Prof
Dr Ulysses Fagundes Neto
A revista
Gastroenterology em seu número de julho de 2019, publicou este
pioneiro e muito estimulante artigo: Many patients with irritable bowel
syndrome have atypical food allergies not associated with immunoglobulin E,
de autoria Annette Fritscher-Ravens e colaboradores, que a seguir passo
a resumir.
Histologia
De
uma maneira geral, a morfologia duodenal mostrou-se normal após a ECL e similar
aos resultados prévios pré ECL, porém, os LIEs mostraram-se significativamente
mais elevados no ECL positivos (média 25.2 +/- 8.4), do que nos ECL negativos
(18.7 +/-11.8 p=.03); CS (média 14.4 +/-3.4; p=.001). Os LIEs foram encontrados
no topo das vilosidades bem como nos terços superiores laterais das mesmas, e
não houve um aparente óbvio gradiente entre esses locais (Suplementos 1 e 2).
Imuno-histoquímica
e PCR quantitativo
Em
todas as amostras de biópsias, a expressão claudin-2 nos
enterócitos aumentou ao longo do eixo cripta-vilosidade e mostrou-se mais
intenso no terço superior da vilosidade (Figuras 3A e 4A), mas não houve diferença
significativa entre as amostras ECL positivos e CS. Embora os níveis de
transcrição claudin-2 antes da provocação fossem similares no ECL positivos e
CS, eles mostraram-se significativamente diferentes nas amostras ECL positivos
após a provocação. Em contraste, a expressão da proteína ocludin mostrou-se
reduzida nos ECL positivos versus CS (Figura 4B), foi mais intensa nas criptas,
e diminuiu de forma uniforme em direção ao topo das vilosidades (Figuras 3B-C e
4C). No topo das vilosidades somente a proteína ocludin mostrou-se
significativamente menos intensa nos pacientes ECL comparados com os CS (Figura
4C), enquanto a transcrição total da ocludin permaneceu inalterada
imediatamente após a provocação alimentar. Não houve diferenças significativas
entre os pacientes que apresentaram reação ao trigo versus os outros antígenos
alimentares.
Eosinófilos,
Proteína Catiônica Eosinofílica (PCE) e Triptase
Após
a provocação PCE do fluido duodenal mostrou-se significativamente mais alta nos
pacientes ECL positivos comparados com CS, mas não com os pacientes ECL negativos (Figura
5).
Antes
da provocação os eosinófilos nos tecidos e a triptase no fluido duodenal não mostraram
diferenças entre os pacientes ECL positivos ou ECL negativos ou CS, e eles
permaneceram inalterados após a provocação. Entretanto, um maior número de
eosinófilos degranulados foram observados nos pacientes ECL positivos, ECL
negativos e CS (Figura 6).
CONCLUSÃO
Os
presentes achados são altamente reminiscentes de uma reação alérgica aos
alimentos, a despeito da falta de positividade dos testes IgE específicos e
cutâneos aos alergenos incriminados. Neste sentido, eles são clinicamente
reminiscentes de sensibilidades alimentares da esofagite eosinofílica ou da
hiperreatividade das vias áreas nos pacientes com asma e eosinofilia na saliva,
nos quais as respostas de hipersensibilidade são retardadas. Além disso, nestes
pacientes o influxo e a ativação dos eosinófilos da mucosa estão associados com
uma história pessoal e familiar de atopia. É interessante notar que um
mecanismo similar tem sido postulado para alguns pacientes com colite
ulcerativa e colite inespecífica, os quais apresentam intolerância alimentar.
Nós levantamos a hipótese de que nossos pacientes com SII, apresentam uma forma
de alergia alimentar atípica não mediada por IgE envolvendo um aumento da
ativação eosinofílica e dos linfócitos intra-epiteliais. Poder-se-ia inquirir porque
o trigo mostrou-se o alergeno predominante nestes pacientes. Uma possível
explicação poderia ser que o trigo não somente contém uma grande variedade de
glúten e especialmente de alergenos proteicos não relacionados ao glúten, mas
também os inibidores da tripsina amilase não glúten que ativam os receptores 4toll-like
nas células mieloides da mucosa intestinal. Na análise da ECL nos pacientes
com SII, nós encontramos que mais de 50% dos pacientes podem apresentar alergia
alimentar não clássica com ruptura imediata da barreira intestinal após a
exposição com antígenos alimentares. Fragmentos de biópsia duodenal dos
pacientes que apresentam respostas aos componentes alimentares durante a ECL
tem aumentos imediatos na expressão da claudin-2 e diminuição da ocludin. Os
pacientes ECL positivos também apresentaram aumento da degranulação dos
eosinófilos, indicando uma alergia alimentar atípica caracterizada por ativação
eosinofílica.
Meus
comentários
A
SII trata-se de um transtorno gastrointestinal funcional que admite múltiplas
etiologias, incluindo reações adversas relacionadas aos alimentos. Vários
estudos têm investigado o papel das alergias alimentares nos pacientes com SII,
entretanto, os mecanismos íntimos destas reações adversas não foram até o
presente momento totalmente elucidados. Está bem estabelecido que alguns
alimentos podem deflagrar uma reação imunológica anômala e acarretar um aumento
da permeabilidade intestinal nos pacientes com SII. Na realidade vários estudos
têm demonstrado que em mais da metade dos pacientes com SII, seus sintomas se
agravam após o consumo de alguns alimentos específicos, tais como trigo e seus
derivados, leite de vaca, molho de soja e ovos. Além disso, outros estudos também
demostraram que a eliminação da dieta dos alimentos, atualmente bem
conhecidos sob a designação de FODMAPs, são eficazes para reduzir os sintomas
da SII. O presente estudo, no entanto, mostrou-se pioneiro e extremamente
importante porque nos fornece suporte para a identificação de manifestações
adversas a determinados alimentos com evidente manifestação de alergia, não
envolvendo os mecanismos clássicos conhecidos, ou seja, de hipersensibilidade
retardada ou mesmo de hipersensibilidade imediata mediada por IgE. Trata-se,
portanto, de um grande avanço para um melhor entendimento das relações entre os
fatores dietéticos e as repostas imunológicas inatas e adaptativas, e suas
respectivas interações com a mucosa intestinal que ocorrem na SII. Consequentemente,
a compreensão das alterações estruturais ocorridas na mucosa do intestino
delgado fornece a possibilidade de proporcionar mais uma alternativa
terapêutica, que até o presente momento não tem se mostrado completamente
eficaz.
Referência
Bibliográfica
1) Annette Fritscher-Ravens e cols. Gastroenterology
2019; 157:109-118.
2) Queneherve L e cols. Gastrointest Endosc 2019;
89:626-36.
3) Martinez
C e cols. Gut 2013; 62:1160-68.
4) Halmos
EP e cols. Gastroenterology 2014; 146:67-75.
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