segunda-feira, 13 de maio de 2019

Doença do Refluxo Gastroesofágico: uma atualização da apresentação, prevalência, fisiopatologia, diagnóstico e tratamento (Parte 3 - B)

Parte 3: Avaliação dos testes diagnósticos tradicionais e das novas propostas


Teste da pHmetria de 24 horas

O teste padrão de monitoração do pH mensura a exposição de ácido no esôfago distal, utilizando-se um eletrodo de pH acoplado distalmente a um cateter, o qual é introduzido através do nariz e posicionado 5cm acima da margem superior do esfíncter esofágico inferior, determinado por meio da manometria. Cateteres múltiplos possuem eletrodos de pH adicionais localizados mais proximalmente no esôfago, com ou sem eletrodo de pH gástrico. Estes eletrodos permitem a detecção dos eventos de refluxo ácidos no esôfago proximal e/ou na faringe, e, também, avaliam o grau de supressão do ácido gástrico. Este tipo de teste pode ser útil na avaliação dos sintomas extra-esofágicos da DRGE, particularmente, laringite, tosse crônica e asma.

Em virtude das limitações inerentes à monitoração do pH baseando-se no cateter acoplado a uma cápsula de pH wireless foi criada em 2003. Esta cápsula é colocada no esôfago distal e, a partir deste ponto, transmite as mensurações do pH para um dispositivo de gravação colocado na cintura do paciente. Este tipo de captação, além de ser desprovida de fios, permite gravar as medidas de pH por 48 a 96 horas. Este tipo de cápsula de pH detecta eventos de refluxo em níveis mais elevados de sensibilidade devido à monitoração mais prolongada (Figura 2A).


O racional para a realização dos testes de pHmetria, antes do tratamento cirúrgico ou endoscópico, baseia-se na garantia da evidência objetiva da existência de um refluxo patológico.

Monitoração de episódios fracamente ácidos ou não ácidos

Após as refeições ou durante o tratamento com o IBP, a maioria dos episódios de refluxo são fracamente ácidos ou não ácidos, porém, estes episódios podem provocar sintomas típicos ou atípicos de refluxo. O refluxo não ácido é difícil de ser detectado pela pHmetria. A monitoração esofágica pela impedanciometria permite a detecção de eventos de refluxo independentemente do pH. A monitoração da impedância e do pH, geralmente são realizadas em combinação, e uma distinção pode ser feita entre os episódios de refluxo, a saber: ácido (pH <4 4="" 7="" alcalino="" cido="" e="" entre="" fracamente="" ph="">7). Esta técnica também permite distinguir a composição do refluxo (ar, líquido ou misto), extensão proximal e os tempos de depuração (Figuras 2B e 2C).

O teste da impedancio-pHmetria é considerado o método mais acurado e detalhado para avaliar o refluxo gastroesofágico e aumenta o rendimento da monitoração do refluxo nos pacientes com DRGE. Os traçados da impedancio-pHmetria devem ser analisados de uma forma quantitativa em busca de um número aumentado de episódios de refluxo (ácido e não ácido), exposição prolongada ao ácido, volume, ou número aumentado de eventos de refluxos proximais. 

Análise da associação de sintomas

Além da mensuração quantitativa da exposição do esôfago ao ácido ou não ácido, a monitoração do pH e da impedância permitem a avaliação das associações entre os sintomas relatados e os eventos de refluxo ácido ou não ácido. O índice de sintomas (IS) e a probabilidade de associação de sintomas (PAS) são os índices mais comumente utilizados. O IS calcula a porcentagem de episódios de sintomas relacionados ao refluxo durante o período de estudo. O PAS é calculado baseando-se na construção de uma tabela de contingências 2x2 de eventos de sintomas e de refluxo. Este índice é atualmente mais comumente utilizado na pesquisa e na prática clínica, a despeito da limitação de informação acerca da sua acurácia. Os critérios de Roma IV recomendam a utilização do PAS para diferenciar a hipersensibilidade ao refluxo do transtorno funcional, a despeito da falta de resposta ao tratamento com o IBP e os parâmetros fisiológicos normais de refluxo em ambos os grupos. Por outro lado, deve-se levar em consideração as limitações da utilização do PAS considerando-se que escores positivos do PAS nos pacientes que não respondem ao tratamento com o IBP, e apresentam resultados normais pela monitoração ambulatorial do refluxo esofágico, não devem ser utilizados para uma possível indicação no tratamento da DRGE.          

Novos parâmetros da impedanciometria

Outros parâmetros da impedanciometria, além do número de episódios de refluxo ou do volume de exposição, podem ser considerados, tais como: movimentação de gás, a impedância basal e a onda peristáltica pós-refluxo induzida pela deglutição, formas recentemente propostas para aumentar o rendimento diagnóstico da DRGE. A impedanciometria permite um rastreamento preciso do movimento do ar intra-esofágico e a distinção entre a típica eructação gástrica da eructação supra gástrica. Nos pacientes portadores de DRGE a eructação supra gástrica é comum. Além disso, em muitos pacientes portadores da DRGE a eructação supra gástrica também pode provocar refluxo ácido e, desta forma, contribuir para a exposição ácida esofágica total.

A análise dos traçados da monitoração impedancio-pHmetria permite a mensuração da impedância basal, ou seja, valores da impedância estável na ausência da deglutição, eructação ou alterações da impedância induzidas pelo refluxo. Valores basais da impedância correlacionam-se com o estado de integridade da mucosa esofágica. Valores basais baixos da impedância, estão associados com aumento da exposição ácida e sensibilidade ao ácido. Desde um ponto de vista diagnóstico, a impedância basal encontra-se normal nos pacientes com azia funcional. Valores baixos da impedância basal são observados nos pacientes com esofagite erosiva, esôfago de Barret, EEo, ou estase do bolus, secundários a transtornos de motilidade esofágica. Alterações da impedância também podem ser utilizadas como medida da depuração esofágica associada ao peristaltismo. O refluxo gastroesofágico é seguido por um reflexo induzido pela deglutição ou por peristaltismo secundário. O efeito da depuração da atividade peristáltica pode ser medido por meio das alterações da impedância após o refluxo.

Novas Técnicas

Impedanciometria da mucosa esofágica

Uma importante observação clínica obtida a partir da monitoração da impedancio-pHmetria, foi a de que em pacientes com DRGE grave a análise da mensuração da impedanciometria ambulatorial não se mostrava confiável, porque os valores basais eram muito baixos para serem interpretados com acurácia. Este conceito deflagrou o desenvolvimento da impedanciometria da mucosa esofágica (IM). A IM envolve a colocação endoscópica de uma sonda através do canal endoscópico de trabalho e que faz contato direto com a mucosa esofágica. Esta sonda é utilizada para mensurar a impedância ao longo da mucosa, por tempo prolongado, sem a necessidade de se ter um incômodo cateter instalado no esôfago, durante a noite. O IM permite a diferenciação da DRGE, ambas erosivas e não erosivas, da EEo, acalasia, e do esôfago sadio (Figuras 3A e 3B).


A mensuração do IM se correlaciona inversamente com a contagem de eosinófilos. Estudos de validação demonstraram que a IM era mais baixa nos locais da DRGE erosiva, do que nas áreas não erosivas, e que os valores de impedância aumentavam gradualmente desde o esôfago distal para o proximal, nos pacientes com DRGE, mas não nos indivíduos com ausência da DRGE. Mais ainda, a IM detecta a DRGE com maior especificidade do que a monitoração do pH (95% x 64%) e com valores preditivos positivos mais altos (96% x 40%) (Figura 3B).

A IM normaliza-se nos pacientes com DRGE submetidos a tratamentos com supressão ácida, e, portanto, a mensuração da IM determina as alterações causadas pela DRGE, as quais são reversíveis com o tratamento específico. Vale ressaltar que estudos recentes indicam que a IM pode ser usada para distinguir entre pacientes com DRGE x azia funcional.

Imagem da banda estreita (IBE)

A IBE utiliza um filtro de espectro de banda estreita para visualização dos padrões da mucosa e da sua microvascularização. A IBE aumenta o contraste e permite a detecção de alterações na microvascularização da mucosa de pacientes com DRGE. A IBE endoscópica tem permitido a identificação de pequenas alterações, tais como as da superfície vilositária da mucosa, ilhas da mucosa, microerosões, e vascularização aumentada na junção escamosa colunar. A IBE é, portanto, utilizada para detectar a DRGE, e determinar a regressão da DRGE após tratamento com o IBP.

Futuros caminhos

Os testes diagnósticos atuais para a DRGE permitem a determinação de diferentes fenótipos nos pacientes com sintomas de refluxo, tais como a doença erosiva e a doença não erosiva, a hipersensibilidade esofágica e a azia funcional. Estas classificações são baseadas nos achados endoscópicos e na monitoração do refluxo. A distinção entre hipersensibilidade esofágica e azia funcional depende das análises encontradas na relação refluxo/sintomas (Índices IS e PAS), que são de certa forma subjetivos.

Técnicas mais aprimoradas são necessárias para determinar os fenótipos dos pacientes com a DRGE não erosiva e confirmar o diagnóstico da DRGE relacionada com os sintomas extra-esofágicos. A identificação de fenótipos corretos afeta, e muito, as opções terapêuticas para os pacientes. A hipersensibilidade ao refluxo poderia produzir o mesmo fenótipo tal qual aquele da azia funcional, nos tratamentos ambos com moduladores da dor. A cirurgia antirrefluxo deve ser reservada para pacientes com esofagite erosiva e para pacientes com a verdadeira esofagite não erosiva. Igualmente, o tratamento clínico ou cirúrgico antirrefluxo somente deve ser indicado para os pacientes com sintomas extra-esofágicos, no caso de o refluxo ter sido objetivamente identificado como a causa de tais sintomas, na ausência de outras causas potencialmente identificáveis, especialmente nos pacientes que respondem ao tratamento com o IBP.    

Referências Bibliográficas

1-  Vaezi MF & Sifrim D - Gastroenterology 2018;154:289-301
2-  Zerbibi et al – Clin Gastroenterol Hepatol 2013;11:366-372
3-  Vieth et al -Clin Gastroenterol Hepatol 2016;14:1544-1551
4-   Vakil et al – Aliment Pharmmacol Ther 2017;45:1350-1357      

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