Prof.
Dr Ulysses Fagundes Neto
Introdução
O
diagnóstico da Pancreatite Aguda (PA) na infância tem aumentado de forma
significativa nas últimas décadas. Uma grande diversidade de etiologias pode
estar envolvida na PA, incluindo predisposições estruturais/anatômicas,
obstrução biliar, trauma, infecções, toxinas, metabólicas, enfermidades
sistêmicas, erros inatos do metabolismo e anomalias genéticas (Figuras 1-2).
Figura
1- Anatomia do pâncreas.
Figura
2- Representação esquemática da lesão inflamatória da PA.
Os
objetivos desta revisão consistem principalmente em relatar as evidências
publicadas no manejo da PA em crianças e fornecer recomendações para uma
abordagem unificada como guia de conduta no manejo clínico desta enfermidade.
Diagnóstico
e avaliação inicial da PA
Estudos
recentes estimam que a incidência da PA alcança aproximadamente 1/10mil
crianças por ano. O diagnóstico da PA requer a ocorrência de pelo menos duas
características clínicas, a saber: 1)
dor abdominal compatível com PA; 2) níveis séricos de amilase ou lipase 3 ou
mais vezes superiores aos limites normais; 3) achados de imagem consistentes
com PA. Os critérios diagnósticos não especificam as fases da PA, precoce ou
tardia, ou seus diversos tipos, tais como, intersticial edematosa,
necrotizante, necrose infectada, ou sua gravidade (leve, moderada ou intensa),
associada a falência multi-sistêmica do órgão (Figuras 3-4-5).
Figura 3 - Pancreatite
aguda edematosa. A,B: Imagens axiais de TC pós-contraste fase venosa mostram
aumento pancreático difuso, densificação dos planos adiposos peripancreáticos
(setas longas) e acúmulos líquidos agudos no espaço pararrenal anterior
esquerdo e na goteira paracólica esquerda (setas curtas), sem áreas de necrose
parenquimatosa.
Cunha, EFC; Rocha, MS; Pereira, FP;
Blasbalg, R; Baroni, RH. Necrose pancreática delimitada e outros conceitos
atuais na avaliação radiológica da pancreatite aguda. Revista do Colégio
Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem. 2014:47-3.
Figura 4 - Pancreatite
aguda necrosante. A,B: Imagens axiais de TC pós-contraste fase venosa.
Hipocontrastação difusa do colo, corpo e cauda pancreáticos (setas em A),
compatível com extensa área de necrose, identificando-se pequena área de
parênquima preservado no processo uncinado (seta em B). C,D: Imagens axiais de
TC pós-contraste fase venosa. Pancreatite aguda necrosante em mulher de 35
anos. Extensas áreas de necrose parenquimatosa pancreática (setas longas),
associadas a áreas de esteatonecrose no espaço pararrenal anterior esquerdo e
no mesocólon transverso (setas curtas).
Cunha, EFC; Rocha, MS; Pereira, FP;
Blasbalg, R; Baroni, RH. Necrose pancreática delimitada e outros conceitos
atuais na avaliação radiológica da pancreatite aguda. Revista do Colégio Brasileiro
de Radiologia e Diagnóstico por Imagem. 2014:47-3.
Figura
5 - Pancreatite aguda
necrosante infectada. Imagem axial de TC pós-contraste fase venosa mostra área
liquefeita no corpo pancreático, compatível com área de necrose, com gás em seu
interior (setas) que não delineia nível hidroaéreo, mas se localiza em meio ao
líquido, indicando a presença de conteúdo líquido espesso/pus. O gás neste
contexto traduz a presença de infecção.
Cunha, EFC; Rocha, MS; Pereira, FP;
Blasbalg, R; Baroni, RH. Necrose pancreática delimitada e outros conceitos
atuais na avaliação radiológica da pancreatite aguda. Revista do Colégio
Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem. 2014:47-3.
O
diagnóstico da PA é clinicamente suspeitado devido à presença de sintomas
compatíveis, e confirmado por testes laboratoriais e/ou de imagens. Dor
abdominal e/ou irritabilidade são os achados mais comuns na PA, seguidos por dor
epigástrica, náusea e vômitos. Nos lactentes e pré-escolares os sintomas podem
ser sutis, e, portanto, o diagnóstico requer um alto nível de suspeição (Figura
6).
Figura
6 – Sintomas principais da PA.
Fatores
biliares obstrutivos, medicamentos e enfermidades sistêmicas são as principais
causas de PA, e o conhecimento dessas possíveis etiologias servirão para guiar
as investigações iniciais (Figura 7).
Figura
7 – Representação esquemática da PA biliar.
Biomarcadores
Sorológicos
Os
principais marcadores bioquímicos utilizados para o diagnóstico da PA incluem a
lipase e a amilase séricas. A presença de níveis séricos da lipase ou amilase
de pelo menos três vezes o limite superior da normalidade é considerado
consistente com pancreatite. A lipase é secretada primariamente pelo pâncreas,
embora outras fontes de lipase incluem a gástrica e a lingual. Na PA a lipase
encontra-se usualmente elevada nas primeiras 6 horas dos sintomas, e, os níveis
séricos atingem um pico máximo entre 24 e 30 horas, podendo permanecer elevados
por mais de uma semana. Alguns autores advogam que a lipase sérica mesmo na
ausência da amilase sérica é suficiente para o diagnóstico da PA, posto que, a
lipase é um marcador mais sensível e específico. Além disso, a lipase sérica
permanece elevada por mais tempo do que a amilase, a qual é mais útil nos casos
de apresentação tardia. A amilase é secretada por vários órgãos, principalmente
pelas glândulas salivares e pelo pâncreas. Os níveis séricos da amilase se
elevam mais rapidamente do que os níveis séricos da lipase, e, geralmente podem
se normalizar em até 24 horas após o início dos sintomas, o que a torna um
fator limitante para o diagnóstico da PA nos pacientes que têm uma apresentação
retardada da enfermidade.
É
importante enfatizar que várias condições clínicas não pancreáticas também podem
causar elevações dos níveis séricos da amilase e/ou da lipase, incluindo a insuficiência
hepática descompensada, insuficiência renal, inflamação intestinal (incluindo
Doença Celíaca e Doença Inflamatória) trauma abdominal, cetoacidose diabética e
trauma craniano.
Diversos
testes laboratoriais são úteis na monitoração do curso da PA, tais como:
eletrólitos séricos, ureia, creatinina e hemograma, que são importantes para
monitorar o estado de hidratação e a função renal. A investigação da função
hepática está indicada para se pesquisar a existência de litíase biliar e
avaliar o envolvimento do fígado. Níveis séricos do cálcio e dos triglicérides
também devem ser levados em consideração na investigação inicial. A monitoração
do estado respiratório pode alertar o clínico a respeito da progressão da PA de
leve para moderada e de moderada para grave.
Etiologias
Conforme
previamente mencionado as seguintes etiologias de PA têm sido descritas:
anatômicas, obstrutivas incluindo as biliares, infecciosas, traumas, tóxicos,
metabólicas, sistêmica, erros inatos do metabolismo, predisposições genéticas e
idiopáticas. A revisão de Lowe e cols., sumariza as seis mais importantes categorias
etiológicas, a saber: idiopática/outras: 24%, trauma 17%, enfermidade sistêmica
15%, anormalidades estruturais 14%, drogas 10% e infecções 8%.
Referências
Bibliográficas
1-
Abu-El-Haija,
M et al: JPGN 2018;66:159-176.
2-
Lowwe,
M & Morinville, V: Textbook of Basic Science 2008:184-92.
3-
Abu-El-Haija,
M et al: JPGN 2014;58:689-93.
4-
Suzuki,
M et al: Pediatr Int 2015;57:113-8.
5-
Szabo,
FK et al: Pancreatology 2016;16:358-64.
6-
Kumar, S et al: JAMA Pediatr 2016;170:562-9.
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