Isabela
T. Mazzei e Ulysses Fagundes Neto
5- Transtornos
Funcionais da Evacuação
5A-
Constipação Funcional (CF)
Uma revisão sistemática comprovou que a
prevalência média e a mediana da CF em crianças é de 14% e 12%,
respectivamente. O pico da incidência da constipação ocorre por ocasião do
treinamento esfincteriano, não há diferenças entre os sexos, e está demonstrado
que os meninos com constipação apresentam taxas mais elevadas de incontinência
fecal do que as meninas.
Em virtude da retenção das fezes, a mucosa
colônica absorve a água e as fezes remanescentes tornam-se progressivamente
mais difíceis de serem eliminadas. Este processo acarreta um ciclo vicioso de
retenção de fezes no qual o reto torna-se elevadamente distendido, resultando em
um fluxo fecal incontinente (escape fecal), perda da sensação fecal e por fim,
perda da urgência para evacuar. O aumento do acúmulo fecal no reto também
provoca uma diminuição da motilidade intestinal a montante, acarretando anorexia,
distensão abdominal e dor.
No Quadro 11 abaixo, estão descritos os
critérios diagnósticos da CF.
O diagnóstico da CF baseia-se na história
clínica e no exame físico, sinais de alarme dos sintomas devem ser utilizados
para identificar uma doença de base responsável pela constipação (Tabela 3).
Caso apenas um critério de Roma estiver presente e o diagnóstico de CF mostrar-se
incerto, um exame de toque retal é recomendado para confirmar o diagnóstico e
excluir alguma outra condição médica. Não há uma razão especial para a realização
rotineira de raio-x abdominal para o diagnóstico da CF. Teste rotineiro para a
alergia à proteína do leite de vaca não é recomendado naquelas crianças com
constipação, e que não apresentam sintomas de alarme. Testes laboratoriais para
pesquisa de hipotireoidismo, doença celíaca e hipercalcemia não são
recomendáveis nas crianças com constipação, na ausência de sintomas de alarme. A
principal indicação para a realização da manometria anorretal, na investigação da
constipação intratável, refere-se à avaliação da presença do reflexo do
inibidor anorretal. A biópsia retal é o padrão ouro para o diagnóstico da
Doença de Hirshsprung. Enema de bário não deve ser utilizado como uma
ferramenta inicial na avaliação diagnóstica da CF.
Quanto ao tratamento, uma revisão sistemática
demonstrou que somente 50% das crianças referidas a um centro terciário de
atenção, e acompanhadas de 6 a 12 meses, se curaram e foram desmamadas do uso
de laxativos com sucesso. Educação é tão importante quanto a terapia
medicamentosa e deve incluir aconselhamento familiar para reconhecer o
comportamento de retenção e também para fazer uso de intervenções
comportamentais, tais como: o uso rotineiro do vaso sanitário e sistema de
recompensa quando as evacuações são exitosas. Uma dieta contendo concentração
normal de fibras e ingestão normal de líquidos é recomendada, enquanto que a
complementação com pré ou pro-bióticos não parece oferecer vantagens para o
paciente.
A abordagem farmacológica compreende duas etapas, a saber:
1- desimpactação retal ou oral para aquelas crianças que apresentam impactação
fecal; e 2- terapia de manutenção para prevenir reacúmulo de fezes utilizando
uma variedade de agentes laxantes. Polietilenoglicol deve ser considerada a
primeira linha terapêutica, muito embora, a lactulose também possua eficácia
significativa.
5B-Incontinência Fecal
Não Retentora (IFNR)
Pacientes que apresentam IFNR apresentam frequência de
evacuação e parâmetros de motilidade colônica e anorretal normais, o que
diferencia essa condição da CF. Os tempos de trânsito colônico total e segmentar
mostram-se significantemente prolongados nas crianças portadoras de CF, em
comparação com aquelas portadoras de IFNR.
O diagnóstico da IFNR deve-se basear nos sintomas clínicos, tais como,
frequência de defecação normal e ausência de massa palpável no abdome ou reto,
em combinação com trânsito intestinal normal, comprovado em estudos realizados com
marcadores específicos. A IFNR pode ser uma manifestação de distúrbios emocionais
na criança em idade escolar e representa uma ação impulsiva desencadeada por
uma mágoa inconsciente. A IFNR também tem sido descrita como resultado de abuso
sexual na infância.
No Quadro 12 abaixo, estão descritos os
critérios diagnósticos da IFNR.
Em geral, as crianças portadoras de IFNR
apresentam uma evacuação completa do conteúdo colônico, não apenas um escape
fecal, em contraste com aquela manifestação verificada nas crianças com CF. A
investigação deve ser realizada para avaliar a possível história de
coexistência de constipação notando-se o padrão das fezes (tamanho,
consistência, retenção), idade de início, tipo e quantidade de material
evacuado, história dietética, medicações, sintomas urinários coexistentes,
comorbidade psicossocial e fatores estressantes, familiares e pessoal. O exame
físico deve focalizar os parâmetros de crescimento, exame abdominal, exame
retal e um profundo exame neurológico.
Quanto ao tratamento, os pais devem
compreender que distúrbios psicológicos, dificuldades de aprendizado, e
problemas comportamentais, usualmente representam fatores significativos
contribuidores para os sintomas da defecação. As vítimas de abuso sexual devem
ser identificadas e referidas a aconselhamento apropriado. A abordagem mais
exitosa no manejo da IFNR envolve a terapia comportamental. O uso rotineiro do
treinamento para evacuar, associado à premiação e à diminuição da fobia ao vaso
sanitário contribui para diminuir o estresse, restaura hábitos intestinais
normais e restabelece o auto respeito. Um estudo de seguimento de longo prazo
demostrou que após dois anos de tratamento intensivo e comportamental somente
29% das crianças encontravam-se completamente livres da incontinência fecal.
Aos 18 anos de idade, 15% dos adolescentes portadores da IFRN ainda
apresentavam o transtorno. Nenhum fator prognóstico de sucesso foi
identificado.
Conclusões
Os membros do comitê fazem algumas
recomendações para a necessidade de serem realizadas pesquisas comuns que se
aplicam a todas os TGFs, os quais incluem:
1- Estudos epidemiológicos com diferentes
culturas;
2- História natural;
3- Estudos da fisiopatologia, como por
exemplo o microbioma e o eixo cérebro-trato digestivo;
4- Inclusão
precoce das crianças em ensaios clínicos terapêuticos com medicamentos
emergentes.
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