quarta-feira, 10 de julho de 2019

Pancreatite Aguda na infância: uma atualização do manejo clínico (Parte 1A)


Prof. Dr Ulysses Fagundes Neto

Introdução

O diagnóstico da Pancreatite Aguda (PA) na infância tem aumentado de forma significativa nas últimas décadas. Uma grande diversidade de etiologias pode estar envolvida na PA, incluindo predisposições estruturais/anatômicas, obstrução biliar, trauma, infecções, toxinas, metabólicas, enfermidades sistêmicas, erros inatos do metabolismo e anomalias genéticas (Figuras 1-2).

Figura 1- Anatomia do pâncreas.

Figura 2- Representação esquemática da lesão inflamatória da PA.

Os objetivos desta revisão consistem principalmente em relatar as evidências publicadas no manejo da PA em crianças e fornecer recomendações para uma abordagem unificada como guia de conduta no manejo clínico desta enfermidade.

Diagnóstico e avaliação inicial da PA

Estudos recentes estimam que a incidência da PA alcança aproximadamente 1/10mil crianças por ano. O diagnóstico da PA requer a ocorrência de pelo menos duas características clínicas, a saber:  1) dor abdominal compatível com PA; 2) níveis séricos de amilase ou lipase 3 ou mais vezes superiores aos limites normais; 3) achados de imagem consistentes com PA. Os critérios diagnósticos não especificam as fases da PA, precoce ou tardia, ou seus diversos tipos, tais como, intersticial edematosa, necrotizante, necrose infectada, ou sua gravidade (leve, moderada ou intensa), associada a falência multi-sistêmica do órgão (Figuras 3-4-5).

Figura 3 - Pancreatite aguda edematosa. A,B: Imagens axiais de TC pós-contraste fase venosa mostram aumento pancreático difuso, densificação dos planos adiposos peripancreáticos (setas longas) e acúmulos líquidos agudos no espaço pararrenal anterior esquerdo e na goteira paracólica esquerda (setas curtas), sem áreas de necrose parenquimatosa.
Cunha, EFC; Rocha, MS; Pereira, FP; Blasbalg, R; Baroni, RH. Necrose pancreática delimitada e outros conceitos atuais na avaliação radiológica da pancreatite aguda. Revista do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem. 2014:47-3.

Figura 4 - Pancreatite aguda necrosante. A,B: Imagens axiais de TC pós-contraste fase venosa. Hipocontrastação difusa do colo, corpo e cauda pancreáticos (setas em A), compatível com extensa área de necrose, identificando-se pequena área de parênquima preservado no processo uncinado (seta em B). C,D: Imagens axiais de TC pós-contraste fase venosa. Pancreatite aguda necrosante em mulher de 35 anos. Extensas áreas de necrose parenquimatosa pancreática (setas longas), associadas a áreas de esteatonecrose no espaço pararrenal anterior esquerdo e no mesocólon transverso (setas curtas).
Cunha, EFC; Rocha, MS; Pereira, FP; Blasbalg, R; Baroni, RH. Necrose pancreática delimitada e outros conceitos atuais na avaliação radiológica da pancreatite aguda. Revista do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem. 2014:47-3.

Figura 5 - Pancreatite aguda necrosante infectada. Imagem axial de TC pós-contraste fase venosa mostra área liquefeita no corpo pancreático, compatível com área de necrose, com gás em seu interior (setas) que não delineia nível hidroaéreo, mas se localiza em meio ao líquido, indicando a presença de conteúdo líquido espesso/pus. O gás neste contexto traduz a presença de infecção.
Cunha, EFC; Rocha, MS; Pereira, FP; Blasbalg, R; Baroni, RH. Necrose pancreática delimitada e outros conceitos atuais na avaliação radiológica da pancreatite aguda. Revista do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem. 2014:47-3.

O diagnóstico da PA é clinicamente suspeitado devido à presença de sintomas compatíveis, e confirmado por testes laboratoriais e/ou de imagens. Dor abdominal e/ou irritabilidade são os achados mais comuns na PA, seguidos por dor epigástrica, náusea e vômitos. Nos lactentes e pré-escolares os sintomas podem ser sutis, e, portanto, o diagnóstico requer um alto nível de suspeição (Figura 6).  
Figura 6 – Sintomas principais da PA.

Fatores biliares obstrutivos, medicamentos e enfermidades sistêmicas são as principais causas de PA, e o conhecimento dessas possíveis etiologias servirão para guiar as investigações iniciais (Figura 7).

Figura 7 – Representação esquemática da PA biliar.

Biomarcadores Sorológicos 

Os principais marcadores bioquímicos utilizados para o diagnóstico da PA incluem a lipase e a amilase séricas. A presença de níveis séricos da lipase ou amilase de pelo menos três vezes o limite superior da normalidade é considerado consistente com pancreatite. A lipase é secretada primariamente pelo pâncreas, embora outras fontes de lipase incluem a gástrica e a lingual. Na PA a lipase encontra-se usualmente elevada nas primeiras 6 horas dos sintomas, e, os níveis séricos atingem um pico máximo entre 24 e 30 horas, podendo permanecer elevados por mais de uma semana. Alguns autores advogam que a lipase sérica mesmo na ausência da amilase sérica é suficiente para o diagnóstico da PA, posto que, a lipase é um marcador mais sensível e específico. Além disso, a lipase sérica permanece elevada por mais tempo do que a amilase, a qual é mais útil nos casos de apresentação tardia. A amilase é secretada por vários órgãos, principalmente pelas glândulas salivares e pelo pâncreas. Os níveis séricos da amilase se elevam mais rapidamente do que os níveis séricos da lipase, e, geralmente podem se normalizar em até 24 horas após o início dos sintomas, o que a torna um fator limitante para o diagnóstico da PA nos pacientes que têm uma apresentação retardada da enfermidade.

É importante enfatizar que várias condições clínicas não pancreáticas também podem causar elevações dos níveis séricos da amilase e/ou da lipase, incluindo a insuficiência hepática descompensada, insuficiência renal, inflamação intestinal (incluindo Doença Celíaca e Doença Inflamatória) trauma abdominal, cetoacidose diabética e trauma craniano.      

Diversos testes laboratoriais são úteis na monitoração do curso da PA, tais como: eletrólitos séricos, ureia, creatinina e hemograma, que são importantes para monitorar o estado de hidratação e a função renal. A investigação da função hepática está indicada para se pesquisar a existência de litíase biliar e avaliar o envolvimento do fígado. Níveis séricos do cálcio e dos triglicérides também devem ser levados em consideração na investigação inicial. A monitoração do estado respiratório pode alertar o clínico a respeito da progressão da PA de leve para moderada e de moderada para grave. 

Etiologias

Conforme previamente mencionado as seguintes etiologias de PA têm sido descritas: anatômicas, obstrutivas incluindo as biliares, infecciosas, traumas, tóxicos, metabólicas, sistêmica, erros inatos do metabolismo, predisposições genéticas e idiopáticas. A revisão de Lowe e cols., sumariza as seis mais importantes categorias etiológicas, a saber: idiopática/outras: 24%, trauma 17%, enfermidade sistêmica 15%, anormalidades estruturais 14%, drogas 10% e infecções 8%.

Referências Bibliográficas
1-   Abu-El-Haija, M et al: JPGN 2018;66:159-176.
2-   Lowwe, M & Morinville, V: Textbook of Basic Science 2008:184-92.
3-   Abu-El-Haija, M et al: JPGN 2014;58:689-93.
4-   Suzuki, M et al: Pediatr Int 2015;57:113-8.
5-   Szabo, FK et al: Pancreatology 2016;16:358-64.
6-   Kumar, S et al: JAMA Pediatr 2016;170:562-9.

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