segunda-feira, 17 de junho de 2019

Doença do Refluxo Gastroesofágico: uma atualização da apresentação, prevalência, fisiopatologia, diagnóstico e tratamento (Parte 4 - B)

Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

Manejo invasivo da DRGE

Cirurgia Antirrefluxo     

A indicação da cirurgia antirrefluxo (CAR), após alcançar um pico em 2009, diminuiu significativamente na última década, como resultado de uma diminuição do entusiasmo tanto dentre os médicos quanto aos pacientes. Considerando-se um paciente médio a CAR é buscada seguindo três possibilidades: (a) como uma opção de manejo de longo termo da DRGE sobrepondo-se ao tratamento médico, (b) devido à persistência de sintomas comprovados da DRGE ou a existência de lesão na mucosa esofágica a despeito do tratamento clínico máximo e (c) quando há uma ruptura estrutural significativa na junção esofagogástrica (por exemplo, uma grande hérnia de hiato).

A CAR verdadeiramente reduz os sintomas nos pacientes com DRGE comprovada, posto que 90% dos pacientes apresentam-se livre dos sintomas em até 10 anos de seguimento. Por outro lado, a CAR pode estar associada com distensão abdominal incômoda, relacionada à incapacidade de eliminar o ar deglutido e, também, com uma percepção aumentada de distensão gástrica. Disfagia precoce é comum durante as 4-6 primeiras semanas após a cirurgia, e a persistência da disfagia além de 12 semanas, pode ser consequência de anormalidades morfológicas na junção esofagogástrica, ou disfunção motora esofágica. A reoperação esofágica é relatada em até 16% dos casos em virtude da recorrência dos sintomas da DRGE ou por disfagia. Quando ocorre um fracasso da fundoplicatura, as razões frequentemente incluem equívoco na indicação, avaliação incompleta pré-operatória e a técnica cirúrgica inapropriada.

Aumento Magnético do Esfíncter

Um bracelete magnético de titânio encapsulado pode ser cirurgicamente implantado ao nível da junção esofagogástrica para aumentar o tônus do esfíncter esofágico inferior nos pacientes com DRGE sintomática. O bracelete permite a abertura do esfíncter para a passagem do alimento, porém, evita o movimento retrógrado do conteúdo gástrico. O tamanho do bracelete pode ser adaptado para encaixar de forma individual na circunferência da junção esofagogástrica, e pode ser implantado laparoscopicamente com mínimas complicações intraoperatórias. O bracelete de titânio encapsulado pode, portanto, ser uma alternativa viável à cirurgia antirrefluxo, para os pacientes com a DRGE bem documentada, particularmente nos pacientes com regurgitação e que não apresentam uma ruptura estrutural significativa da junção esofagogástrica ou uma disfunção motora do corpo esofágico. Entretanto, as consequências de longo termo da implantação do bracelete de titânio devem ser mais bem compreendidas.

Terapêutica Endoscópica

Ao longo dos últimos 20 anos, inúmeros estudos foram realizados em relação às várias formas de intervenção endoscópica no manejo da DRGE, porém, a maioria delas foi abandonada em virtude de falta de eficácia e/ou complicações indesejáveis. Atualmente, somente 2 intervenções endoscópicas encontram-se disponíveis: a) aplicação de radiofrequência ao nível da junção esôfago gástrica e (b) fundoplicatura transoral desprovida de incisão.

Não respondedores ao Inibidores de Bomba de Próton (NR-IBPs)  

Cerca de até 40% dos pacientes que sofrem de azia apresentam uma resposta incompleta ou falta de resposta à medicação com o IBP ingerido uma vez ao dia.

O aumento da adesão e a garantia de ser administrada uma dose apropriada do IBP são importantes estratégias para reduzir o uso abusivo de doses duplas do IBP (Figura 1).


Otimização

A percepção da gravidade dos sintomas da DRGE, o número de comprimidos consumidos ao dia, a idade, o sexo e o status social dos pacientes, aliados a outros fatores comprometem a adesão ao tratamento com os IBPs. A otimização da dosagem do IBP é parte integral do manejo dos pacientes que relatam uma resposta parcial ou mesmo ausência de resposta com a utilização da dose padrão do IBP; o aumento da adesão é necessário para obter os benefícios máximos destes medicamentos. Dividindo a dose padrão de um IBP, demonstrou-se ter um controle maior do pH intragástrico. Um dado muito importante é que a dose dividida fornece um melhor controle do pH intragástrico à noite.

Comorbidades psicológicas, estresse e hipervigilância são fatores que exacerbam os sintomas e necessitam, portanto, de maiores cuidados de saúde e afetam a resposta ao tratamento com o IBP. Intervenções precoces devem, portanto, ser consideradas naqueles pacientes que relatam resposta parcial ou ausência de resposta ao tratamento com o IBP. Entretanto, quando os sintomas persistem à despeito da otimização da terapia com o IBP uma vez ao dia, uma estratégia aconselhada é aumentar a dose para 2 vezes ao dia, e, com este procedimento, em geral se obtém alívio dos sintomas.

DRGE refratária versus Azia refratária         
   
A DRGE refratária e a azia refratária têm sido utilizadas de forma intercambiável como consequência a um fracasso na resposta ao tratamento com os IBPs ingeridos em dose dupla diariamente. Entretanto, embora os termos representem cenários clínicos diferentes, são constituídos por grupos de pacientes não necessariamente diferentes. A DRGE refratária é definida pelos sintomas causados pelo refluxo do conteúdo gástrico, mas que não respondem a uma dose dupla dos IBPs durante um período de 12 semanas de tratamento. A ênfase desta definição se baseia nos sintomas (azia e regurgitação) que estão claramente relacionados com o refluxo gastroesofágico. Para estes pacientes devem ser buscadas modificações no estilo de vida, dose apropriada do IBP, sua adesão ao tratamento, comorbidades psicológicas e sobreposição com transtornos esofágicos funcionais ou outros transtornos digestivos funcionais. A azia refratária, por outro lado, pode ser causada por vários mecanismos, tanto na ausência exclusiva da DRGE como associada à DRGE. A azia refratária é definida como aquela azia que não responde a uma dose dupla do IBP durante um período de 12 semanas de tratamento. Possíveis mecanismos de fracasso no tratamento incluem falta de adesão, dose inapropriada, redução da biodisponibilidade, rápido metabolismo do IBP, esofagite eosinofílica, dismotilidade esofágica, esvaziamento gástrico retardado, transtornos digestivos concomitantes e comorbidades psicológicas.

Transtornos esofágicos funcionais   
 
A azia funcional consiste em queimação retroesternal com desconforto ou dor, com ausência do alívio dos sintomas a despeito de um tratamento anti-secretor ótimo.

Manejo da azia refratária   

A avaliação da azia refratária tipicamente se inicia com a realização da EDA associada à biópsia para excluir esofagite eosinofílica.  No caso de a biópsia endoscópica ser negativa, os pacientes devem ser submetidos a monitoração ambulatorial para o refluxo, a qual pode ser realizada pela impedancio-pHmetria ou mesmo a pHmetria prolongada monitorada com uma cápsula de pH wireless.

 Tratamento dos transtornos esofágicos funcionais.

Todos os pacientes portadores de transtornos esofágicos funcionais devem ser tranquilizados a respeito da natureza benigna dos seus sintomas. A maioria dos pacientes requer intervenção terapêutica, e, alguns podem necessitar um manejo mais aprofundado por psiquiatras, medicina alternativa, acupuntura ou por outros experts da medicina funcional (Tabela 3).


Conclusões     

As estratégicas atualmente disponíveis, para o manejo da DRGE têm se baseado durante muitas décadas no desenvolvimento de medicamentos farmacêuticos e não farmacológicos, que têm considerado os riscos, embora limitados, da supressão crônica de ácido. Tem ocorrido um reconhecimento crescente de que os transtornos esofágicos funcionais são os mecanismos mais importantes da azia persistente. Os princípios básicos dos manejos da DRGE são os seguintes, a saber: utilização dos IBPs somente  quando necessário, na menor dose que possibilite controlar os sintomas; otimização do tratamento quando os sintomas persistem a despeito do uso de dose única diária do IBP nos pacientes com DRGE comprovada; indicação de EDA e testes da função esofágica para determinar os mecanismos de geração dos sintomas, quando da persistência dos mesmos, a despeito do tratamento ótimo com o IBP ter sido proposto; considerar outros tratamentos clínicos, cirurgia antirrefluxo, ou intervenções endoscópicas, para os pacientes incapazes de tolerar ou que não desejam utilizar a supressão ácida. Neuromoduladores são os pilares básicos no manejo dos transtornos esofágicos funcionais.  

Referências Bibliográficas
1-  Gyawall CP & Fass R – Gastroenterology 2018;154:302-18
2-  Roamn S et al – Neurogastroenterol Motil 2017;29:1-15
3-  Fujwara Y et al – Gastroenterol Clin North Am 2013;42:57-70
4-  El-Serag H – Dig Dis Sci 2008;53:2307-12


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