criança colocada em "Balance" (Balanço Metabólico), notar embaixo da cama a proveta volumétrica que era utilizada para mensurar as perdas fecais separadas de urina. Cueto era um dos especializandos de La Plata de quem tornei-me íntimo amigo, amizade que perdura inabalável até os dias atuais. Cueto trabalha no Hospital Soror Ludovica em La Plata aonde é chefe do Serviço de Gastroenterologia; ele tem especial interesse pela Doença Celíaca.
Consiste em colocar a criança (tem que ser do sexo masculino) em uma cama cujo colchão tem um orifício na sua porção central, de tal forma a permitir que sejam coletadas separadamente fezes de urina. Sabendo-se rigorosamente o que a criança ingeriu de líquidos e nutrientes, pode-se determinar com alto grau de precisão, confrontando-se os ingressos com as excreções urinárias e fecais, bem como medindo-se o volume das excretas e dosando-se a quantidade de gorduras, proteínas e açúcares nas fezes, se as perdas são normais ou anormais, e neste último caso qual a intensidade da anormalidade (Vale ressaltar que quando voltei ao Brasil, trabalhando no hospital Umberto I, na década de 1980, consegui implantar uma unidade metabólica para determinar o balanço de crianças com diarréia aguda e persistente, com a colaboração irrestrita dos médicos residentes, que denominavam a cama metabólica de “cama diabólica”, pelo insano trabalho para controlar todas as variáveis, mas que são de uma utilidade inestimável para oferecer o melhor cuidado assistencial ao paciente (Fguras 2-3 & 4).
Figura 2- Visão da entrada da Unidade Metabólica do Hospital Umberto I inaugurada no final da década de 1980 em homenagem a Dr. Horácio Toccalino.
Figura 3- Paciente portador de diarréia persistente e desnutrição grave colocado em balanço metabólico no Hospital Umberto I.
Figura 4- Visão de uma das salas da Unidade Metabólica Dr. Horácio Toccalino no Hospital Umberto I, observando-se as enfermeiras cuidando de pacientes que se recuperaram do quadro diarréico enquanto um outro paciente encontra-se na cama "diabólica" realizando balanço metabólico.
A implantação deste método, com sucesso, passou a nos permitir o cálculo, com exatidão, das perdas hidro-eletrolíticas e nutricionais dos pacientes, o que nos trouxe conhecimentos fantásticos a respeito dessas doenças. As taxas de mortalidade intra-hospitalar por diarréia aguda caíram a ZERO e as por diarréia persistente se mantiveram sempre abaixo dos 5%. Estes resultados espetaculares no tratamento destas enfermidades que, em passado não remoto, haviam sido as principais causas de mortalidade intra-hospitalar no nosso meio, conseqüentemente, possibilitaram a realização de inúmeras publicações em periódicos médicos nacionais e internacionais, nos quais relatávamos os meios pelos quais os êxitos haviam sido alcançados).
Aqui no hospital meu cartaz com o pessoal médico e da manutenção está grande por causa do futebol, estamos disputando um campeonato inter-hospitalar e temos ganhado todas as partidas, eu sou o artilheiro do torneio (o futebol sempre me ajudou na vida).
Em resumo estou muito feliz aqui e penso que sentirei muita saudade de tudo e de todos quando voltar ao Brasil, e como experiência médica, mas, principalmente de vida, acho que todos deveriam experimentar uma coisa assim. Vale a pena!”
Perón finalmente decidiu retornar à Argentina depois de décadas de exílio em Madri. Um grande reboliço se armou no país para receber de volta o velho caudilho, o pai dos descamisados como se autodenominava. A Argentina literalmente parou em um dia de setembro de 1973, mais de oito milhões de argentinos (a Argentina, naquela época, tinha 30 milhões de habitantes), vindos de todos os rincões se acotovelaram ao longo da autopista que liga o aeroporto de Ezeiza ao centro de Buenos Aires, para celebrar delirantemente o retorno daquele que o povo havia alcunhado como “El primer trabajador”. Poucos dias após seu retorno já se falava abertamente que Campora renunciaria para que houvesse nova eleição, possibilitando, assim, que Perón retornasse ao poder. Dito e feito, Campora renunciou, uma nova eleição presidencial teve lugar e Perón com Isabel de Perón de vice-presidente, obteve uma vitória esmagadora. Mais uma vez Juan Domingo Perón, agora com Isabelita, mas sem Evita, governaria a República Argentina. Entretanto, desta vez, já muito idoso e completamente debilitado mental e fisicamente, Perón veio a falecer logo no começo de 1974, deixando o posto para sua vice Isabelita, que seria deposta em 1976, por uma nova ditadura militar, que se instalou por longos anos, espalhando a desgraça entre muitas famílias, gerando os famosos desaparecidos.
No tocante às questões sociais a vida na Argentina, naquela época, era bastante barata, praticamente não havia inflação, e o câmbio nos favorecia significativamente, de tal forma que embora o salário de residente, que eu percebia, fosse apenas simbólico, como eu recebia o aluguel de uma casa em São Paulo, podíamos manter um nível de vida modesto, porém sem penúria. Como nossos amigos mais próximos eram os especializandos de La Plata, Eduardo Cueto Rua, Jorge Donatone, Luis Guimarey e “Negro” Rodrigues (Figuras 5-6-7-8 & 9) e que também levavam uma vida muito modesta porque os salários eram baixos, costumávamos com freqüência nos reunir nos fins de semana, no nosso apartamento em Buenos Aires ou viajávamos a La Plata, para longas conversas regadas com um vinho nacional barato, porém decente, e comer fantásticos “asados” (churrascos), porque a carne deles é realmente imbatível, além de barata.
Figura 5- Nosso filho Uly passeando em pleno inverno portenho no parque Centenário em um fim de semana. Neste parque que se localizava próximo ao nosso apartamento eu costumava dar minhas corridas na volta do hospital.Aqui no hospital meu cartaz com o pessoal médico e da manutenção está grande por causa do futebol, estamos disputando um campeonato inter-hospitalar e temos ganhado todas as partidas, eu sou o artilheiro do torneio (o futebol sempre me ajudou na vida).
Em resumo estou muito feliz aqui e penso que sentirei muita saudade de tudo e de todos quando voltar ao Brasil, e como experiência médica, mas, principalmente de vida, acho que todos deveriam experimentar uma coisa assim. Vale a pena!”
Perón finalmente decidiu retornar à Argentina depois de décadas de exílio em Madri. Um grande reboliço se armou no país para receber de volta o velho caudilho, o pai dos descamisados como se autodenominava. A Argentina literalmente parou em um dia de setembro de 1973, mais de oito milhões de argentinos (a Argentina, naquela época, tinha 30 milhões de habitantes), vindos de todos os rincões se acotovelaram ao longo da autopista que liga o aeroporto de Ezeiza ao centro de Buenos Aires, para celebrar delirantemente o retorno daquele que o povo havia alcunhado como “El primer trabajador”. Poucos dias após seu retorno já se falava abertamente que Campora renunciaria para que houvesse nova eleição, possibilitando, assim, que Perón retornasse ao poder. Dito e feito, Campora renunciou, uma nova eleição presidencial teve lugar e Perón com Isabel de Perón de vice-presidente, obteve uma vitória esmagadora. Mais uma vez Juan Domingo Perón, agora com Isabelita, mas sem Evita, governaria a República Argentina. Entretanto, desta vez, já muito idoso e completamente debilitado mental e fisicamente, Perón veio a falecer logo no começo de 1974, deixando o posto para sua vice Isabelita, que seria deposta em 1976, por uma nova ditadura militar, que se instalou por longos anos, espalhando a desgraça entre muitas famílias, gerando os famosos desaparecidos.
No tocante às questões sociais a vida na Argentina, naquela época, era bastante barata, praticamente não havia inflação, e o câmbio nos favorecia significativamente, de tal forma que embora o salário de residente, que eu percebia, fosse apenas simbólico, como eu recebia o aluguel de uma casa em São Paulo, podíamos manter um nível de vida modesto, porém sem penúria. Como nossos amigos mais próximos eram os especializandos de La Plata, Eduardo Cueto Rua, Jorge Donatone, Luis Guimarey e “Negro” Rodrigues (Figuras 5-6-7-8 & 9) e que também levavam uma vida muito modesta porque os salários eram baixos, costumávamos com freqüência nos reunir nos fins de semana, no nosso apartamento em Buenos Aires ou viajávamos a La Plata, para longas conversas regadas com um vinho nacional barato, porém decente, e comer fantásticos “asados” (churrascos), porque a carne deles é realmente imbatível, além de barata.
Figura 6- Desfrutando com os amigos de la Plata um "Asado" na casa quinta do sogro de Cueto, o advogado Dr. Carrera.
Figura 7- Mais uma visão do galpão aonde se comiam os "Asados", na casa quinta em Villa Eliza próximo de La Plata.
Figura 8- Nosso filho Uly brincando com Mercedita, filha de Cueto, na casa quinta de Dr. Carrera.
Figura 9- Uma foto histórica, que nunca mais pode ser repetida, com os quatro amigos "Platenses", da esquerda para a direita, Guimarey, Donatone, Cueto, eu e "Negro" Rodrigues.
Vivíamos modestamente, mas a família estava profundamente unida e feliz, tamanha era a felicidade que em Buenos Aires, como uma homenagem a quem nos acolheu com tanto carinho, foi gerada nossa segunda filha, Juliana, a "portenha", que se tornou professora de inglês e extraordinária atriz e cantora.
No nosso próximo encontro terminarei de descrever minha vivência portenha pessoal e profissional, com especial referência ao meu querido mestre e amigo Dr. Horácio Toccalino.
No nosso próximo encontro terminarei de descrever minha vivência portenha pessoal e profissional, com especial referência ao meu querido mestre e amigo Dr. Horácio Toccalino.