Prof.
Dr Ulysses Fagundes Neto
Exames
de Imagens
Estudos
de imagens tornam-se relevantes para documentar a necrose pancreática,
complicações da pancreatite incluindo coleções fluidas, e a etiologia da
pancreatite, tais como, litíase biliar e anormalidades anatômicas. O critério
padrão para o diagnóstico de imagem permanece sendo a tomografia
computadorizada com contraste, e o contraste intravenoso é estratégico para a
distinção de áreas de necrose do pâncreas. Considerando-se que estudos de
imagem muito precoces podem subestimar a extensão da doença, mesmo porque as
complicações se desenvolvem com o passar do tempo, os achados patológicos podem
não estar presentes nas fases iniciais da enfermidade. O estudo da tomografia deve ser idealmente
realizado após 96 horas do início dos sintomas. Nos casos leves a tomografia
pode mostrar um aumento homogêneo do órgão, alterações inflamatórias da gordura
peripancreática ou a presença de fluido circundando o pâncreas. Nos casos graves
a tomografia pode mostrar aumento heterogêneo do órgão, necrose no interior do pâncreas
ou circundando o tecido peripancreático. Além disso a tomografia também pode
identificar coleções de fluido ou pseudocistos (Figura 8).
Figura 8 - Pancreatite
aguda edematosa com pseudocistos. A,B: Imagens axiais de TC pós-contraste fase
venosa mostram alguns pseudocistos comprimindo o parênquima pancreático e
outros na retrocavidade dos epíploons (setas).
Cunha, EFC; Rocha, MS; Pereira, FP;
Blasbalg, R; Baroni, RH. Necrose pancreática delimitada e outros conceitos
atuais na avaliação radiológica da pancreatite aguda. Revista do Colégio
Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem. 2014:47-3.
A
ultrassonografia é usada extensivamente quando se suspeita fortemente de
pancreatite biliar, cuja situação necessita intervenção terapêutica precoce. A
ultrassonografia apresenta excelente perfil de segurança, posto que, não é
invasiva e não utiliza radiação. A utilidade da ultrassonografia pode,
entretanto, estar limitada na avaliação do pâncreas devido a interferência de
outras estruturas, tais como, gás no interior do intestino e obesidade, e, além
disso, apresenta uma baixa sensibilidade em comparação com a tomografia.
A ressonância
nuclear magnética não é classicamente utilizada como uma técnica de imagem inicial
na PA, mas pode ser útil para as complicações tardias. A ressonância magnética
também pode ser mais sensível na avaliação de tecido necrótico em comparação
com a tomografia.
Considerações
no manejo da PA
Manejo
hidroeletrolítico
A
terapêutica fluida intravenosa é um pilar do tratamento durante o episódio da
PA. A recuperação hidroeletrolítica adequada mantém o estado clínico geral do
paciente e sua função renal, mas, recentemente a atenção tem sido focalizada na
utilização de fluidos intravenosos para prevenir complicações potenciais da PA,
tais como, a necrose e a falência do pâncreas. A patogenia da PA e sua
progressão para as formas mais graves é secundária à alteração da
microcirculação do pâncreas devido a uma série de eventos que incluem
hipovolemia, aumento da permeabilidade capilar e formação de microtrombos
(Figura 9).
Figura
9 – Imagem da tomografia computadorizada com contraste evidenciando trombose da
veia porta.
A
reposição fluida além de corrigir a hipovolemia também auxilia na preservação
da microcirculação pancreática provendo perfusão adequada e prevenindo a
possível formação de microtrombos, e, desta forma, prevenindo o surgimento de
complicações e a progressão para doença grave.
Monitoração
das manifestações extra pancreáticas
A
monitoração dos pacientes na PA fornece indicações precisas de possíveis
complicações incluindo a síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SRIS) e a
falência pancreática. A hipovolemia no momento da hospitalização é um forte
preditor de morbidade e mortalidade nos pacientes com PA e parece estar
diretamente relacionada com a intensidade da SRIS. A taquicardia tem sido
utilizada como um sistema de pontuação para prever a gravidade da PA e o seu
retorno ao batimento cardíaco basal tem sido utilizado para comprovar a
reposição adequada de fluido associada a monitoração da diurese e o turgor da
pele. A variação rotineira da função pulmonar deve ser levada a efeito em todos
os pacientes que venham apresentar dificuldade respiratória inexplicada. Lesão
renal aguda devido à síndrome do compartimento abdominal ou devido a lesão do
túbulo contornado proximal causam aumento da ureia e da creatinina séricas, e,
concomitantemente há uma diminuição da diurese o que é uma conhecida
complicação precoce da PA. A determinação dos valores da ureia e da creatinina
séricas são, portanto, importantes marcadores para o seguimento do manuseio da
avaliação fluida e para monitorar a função renal durante as primeiras 48 horas
da evolução da PA.
O
manejo da dor na PA
A
dor abdominal é o sintoma mais comumente presente na PA; cerca de 80% a 95% dos
pacientes queixam-se de dor abdominal. Dor epigástrica está presente entre 62 e
89% e dor difusa entre 12 e 20% dos pacientes. A clássica apresentação de dor
epigástrica com irradiação para as costas ocorre somente entre 1,6% e 5,6% dos
pacientes.
A
fisiopatologia da PA caracteriza-se pela perda da compartimentalização intra e
extra celular, a qual pode resultar a partir de diferentes mecanismos, a saber:
obstrução do transporte secretor pancreático, ativação enzimática, ou
incapacidade de frear a cascata de ativação inflamatória. A PA ocorre em
indivíduos geneticamente susceptíveis nos quais a reação inflamatória provoca a
pancreatite. Este fato, por sua vez estimula os receptores de dor viscerais pancreáticos
e somáticos peritoneais. Outro mecanismo causador de dor na PA se deve a aumento
da pressão no interior da glândula do ducto pancreático com subsequente
isquemia do órgão.
O
controle da dor é um importante ato terapêutico no manuseio da PA, e como os
clássicos analgésicos de ação periférica (tal como o acetaminofeno) são
geralmente insuficientes na pancreatite grave, opiáceos são frequentemente
necessários para controlar a dor. Uma série de estudos concluiu que os opiáceos
devem ser uma escolha apropriada no tratamento da dor relacionada à PA; baseando-se
nesta conduta passa-se a necessitar uma menor quantidade de analgesia
suplementar. Em resumo, a utilização de morfina intravenosa ou outros opioides está
indicada no alívio da dor na PA, naquelas situações em que o uso de
acetaminofeno ou drogas anti-inflamatórios fracassaram.
Nutrição
oral e enteral na PA
Tradicionalmente,
em passado recente, a proposta nutricional no manejo da PA era jejum oral e
nutrição parenteral. A hipótese para justificar tal proposta de pausa
alimentar, devia-se à hipótese de que deveria se dar um descanso ao pâncreas e
que com esta conduta, ocorreria uma cura mais rápida. O racional que embasava
esta teoria seria que a presença do alimento no intestino poderia estimular a
liberação da colecistocinina, a qual por sua vez, estimularia a secreção
enzimática do pâncreas, e, com isso poderia acarretar uma ativação posterior das
enzimas proteolíticas, e, consequentemente exagerar o processo de auto digestão
e um agravo da lesão. Inúmeros estudos realizados em adultos portadores de PA
demonstraram claramente que a nutrição enteral é preferível sobre a parenteral,
e que deve ser utilizada como primeira opção mesmo na presença de fistulas,
ascite, e pseudo cistos.
O
momento indicado para o início da nutrição enteral deve ser o mais precocemente
possível, especialmente tendo como primeiro objetivo prevenir a translocação
bacteriana, e, consequentemente o desenvolvimento da SRIS. A terapia
nutricional precoce é também pretendida para diminuir a resposta de citocinas,
bem como a incidência de gastroparesia e íleo paralitico. Tem sido claramente
demostrado que o início da nutrição enteral dentro das primeiras 48 horas de
apresentação clínica da PA diminui significativamente as taxas de mortalidade,
infecções e falência múltipla dos órgãos em comparação com a nutrição
parenteral. Vale ressaltar que o uso da nutrição enteral deve ser considerado
“como uma intervenção terapêutica ativa para melhorar o desfecho dos pacientes
portadores de PA”.
Nutrição
parental na PA (NP)
A
nutrição parenteral provê os requerimentos calóricos e nutricionais para
compensar o estado catabólico. Uma possível preocupação de que a nutrição parenteral
poderia estimular o pâncreas e, desta forma, resultar em um processo exagerado
de auto digestão não recebeu suporte na literatura. Em todos os casos quando a nutrição enteral
não for possível por um tempo prolongado, tais como íleo paralitico, fistulas
complexas e a síndrome compartimental do abdome, a nutrição parenteral tem sido
indicada. Por outro lado, estudo recente propõe um retardo no início da
nutrição parenteral em até 7 dias nas crianças gravemente enfermas, devido ao
aumento do risco de infecção e aumento das taxas de complicação, quando a
nutrição parenteral se iniciou dentro das primeiras 24 horas de internação.
Uso
de antibióticos na PA
O
racional para considerar o uso de antibiótico no manejo da PA relaciona-se à preocupação
de infecção bacteriana devido a translocação da microbiota intestinal. Imipenem
e/ou cefalosporinas de terceira geração têm sido os antibióticos historicamente
mais utilizados na tentativa de reduzir a morbidade e a mortalidade. A
abordagem profilática é controvertida posto que estudos prévios sugerem algum
benefício, mas, por outro lado, novos estudos não têm demonstrado benefício do
uso rotineiro de antibioticoterapia na ausência de infecção documentada.
Recentemente, estudos de meta análise dão suporte ao uso de antibióticos no
caso de pancreatite necrotizante infectada, porém, não naqueles casos de
necrose estéril; a necrose infectada deve ser suspeitada quando o estado
clínico do paciente se agrava associado a febre ou na presença de gás no
interior de coleções detectada em estudos de imagem. No caso da pancreatite
necrotizante são recomendados antibióticos que conhecidamente penetram no
tecido necrótico, tais como, carbapenens, quinolonas e metronidazol, posto que,
o uso de antibióticos nesta situação tem sido demonstrado com capacidade de
postergar intervenções cirúrgicas e diminuem a morbidade e a mortalidade.
Papel
da Cirurgia na PA
Intervenções
cirúrgicas não fazem parte do algoritmo do manuseio de um episódio típico de
PA. Uma indicação precoce de cirurgia inclui o manejo da síndrome compartimental
do abdome. O manejo da necrose pancreática com indicação de necrosectomia
precoce dentro das primeiras 72 horas tem, entretanto, sido demonstrado
acarretar aumento da morbidade e da mortalidade em comparação com esta
intervenção de forma tardia além dos 12 dias de enfermidade.
Há
recomendação para intervenção precoce para realização de colecistectomia
durante a hospitalização devido a um episódio de pancreatite por litíase
biliar, e, há também uma discussão quanto ao momento da possibilidade de
indicação da colecistectomia versus outras opções terapêuticas nos casos de PA
grave, especialmente na presença de necrose.
As
indicações para intervenção cirúrgica aguda incluem trauma abdominal, quando o
paciente apresenta instabilidade clínica e/ou na busca de uma lesão associada a
outro órgão. No contexto da pancreatite biliar a colecistectomia tem sido
considerada não somente segura, mas também profilática para evitar futuros episódios
de PA. A colicistectomia pode ser realizada de forma segura antes da alta
hospitalar nos casos de pancreatite biliar aguda não complicada. No manejo das
coleções necróticas agudas, as intervenções devem ser evitadas e postergadas
mesmo na necrose infectada, posto que os desfechos são melhores quando a
abordagem é postergada além de 4
semanas. Quando a drenagem ou a necrosectomia é necessária, abordagens não
cirúrgicas incluindo endoscopia ou métodos percutâneos são preferíveis em
comparação com cirurgias abertas de necrosectomia
ou drenagem de pseudocísticos.
Expectativas
da Evolução e Prognóstico da Pancreatite Aguda
De
uma maneira geral as expectativas da evolução da PA na infância são mais
favoráveis do que aquelas esperadas para os adultos. O tempo médio de hospitalização
na PA varia de 2,8 a 8 dias. Vale ressaltar que lactentes e pré escolares
apresentam uma tendência de hospitalizações mais prolongadas, em média 20 dias.
O início precoce da nutrição enteral e a rehidratação vigorosa tem sido ligada
a um tempo mais curto de hospitalização, menores taxas de admissão a UTI e
menores índices de gravidade da enfermidade do que os pacientes que são
mantidos em jejum oral. As maiores taxas de mortalidade estão associadas com
enfermidades sistêmicas, mas em geral, essas taxas são baixas (menores de 5%).
As
complicações precoces da PA incluem disfunções multiorgânicas ou choque.
Coleções líquidas agudas peripancreáticas são vistas na fase aguda da PA e
tendem a serem solucionadas espontaneamente. A frequência da formação de pseudo
cisto varia de 8 a 41% na PA, e as taxas mais altas são observadas nos
pacientes que sofrem de pancreatite relacionada a trauma abdominal. Os pseudocistos
são geralmente assintomáticos e podem ser conduzidos conservadoramente ou, por
outro lado, podem aumentar de tamanho e causar dor abdominal, vômitos e febre.
Os pseudocistos também podem se tornar infectáveis entre 10 a 15% dos casos.
Uma outra complicação tardia da PA, refere-se à necrose pancreática. A necrose
pancreática pode se manifestar inicialmente como uma coleção necrótica aguda e
posteriormente evoluir para necrose encapsulada. As opções de tratamento de
drenagem dos pseudocistos e da necrose encapsulada incluem drenagem
endoscópica, drenagem percutânea por cateter ou cirurgia laparoscópica (Figura 10).
Figura
10 - Necrose pancreática delimitada (walled-off
pancreatic necrosis). A,B: Imagens axiais de TC pós-contraste fase venosa.
Evolução de pancreatite aguda necrosante. A: Extensa necrose do corpo e cauda
pancreáticos de limites indistintos e com aspecto sólido (seta). B: Após duas
semanas já pode ser identificada delimitação da área de necrose com aspecto
liquefeito e com restos necróticos no seu interior (seta). C,D: Imagens axial
(C) e coronal (D) de TC pós-contraste fase venosa. Homem de 42 anos com área de
necrose parenquimatosa circunscrita substituindo corpo e cauda do pâncreas
(setas), após três semanas da instalação do episódio de pancreatite aguda
necrosante.
A técnica escolhida depende do tamanho,
localização, anatomia e dos riscos-benefícios do procedimento, embora a
drenagem percutânea e a transgastrointestinal guiada tem sido ultimamente as
mais universalmente aceitas.
Aproximadamente
de 15 a 35% das crianças que sofrem de PA irão apresentar uma nova crise de
pancreatite.
A
Tabela abaixo apresenta um resumo das recomendações do manejo da PA nas
crianças.
Referências
Bibliográficas
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M & Morinville, V: Textbook of Basic Science 2008:184-92
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