Prof.
Dr. Ulysses Fagundes Neto
A
Revista Journal of Allergy and Clinical Immunology 2018;141:41-58, na
sua edição de Janeiro, publicou um excelente artigo de revisão sobre Alergia
Alimentar, principalmente voltada para reação alérgica de hipersensibilidade
imediata (IgE mediada) escrita pelos autores Scott H. Sicherer e Hugh
A., Sampson intitulado: Food Allergy: a review and update on
epidemiology, pathogenesis, diagnosis, prevention, and management. A seguir
passo a resumir os principais aspectos do artigo e, também, no final, agrego
minha experiência pessoal, principalmente no que diz respeito aos casos de Proctocolite
Alérgica.
Introdução
A
prevalência da Alergia Alimentar (AA) vem reconhecidamente aumentando nas
últimas três décadas e são mais frequentes nas crianças, em comparação com os
adultos. É do conhecimento geral que uma lista bastante restrita de alimentos é
responsável pela maioria do ônus das enfermidades mais graves a saber, leite,
soja, trigo, ovo, peixes e frutos do mar, frutos oleaginosos, amendoim e
sementes. Nos EUA, Gupta e colaboradores, realizaram um levantamento por via
eletrônica envolvendo aproximadamente 40mil crianças, e chegaram a estimativa
que 8% delas apresentavam algum tipo de AA, 2,4% alergia a múltiplos alimentos
e cerca de 3% sofreram reações graves.
Em
consonância com as enfermidades crônicas, o surgimento da AA é influenciado por
inúmeros fatores, tais como genética, meio ambiente, interação genoma-meio
ambiente, incluindo os efeitos epigenéticos. Inúmeros fatores de risco têm sido
identificados para contribuir com o aparecimento da AA, alguns deles são imutáveis,
tais como sexo, etnicidade e genética. Os fatores de risco que potencialmente podem
ser voltados para reduzir e/ou prevenir a AA, tais como manifestações de doença
atópica (dermatite atópica), melhoria da higiene, a influência do microbioma,
deficiência de vitamina D, gordura alimentar, redução do consumo de ômega 3,
redução do consumo de antioxidantes, aumento do uso de antiácidos (redução da
digestão de alergenos), obesidade e o momento e a via de exposição dos
alimentos (risco aumentado pelo retardo da ingestão oral de alergenos com
exposição ambiental na ausência de exposição oral levando a sensibilização e
alergia).
O
curso natural da AA na infância tem sido largamente revisado. Algumas AAs
apresentam alta taxa de resolução na infância, tais como, por exemplo o
leite (mais de 50% entre 5-10 anos de idade), ovo (aproximadamente 50% entre
2-9 anos), trigo (50% aos 7 anos) e soja (45% aos 6 anos), sendo que esta taxa
de resolução continua aumentando na adolescência.
Os
principais avanços nas pesquisas básicas, translacionais e clínicas, tem
proporcionado novos conhecimentos nos mecanismos imunológicos que provocam AA,
o que possibilita a adoção de estratégicas profiláticas. O mecanismo usual que
acarreta várias AAs baseia-se na quebra da tolerância imunológica e clínica a
um alimento ingerido, a qual resulta em transtornos de reações mediadas por IgE
e não mediadas por IgE, tais como, Esofagite Eosinofílica (Figura 1), a
Síndrome de Enterocolite induzida por proteína alimentar, ou Proctocolite
induzida por proteína alimentar (Figura 2). A sensibilização por alergenos
alimentares pode ocorrer através do trato gastrointestinal, a pele, e menos
comumente pelo trato respiratório, presumivelmente em combinação com uma
deficiência ou inflamação da função da barreira de permeabilidade. A indução e
manutenção da tolerância aos antígenos alimentares necessita a geração ativa de
células T reguladoras contra antígenos alimentares específicos, os quais são
possivelmente influenciados pelo microbioma do indivíduo.
Figura
2- Lesões típicas de proctocolite alérgica.
A
despeito das investigações em andamento ainda continuam a ser pouco conhecidos
os mecanismos básicos imunopatogênicos envolvendo as AAs não mediadas por IgE.
Embora a IgE não pareça ter um papel fundamental na Esofagite Eosinofílica ela
é primariamente uma forma de AA dirigida pela Th2 com aumento dos
níveis IL-5, IL-13 e IL-9, aumento do número de eosinófilos, mastócitos e
células T CD4+ no tecido esofágico. Considerando-se que há um
aumento da atenção em relação as AAs não mediadas por IgE, e, ao mesmo tempo que
ocorre um avanço continuado nas tecnologias, novos conhecimentos íntimos da
imunopatologia desses transtornos deverão surgir em breve.
Diagnóstico
Indiscutivelmente,
o mais importante teste isolado para o diagnóstico da AA é a história clínica.
Para se elaborar o diagnóstico, a história deve ser revisada baseando-se no
conhecimento acerca das manifestações clínicas e epidemiológicas da AA, e,
também, com a compreensão de que transtornos com manifestações clínicas
similares possam ser erroneamente consideradas como AA. Por exemplo,
consideremos uma criança de 3 anos de idade, que se queixa de urticaria
generalizada, cujo aparecimento se deu após 15 minutos da ingestão de amendoim.
Caso saibamos que essa criança tenha tolerado rotineiramente a ingestão de
grandes quantidades de amendoim, e, que ela não é atópica, que tenha
apresentado sintomas de uma infecção viral,
que a suposta urticária tenha persistido por 7 dias, deve-se concluir
que os sintomas não estão relacionados ao amendoim mas sim, a uma infecção
viral. Por outro lado, caso a história tenha revelado que a criança sofreu de
dermatite atópica e que tenha se curado da alergia ao ovo, antes de ter
apresentado reação alérgica ao amendoim, que esta foi a primeira vez que comeu
amendoim, cuja presente urticária tenha sido tratada com sucesso com uso de anti-histamínico
e não tenha apresentado recidiva, pode-se estar altamente convencido da
ocorrência de alergia ao amendoim (Figura 3).
Figura
3- Lesões eritemato-papulosas disseminadas no tronco do paciente alérgico ao
amendoim.
Essas
conclusões estão baseadas no entendimento das probabilidades prévias, levando-se
em conta os riscos epidemiológicos e os detalhes da história clínica; no
primeiro caso, nenhum teste é necessário e no outro caso, a realização de
testes provavelmente seriam confirmatórios de alergia ao amendoim.
As alergias são definidas de forma diferente de outras reações adversas aos alimentos, porque alergias envolvem uma resposta imunológica. Portanto, intolerância (intolerância à lactose), ou intoxicação (envenenamento alimentar) ou farmacológico (cafeína), são reações adversas que não se enquadram em AAs. Considerando-se a AA, de uma maneira geral, pode-se afirmar que as fisiopatologias envolvem as reações mediadas por IgE, não mediadas por IgE (mediada por células) ou mistas (mediadas por IgE e células). As diferenciações nas fisiopatologias são clinicamente importantes porque elas auxiliam na definição da escolha de quais testes serão mais apropriados para confirmar, excluir ou monitorar a enfermidade.
A
Tabela 1 enfatiza os aspectos chave das várias AAs, a imunofisiopatologia, o
curso natural e as considerações diagnósticas. A definição se os sintomas são
atribuíveis a AA, qual alimento ou quais alimentos são a causa do problema, é
desafiadora, e, a consideração também deve ser dada para as reações/sintomas,
que falsamente podem se apresentar como AA. Por exemplo, falsas situações de AA
podem ocorrer por envenenamento por peixe (escombroide), no qual a carne escura
e deteriorada do peixe contém toxinas, do tipo histamina, ou ainda nas
respostas neurológicas, tal como a Síndrome Auriculotemporal, quando certos alimentos
desencadeiam um aumento da salivação e também resultam em um reflexo facial de
vaso dilatação na face ou rinites gustativas quando alimentos apimentados
acarretam rinorréia. Todos esses sintomas podem mimetizar AA. Nos pacientes com
dermatite atópica, alimentos poderão vir a ser eliminados da dieta sem que haja
uma comprovada indicação, o que poderá vir a provocar agravos nutricionais,
sociais e possivelmente imunológicos, o que acentua a necessidade de ser
realizada uma abordagem diagnóstica detalhada e acurada.
Tabela 1- Hipóteses e
observações em consideração aos fatores de risco ambiental.
Abordagens
Diagnósticas
Na
Figura 4 é apresentado um algoritmo diagnóstico esquematizado que considera a
história clínica, a epidemiologia, a fisiopatologia e, os resultados de testes
que conduzem ao diagnóstico, incluindo a identificação do alimento ou dos
alimentos deflagradores da AA. Vários especialistas na área têm recomendado uma
série de modalidades diagnósticas que incluem revisões sistemáticas, parâmetros
práticos e guias de conduta. Dentre estas propostas, devem ser incluídas a
história clínica, o exame físico, dieta de eliminação, pricktests,
testes de IgE específicos e testes de provocação oral. Dentre os testes não
recomendados ou não rotineiramente recomendados, encontram-se os testes
intradérmicos, a dosagem sérica total de IgE, testes de atopia patch, e
um número de testes não padronizados e não aprovados que são especificamente
não recomendados, incluindo quinesiologia aplicada, dosagem de IgG4
alergeno específico, teste electrodérmico, etc.
Figura 4- Algorritmo da
abordagem diagnóstica.
Vale
ressaltar que novos testes promissores continuam a surgir e dentre eles
destaca-se o teste component-resolved diagnostics (CRD), que se baseia
na premissa de que a IgE liga-se a proteínas específicas de um alimento que
possa prover diagnósticos mais específicos do que os testes que se referem a
ligação de IgE com extratos compreendidos por misturas de proteínas. Muito
embora os testes CRD não estejam disponíveis de forma universal, pouco a pouco
eles tem se tornado comercialmente disponíveis, e, em breve, serão de uso largamente
difundido.
É
importante ressaltar que pode haver uma grande disparidade entre os resultados
quando se utiliza a correlação do pricktest e o teste IgE específico. O
resultado ideal de “sim/não” nem sempre ocorre, a sensibilidade é caracteristicamente
maior que a especificidade, e, em geral o tamanho do aumento da resposta do pricktest
e dos níveis de IgE específicos correlacionam-se com o aumento da probabilidade
de alergia. Deve-se também considerar algumas nuances nos valores preditivos
dos testes, posto que a sensibilidade e a especificidade que têm sido
calculadas para o pricktest e o teste IgE especifico para inúmeros
alimentos, deve-se ter em mente que estudos individuais podem ser afetados por
variáveis, que parecem influenciar as relações do resultado do teste com o desfecho
clínico. As reações cruzadas entre alimentos e pólen podem fornecer resultados
de testes positivos relacionados a determinados alimentos que podem não ter
implicações clínicas causando, assim, confusão na interpretação do teste. Por
exemplo, a sensibilização com pólen pode resultar em testes positivos para
múltiplos alimentos, tais como: amendoim, amêndoas, nozes e numerosos frutos e
vegetais, e alergia à barata doméstica ou ao pó de ácaros, pode resultar em
testes positivos para crustáceos. Na Tabela 2, estão apresentadas várias
preciosidades e possíveis armadilhas dos testes diagnósticos.
Tabela
2- Preciosidades e armadilhas em relação ao diagnóstico de AA.
REFERÊNCIA
BIBLIOGRÁFICA
1) Gupta
RS e cols. Pediatrics 2011; 128: 9-17.
2)
Santos
AF e cols. J Allergy Clin Immunol 2014;134: 645-52.
3)
Lduc
V e cols. Allergy 2016;61: 349-56.
4)
Blankestijn
MA e cols. J Allergy Clin Immunol 2017;139: 688-90.
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