terça-feira, 11 de junho de 2019

Doença do Refluxo Gastroesofágico: uma atualização da apresentação, prevalência, fisiopatologia, diagnóstico e tratamento (Parte 4 - A)


Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

Parte 4: Tratamento 

Estilo de vida

Medidas de estilo de vida para reduzir os sintomas do refluxo devem ser planejadas concomitantemente às manifestações clínicas e devem ser recomendadas para todos os pacientes com a DRGE. Infelizmente, muitas instruções não são claramente definidas pelos profissionais da saúde para promover as modificações no estilo de vida, ou então, são oferecidas aos pacientes apenas listas impressas das atividades que devem ser seguidas, tais como, itens de alimentos a serem evitados, as quais os pacientes, em geral, encontram dificuldades para serem adotadas. Alguns pacientes relatam que certos alimentos específicos induzem aos sintomas da DRGE, incluindo cítricos, alimentos picantes, cafeína, chocolate e alimentos gordurosos. Entretanto, uma longa lista de restrições dietéticas apresenta um valor limitado na redução dos sintomas esofágicos.

A associação entre ganho de peso e sintomas da DRGE está bem estabelecida nos estudos populacionais; ganho de peso está também associado com o risco aumentado de esofagite erosiva e esôfago de Barret. Até mesmo modesto ganho de peso pode exacerbar os sintomas da DRGE, tanto em indivíduos não obesos como em obesos, particularmente nas mulheres. Consequentemente, a perda de peso e a redução da circunferência da cintura têm sido demonstrados como fatores de redução da DRGE, exposição ácida ao esôfago e eventos de refluxo pós-prandial.

Em virtude de os sintomas terem o costume de se exacerbar no período noturno, causando um fracasso no tratamento da DRGE, deve-se enfatizar as modificações no estilo de vida nos horários noturnos. A elevação da cabeceira da cama reduz os episódios de refluxo por proporcionar uma depuração ácida mais rápida e um menor número de sintomas de refluxo, quando comparada com a posição horizontal da cama. O tempo de exposição de ácido no esôfago é mais longo e a depuração de ácido é mais vagarosa quando o indivíduo se deita sobre o seu lado direito em comparação com o lado esquerdo, possivelmente porque a junção gastresofágica encontra-se acima do nível do pool de ácido, quando o indivíduo se deita sobre o lado esquerdo.

Inibidores da Bomba de Próton (IBP)

Os IBPs são os pilares do manejo terapêutico da DRGE, porque provocam o bloqueio, de forma irreversível, da bomba de próton presente nas células parietais do estômago. Os efeitos não são imediatos porque os IBPs necessitam se concentrar no canalículo secretor de ácido da célula parietal, antes de inibir a bomba de próton. A produção de ácido é suprimida até que novas bombas de próton se regenerem, por essa razão o IBP deve ser administrado todos os dias para poder, assim, assegurar uma supressão ácida continuada. Os IBPs não afetam os mecanismos fisiopatológicos do refluxo, nem tampouco reduzem os números dos eventos de refluxo; ao contrário, eles alteram o pH do material refluído tornando-o fracamente ácido ou alcalino. Para se obter uma ótima eficácia os IBPs devem ser ingeridos de 30 a 40 minutos antes das refeições.

Os sintomas típicos da DRGE são reduzidos por meio do tratamento com o IBP. Esse fato levou à prática de um ensaio terapêutico com IBP, ao invés de se realizar testes de investigação esofágica, nos pacientes que se queixam de azia desprovidos de sintomas de alarme (Tabela 1).

O tratamento com o IBP de forma esporádica pode reduzir o ônus da utilização diária do medicamento para os pacientes, mas pode levar a uma satisfação sub-ótima no manejo dos sintomas, quando comparado com o tratamento contínuo com o IBP. A monitoração do pH esofágico nos pacientes com a DRGE bem definida, demonstrou um aumento do agravo de ácido no esôfago, nos dias em que os IBPs não foram administrados, em comparação com o tratamento contínuo.

A redução da dose do IPB para dias alternados ou sob demanda deve ser considerada analisando-se caso a caso; este tipo de tratamento mais provavelmente é benéfico para os pacientes que não apresentam esofagite erosiva de alto grau ou outras complicações da DRGE, tais com esôfago de Barret ou estenose péptica.

O uso a longo prazo do IBP tem sido implicado com vários efeitos adversos em grandes estudos populacionais, incluindo entre eles, diminuição da absorção de micronutrientes, infecções gastrointestinais e pulmonares, osteoporose e fraturas ósseas, ataque cardíaco, doença renal e demência.   Entretanto, nenhum estudo prospectivo corretamente desenhado confirmou a causa e o efeito entre o uso do IBP e o surgimento destes efeitos adversos. Mais ainda, o uso do IBP adquirido sem receita médica, segundo a opinião de experts da área, não mascara os sintomas de doenças gastrointestinais graves tais como as neoplasias (Tabela 2).


Os IBPs têm demostrado uma clara vantagem no tratamento das síndromes que apresentam lesão da mucosa ou nas apresentações clínicas típicas da DRGE. A abordagem terapêutica inicial com o IBP demonstrou-se ter custo benefício positivo. Após a abordagem exitosa com o IBP, em nível secundário pode-se propor a incorporação dos antagonistas de receptores de H2.

Antagonistas do Receptor de H2 (H2RAs)

Os H2RAs bloqueiam as secreções ácidas competindo com os receptores de histamina na célula parietal gástrica. Os H2RAs promovem a cura em 41% dos pacientes com esofagite em comparação de 18% a 20% com placebo; ocorreu alívio da azia de 48% a 56% nos pacientes após 4-12 semanas de tratamento com os H2RAs. Há uma relação direta entre a dose dos H2RAs e o grau da cura esofágica, pois doses mais altas são mais eficazes do que as doses mais baixas. Entretanto, de uma maneira geral, as H2RAs são menos eficazes do que o tratamento com o IBP. As H2RAs são majoritariamente utilizadas como um degrau abaixo no tratamento para os pacientes com sintomas não complicados da DRGE, logo após a remissão dos sintomas induzida pelos IBPs. Entretanto, a terapêutica seguindo um degrau abaixo é geralmente apenas recomendado para os pacientes que não apresentam esofagite erosiva ou esôfago de Barret; nestes pacientes, o valor do tratamento continuado com o IBP é considerado ser mais significativo do que aquele com os H2RAs.

A adição dos H2RAs ao regime terapêutico com os IBPs, pode melhorar o controle da acidez gástrica com uma duração mais prolongada de pH intragástrico acima de 4, quando comparado ao IBP isoladamente. Os H2RAs, portanto, tem sido utilizados como um regime terapêutico auxiliar ao IBP, naqueles pacientes cujos sintomas não respondem adequadamente ao tratamento com o IBP.

Medicamentos auxiliares

Antiácidos são basicamente compostos de alumínio, cálcio ou magnésio primariamente utilizados em um manejo de sintomas esofágicos intermitentes, particularmente azia. A sua maior vantagem refere-se ao rápido alívio dos sintomas, porém, os antiácidos não fornecem alívio sintomático prolongado, cura da esofagite erosiva, nem tampouco previne complicações da DRGE.

Alginatos, são polissacarídeos presentes na parede celular de algas marinhas, que em meio aquoso podem formar uma solução coloidal viscosa ou um gel, que são particularmente úteis para a neutralização de uma bolsa de ácido, a qual consiste em uma camada de sobrenadante ácido no estômago proximal localizado acima do alimento ingerido. Alginato quando utilizado em combinação com um antiácido, provoca uma maior redução da azia e pode aumentar o controle dos sintomas em relação ao uso isolado dos IBPs.

Agentes pró-cinéticos (metoclopramida, domperidone, mozapride) em algumas ocasiões são considerados para o tratamento de pacientes com sintomas da DRGE, supostamente por aumentar o tonus basal do esfíncter esofágico inferior, facilitar a depuração esofágica do material refluído, e acelerar o esvaziamento gástrico. Entretanto, estudos de meta análise, randomizados, encontraram somente modestos alívios nos escores dos sintomas quando os pro-cinéticos foram acrescentados ao tratamento com o IBP. A combinação não aumentou o nível de cura da esofagite erosiva, nem tampouco melhorou o desempenho da motilidade esofágica, e, por outro lado, aumentou o risco de eventos adversos colaterais. É mais provável que esses agentes sejam benéficos primariamente na DRGE devido a um retardamento do esvaziamento gástrico, o que foi documentado por testes objetivos.

Referências Bibliográficas
1-  Gyawall CP & Fass R – Gastroenterology 2018;154:302-18
2-  Roamn S et al – Neurogastroenterol Motil 2017;29:1-15
3-  Fujwara Y et al – Gastroenterol Clin North Am 2013;42:57-70
4-  El-Serag H – Dig Dis Sci 2008;53:2307-12

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