terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Síndrome do Intestino Irritável: reações atípicas de alergia alimentar não associada com IgE (Parte 2)


Prof Dr Ulysses Fagundes Neto

A revista Gastroenterology em seu número de julho de 2019, publicou este pioneiro e muito estimulante artigo: Many patients with irritable bowel syndrome have atypical food allergies not associated with immunoglobulin E, de autoria Annette Fritscher-Ravens e colaboradores, que a seguir passo a resumir.



Histologia

De uma maneira geral, a morfologia duodenal mostrou-se normal após a ECL e similar aos resultados prévios pré ECL, porém, os LIEs mostraram-se significativamente mais elevados no ECL positivos (média 25.2 +/- 8.4), do que nos ECL negativos (18.7 +/-11.8 p=.03); CS (média 14.4 +/-3.4; p=.001). Os LIEs foram encontrados no topo das vilosidades bem como nos terços superiores laterais das mesmas, e não houve um aparente óbvio gradiente entre esses locais (Suplementos 1 e 2).



Imuno-histoquímica e PCR quantitativo  

Em todas as amostras de biópsias, a expressão claudin-2 nos enterócitos aumentou ao longo do eixo cripta-vilosidade e mostrou-se mais intenso no terço superior da vilosidade (Figuras 3A e 4A), mas não houve diferença significativa entre as amostras ECL positivos e CS. Embora os níveis de transcrição claudin-2 antes da provocação fossem similares no ECL positivos e CS, eles mostraram-se significativamente diferentes nas amostras ECL positivos após a provocação. Em contraste, a expressão da proteína ocludin mostrou-se reduzida nos ECL positivos versus CS (Figura 4B), foi mais intensa nas criptas, e diminuiu de forma uniforme em direção ao topo das vilosidades (Figuras 3B-C e 4C). No topo das vilosidades somente a proteína ocludin mostrou-se significativamente menos intensa nos pacientes ECL comparados com os CS (Figura 4C), enquanto a transcrição total da ocludin permaneceu inalterada imediatamente após a provocação alimentar. Não houve diferenças significativas entre os pacientes que apresentaram reação ao trigo versus os outros antígenos alimentares.



Eosinófilos, Proteína Catiônica Eosinofílica (PCE) e Triptase 

Após a provocação PCE do fluido duodenal mostrou-se significativamente mais alta nos pacientes ECL positivos comparados com CS, mas não com os pacientes ECL negativos (Figura 5).


Antes da provocação os eosinófilos nos tecidos e a triptase no fluido duodenal não mostraram diferenças entre os pacientes ECL positivos ou ECL negativos ou CS, e eles permaneceram inalterados após a provocação. Entretanto, um maior número de eosinófilos degranulados foram observados nos pacientes ECL positivos, ECL negativos e CS (Figura 6).


CONCLUSÃO

Os presentes achados são altamente reminiscentes de uma reação alérgica aos alimentos, a despeito da falta de positividade dos testes IgE específicos e cutâneos aos alergenos incriminados. Neste sentido, eles são clinicamente reminiscentes de sensibilidades alimentares da esofagite eosinofílica ou da hiperreatividade das vias áreas nos pacientes com asma e eosinofilia na saliva, nos quais as respostas de hipersensibilidade são retardadas. Além disso, nestes pacientes o influxo e a ativação dos eosinófilos da mucosa estão associados com uma história pessoal e familiar de atopia. É interessante notar que um mecanismo similar tem sido postulado para alguns pacientes com colite ulcerativa e colite inespecífica, os quais apresentam intolerância alimentar. Nós levantamos a hipótese de que nossos pacientes com SII, apresentam uma forma de alergia alimentar atípica não mediada por IgE envolvendo um aumento da ativação eosinofílica e dos linfócitos intra-epiteliais. Poder-se-ia inquirir porque o trigo mostrou-se o alergeno predominante nestes pacientes. Uma possível explicação poderia ser que o trigo não somente contém uma grande variedade de glúten e especialmente de alergenos proteicos não relacionados ao glúten, mas também os inibidores da tripsina amilase não glúten que ativam os receptores 4toll-like nas células mieloides da mucosa intestinal. Na análise da ECL nos pacientes com SII, nós encontramos que mais de 50% dos pacientes podem apresentar alergia alimentar não clássica com ruptura imediata da barreira intestinal após a exposição com antígenos alimentares. Fragmentos de biópsia duodenal dos pacientes que apresentam respostas aos componentes alimentares durante a ECL tem aumentos imediatos na expressão da claudin-2 e diminuição da ocludin. Os pacientes ECL positivos também apresentaram aumento da degranulação dos eosinófilos, indicando uma alergia alimentar atípica caracterizada por ativação eosinofílica.   

Meus comentários

A SII trata-se de um transtorno gastrointestinal funcional que admite múltiplas etiologias, incluindo reações adversas relacionadas aos alimentos. Vários estudos têm investigado o papel das alergias alimentares nos pacientes com SII, entretanto, os mecanismos íntimos destas reações adversas não foram até o presente momento totalmente elucidados. Está bem estabelecido que alguns alimentos podem deflagrar uma reação imunológica anômala e acarretar um aumento da permeabilidade intestinal nos pacientes com SII. Na realidade vários estudos têm demonstrado que em mais da metade dos pacientes com SII, seus sintomas se agravam após o consumo de alguns alimentos específicos, tais como trigo e seus derivados, leite de vaca, molho de soja e ovos. Além disso, outros estudos também demostraram que a eliminação da dieta dos alimentos,  atualmente bem conhecidos sob a designação de FODMAPs, são eficazes para reduzir os sintomas da SII. O presente estudo, no entanto, mostrou-se pioneiro e extremamente importante porque nos fornece suporte para a identificação de manifestações adversas a determinados alimentos com evidente manifestação de alergia, não envolvendo os mecanismos clássicos conhecidos, ou seja, de hipersensibilidade retardada ou mesmo de hipersensibilidade imediata mediada por IgE. Trata-se, portanto, de um grande avanço para um melhor entendimento das relações entre os fatores dietéticos e as repostas imunológicas inatas e adaptativas, e suas respectivas interações com a mucosa intestinal que ocorrem na SII. Consequentemente, a compreensão das alterações estruturais ocorridas na mucosa do intestino delgado fornece a possibilidade de proporcionar mais uma alternativa terapêutica, que até o presente momento não tem se mostrado completamente eficaz.

Referência Bibliográfica 
 
1)  Annette Fritscher-Ravens e cols. Gastroenterology 2019; 157:109-118.  
2)  Queneherve L e cols. Gastrointest Endosc 2019; 89:626-36.  
3)  Martinez C e cols. Gut 2013; 62:1160-68.
4)  Halmos EP e cols. Gastroenterology 2014; 146:67-75.

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