Prof.
Dr. Ulysses Fagundes Neto
A
Revista Journal of Allergy and Clinical Immunology 2018;141:41-58, na
sua edição de Janeiro, publicou um excelente artigo de revisão sobre Alergia
Alimentar, principalmente voltada para reação alérgica de hipersensibilidade
imediata (IgE mediada) escrita pelos autores Scott H. Sicherer e Hugh
A., Sampson intitulado: Food Allergy: a review and update on
epidemiology, pathogenesis, diagnosis, prevention, and management. A seguir
passo a resumir os principais aspectos do artigo e, também, no final, agrego
minha experiência pessoal, principalmente no que diz respeito aos casos de Proctocolite
Alérgica.
TRATAMENTO
Considerando-se
que não há cura para a AA, o manejo eficaz requer a eliminação da ingestão do
suposto alergeno, e, com isso, ocorrerá o pronto desaparecimento da reação
alérgica. O alcance da eliminação exitosa e a consequente reação apropriada ao
tratamento, pode ser complexa e envolve uma grande variedade de atores que se
encontram além do paciente e sua família, incluindo escola, local de trabalho,
indústria de alimentos, agências governamentais, autoridades de saúde pública e
outros. A Tabela 3 fornece uma ampla variedade de exemplos relacionadas ao
manejo da AA. No que diz respeito a se evitar o alergeno, é necessário um alto
grau de educação para se manter seguro, posto que, uma revisão sistemática
confirmou a preocupação a respeito de erros nos rótulos ou nomes fantasia nos alimentos,
as alimentações em restaurantes, nas alimentações em casa e fora dela. Comportamentos
de risco podem levar a reações inesperadas, como por exemplo, a ingestão de produtos
alimentares industrializados cujos rótulos descrevem os ingredientes de uma
forma não regulamentada, tais como “pode conter”, e que causam dúvida e
confusão.
Tabela
3- Considerações a respeito do manejo da AA.
No
que diz respeito ao manejo dietético, a isenção restrita é usualmente
recomendada. Entretanto, aproximadamente
70% das crianças com AA ao leite e ao ovo, podem tolerar esses alimentos quando
eles são extensivamente aquecidos, como componentes de panificação ou de
confeitaria. Pacientes com restrição estrita de leite e ovo devem ser
cuidadosamente avaliados, tal como na supervisão da provocação oral para aquilatar se eles poderão tolerar as formas cozidas, posto que, reações
alérgicas graves podem ocorrer. Quando a ingestão de formas cozidas desses
alimentos é tolerada, pode-se prever uma mais rápida resolução da alergia,
embora a evidência não seja absoluta.
O
tratamento emergencial das reações alérgicas graves com epinefrina é uma pedra
angular na terapia da AA. Porém, inúmeras barreiras podem estar presentes.
Adolescentes e adultos jovens são considerados pacientes de alto risco
para reações fatais, baseado nos comportamentos de assumir riscos e a falta de
um tratamento rápido.
Tabela
4- Guias de conduta para a introdução do amendoim na dieta dos pacientes com
alergia ao amendoim.
Tabela
5- Estratégias terapêuticas nos ensaios terapêuticos.
MEUS
COMENTÁRIOS
No
passado, praticamente até meados do século XX, nas mais diversas formas de
sociedades e culturas existentes (Figuras 5-6 e 7), salvo raríssimas exceções,
as crianças eram rotineiramente amamentadas ao seio materno de forma exclusiva
e por tempo prolongado.
Figura
5- Lactente de sociedade dita de "cultura primitiva" mamando com
total naturalidade.
Figura
6- Lactente da sociedade dita "moderna" que recebeu aleitamento
natural exclusivo por tempo prolongado, seguindo, assim, um hábito cultural
tradicional.
Figura
7- Lactente pertencente à família moradora da favela Cidade Leonor cuja mãe se
incorporou ao programa de promoção do aleitamento natural exclusivo e venceu
mitos e tabus negativos em relação ao aleitamento natural.
Entretanto,
como é do conhecimento geral, as mudanças ocasionadas pelo desenvolvimento
tecnológico industrial, em meados do século XIX e definitivamente consolidadas
no século XX, entre as sociedades ditas “modernas”, nas quais as mulheres
passaram a ocupar um espaço significativo no mercado de trabalho, associadas ao
amplo e contínuo desenvolvimento da indústria de alimentos, levaram, em
consequência, a uma drástica redução da prática do aleitamento materno. Outros
tipos de leite, distintos do materno, foram sendo, então, progressivamente
introduzidos em idades cada vez mais precoces na alimentação dos lactentes; a
partir dessa mudança de hábitos e costumes começaram a aflorar os problemas
dessa nova prática nutricional e, assim, passaram a surgir as AAs em escala cada vez mais crescente.
Vale
a pena lembrar que os efeitos adversos dos alimentos são reconhecidos desde
épocas imemoriais. Hipócrates já havia observado, há 2.000 anos, que a ingestão
de leite de vaca pode provocar problemas gastrointestinais e urticária, mas
hipersensibilidade aos alimentos foi poucas vezes descrita até que Von Pirquet,
em 1906, introduziu o conceito de Alergia.
O primeiro caso de APLV foi
descrito na literatura médica da Alemanha, em 1901, nos EUA a primeira
referência ao problema data de 1916, enquanto na Inglaterra verifica-se apenas
uma descrição de APLV antes de
1958.
Na
busca de substitutos do leite de vaca, para o tratamento de crianças com
sintomas de alergia, passaram a ser desenvolvidas fórmulas preparadas
industrialmente a partir da proteína vegetal da soja, introduzidas em 1929,
ainda que tais preparações já fossem conhecidas e utilizadas desde 1909, porém
em pequena escala. Posteriormente, já na década de 1940, surgiram os preparados
de hidrolisados da caseína e do soro leite como alternativa no tratamento das
alergias alimentares múltiplas. Mais recentemente, no fim do século XX, passaram
a ser elaboradas as fórmulas à base de mistura de aminoácidos, as quais são
praticamente desprovidas de quaisquer estímulos antigênicos. Elas são indicadas
naqueles casos de comprovada intolerância aos hidrolisados proteicos
extensivamente hidrolisados.
Colite
alérgica é a manifestação clínica mais comum de alergia alimentar, em especial
à proteína do leite de vaca, entre os lactentes no primeiro semestre de vida;
sangramento retal é a queixa mais frequente, usualmente acompanhada por
irritabilidade intensa e desconforto durante a amamentação (Figuras
8-9-10-11-12-13-14).
Figura
8- Lactente portador de Colite Alérgica em atividade.
Figura
9- Fezes misturadas com sangue características da Colite Alérgica.
Figura
10- Lesões aftosas colônicas visualizadas em um paciente portador de Colite
Alérgica.
Figura 11- Lesões
inflamatórias colônicas com friabilidade da mucosa em paciente portador de
Colite Alérgica.
Figura
12- Microfotografia em microscopia óptica comum da mucosa colônica evidenciando
intenso processo inflamatório, inclusive com a presença de abcesso críptico.
Figura
13- - Microfotografia em microscopia óptica comum da mucosa colônica
evidenciando restituição morfológica após tratamento com fórmula à base de
hidrolisado proteico.
Figura
14- Paciente mostrado na figura 8, após total recuperação clínica e
nutricional.
Está
bem estabelecido que o principal alérgeno da dieta nos primeiros meses de vida
é o leite de vaca secundado pela soja, porém outros alimentos também podem
desencadear AA, tais como: leite de outros mamíferos, ovos,
trigo, peixe, frutos do mar, nozes e amêndoas, amendoim e coco. Estes
reconhecidos alérgenos alimentares ao fazerem parte da dieta da nutriz podem ser
veiculados pelo leite humano. Por esta razão, lactentes que estejam recebendo
aleitamento natural exclusivo e que apresentem predisposição genética para
alergia, também podem apresentar sintomas de colite alérgica, ainda que muitas
vezes de forma não florida. Kilshaw e Cant demonstraram que a
beta-lactoglobulina do leite de vaca pode ser detectada em amostras de leite
humano entre 4 e 6 horas após a nutriz ter ingerido leite de vaca.
Vale
enfatizar que todos os nossos 5 pacientes receberam aleitamento natural durante
um período de suas vidas e que 4 deles ainda estavam recebendo aleitamento
natural exclusivo quando os sinais de colite surgiram. No presente estudo foi
possível demonstrar claramente que esta manifestação de alergia é transitória
conforme é referido por outros autores. Neste estudo tivemos a oportunidade de
acompanhar os 5 pacientes desde o diagnóstico inicial até o momento em que foi
realizado o desencadeamento com sucesso após período de evolução entre os 11 e
os 18 meses de idade dos nossos pacientes. Diferentemente de Arvola e cols.
optamos por não realizar o desencadeamento precoce devido à natureza dos nossos
diferir daquela relatada pelos supra-referidos autores, que em sua experiência
englobaram pacientes com hematoquezia com manifestações não homogêneas e,
portanto, conseguiram caracterizar proctocolite alérgica em apenas 18% dos
pacientes.
Atualmente
é do reconhecimento geral que existe uma predisposição genética para alergia a
qual age em associação com um ou mais fatores desencadeantes. Particularmente,
no caso da AA alguns fatores que desempenham papel de
importância no seu desencadeamento têm sido descritos, tais como, dieta
materna, dieta do lactente, prematuridade, ausência de aleitamento natural
exclusivo, deficiência de IgA secretora, deficiência da barreira de permeabilidade
intestinal, entre outros. Entretanto, a ocorrência de colite alérgica em grupos
familiares, como o verificado no presente estudo, parece sugerir uma forte
evidência de predisposição genética familiar. Casos de colite alérgica têm sido
raramente descritos entre irmãos ou parentes próximos. Nossos achados confirmam
os de Nowak-Wegrzyn, em 2009, que descreveu caso de colite alérgica provocada
pela proteína da soja em um par de gêmeos, bem como, os de Behjati e cols., em
2009, que descreveram quadro de colite alérgica em 3 irmãos, em um grupo de 13
pacientes com história de atopia em parentes de primeiro grau.
Em
conclusão, pode-se afirmar que a proctocolite alérgica manifesta-se mesmo na
vigência de aleitamento natural exclusiva, na qual a manifestação predominante
é a presença de hematoquezia. Outra característica é a infiltração eosinofílica
da mucosa colônica inflamada, e cujo tratamento deve ser unicamente a
utilização de fórmulas hipoalergênicas com total exclusão da proteína
agressora, até então, presente na dieta alimentar. Vale ressaltar que na
presente experiência a tolerância à proteína do leite de vaca ocorreu até a
idade de 18 meses.
REFERÊNCIA
BIBLIOGRÁFICA
1) Gupta
RS e cols. Pediatrics 2011; 128: 9-17.
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Santos
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Lduc
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Blankestijn
MA e cols. J Allergy Clin Immunol 2017;139: 688-90.
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