Isabela T. Mazzei e Ulysses Fagundes Neto
2- Regurgitação
do Lactente
A regurgitação se caracteriza pelo retorno
involuntário do alimento previamente deglutido para a boca ou para o meio
externo, e que não deve ser confundido com vômito.
Vômito
é definido como um reflexo do sistema nervoso central que envolve a musculatura
autonômica e esquelética, no qual o conteúdo do estômago é expelido para a boca
em um movimento coordenado de intestino delgado, estômago, esôfago e diafragma.
Quando
a regurgitação causa ou contribui para alguma lesão ou inflamação, tais como:
esofagite, apnéia, hiperreatividade da via aérea, aspiração pulmonar,
dificuldade de deglutição ou déficit ponderal, caracteriza-se a Doença do
Refluxo Gastroesofágico.
No
Quadro 5 abaixo estão discriminados os critérios diagnósticos da Regurgitação.
3- Cólica do Lactente
A
cólica do lactente se caracteriza por choro inconsolável, prolongado, após a alimentação,
distensão abdominal, flatulência, flexão das pernas, sintomas que não são
necessariamente indicativos de dor ou doença, pois menos de 10% são de causa
orgânica.
O
diagnóstico pode ser suspeitado em lactentes de até 4-5 meses de idade sem
sinais de alteração do sistema nervoso central ou do desenvolvimento, com exame
físico normal e bom ganho pôndero-estatural.
No
Quadro 6 abaixo estão discriminados os critérios diagnósticos da Cólica do Lactente.
O tratamento deve-se basear no embalo rítmico
e massagem na região abdominal em ambiente calmo. Caso não ocorra resolução dos
sintomas após 48 horas de tratamento deve-se pensar em alergia alimentar.
4-
Transtornos da Dor Abdominal Funcional
A
Tabela 2, apresenta os aspectos de potencial alarme nas crianças portadoras de
dor abdominal crônica
4A- Dispepsia Funcional (DF)
A
Dispepsia Funcional (DF) é um transtorno heterogêneo comumente associado a diferentes
distúrbios fisiopatológicos de base com padrões sintomáticos específicos. Neste
grupo, estão incluídas anormalidades da função gástrica motora,
hipersensibilidade visceral devido a sensibilização central ou periférica. Tem
sido demonstrada uma acomodação gástrica prejudicada, determinada pela
diminuição da capacidade de relaxamento do estômago, em resposta ao alimento.
No
Quadro 7 abaixo, estão discriminados os critérios diagnósticos para DF.
Quanto
ao tratamento, alguns alimentos podem agravar os sintomas, tais como: cafeína,
pimenta e gordura, e agentes anti-inflamatórios não esteroides, os quais devem
ser evitados. Fatores psicológicos que podem contribuir para a intensidade dos
problemas, devem ser levados em consideração.
O uso de medicamentos, tais como, bloqueadores de ácido associados a antagonistas
dos receptores de histamina e inibidores da bomba de próton, podem ser
indicados quando a dor for o sintoma predominante. Náusea, flatulência e
saciedade precoce são mais difíceis de serem tratados, e nestas circunstâncias
pro-cinéticos, tais como a domperidona, podem ser indicados.
4B- Síndrome do Intestino Irritável
(SII)
A
SII é considerada um transtorno do eixo cérebro/trato digestivo. Os sintomas,
quer sejam diarreia ou constipação com dor intensa e estresse psicossocial, em
um determinado paciente, refletem quais componentes do eixo cérebro/trato
digestivo estão afetados e qual a intensidade desde problema. A
hipersensibilidade visceral pode estar relacionada com o nível de estresse da
criança (ansiedade, depressão, impulsividade e irritabilidade). Tem sido
demonstrado um aumento das citocinas pro-inflamatórias na mucosa digestiva, e
este aumento pode ser induzido como consequência de um episódio de gastroenterite
infecciosa aguda (SII pós-infecciosa). Alterações do microbioma intestinal tem
sido demonstrada, embora não esteja claro se estas alterações são a causa ou o
resultado da SII e seu sintomas. Têm sido observados aumento dos auto-relatos
de estresse, ansiedade, depressão e problemas emocionais pelos próprios pacientes
com SII (Figura 1).
Figura
1- Fisiopatologia dos transtornos da dor abdominal funcional. A hiperalgia
visceral levando a incapacitação é demonstrada como o desfecho final dos
fatores de sensibilidade clínica que estão superpostos a antecedentes genéticos,
os quais predispõem aos eventos precoces na vida.
No
Quadro 8 abaixo estão descritos os critérios diagnósticos da SII.
A
obtenção de uma histórica clínica cuidadosa e a realização do exame físico criterioso
podem sugerir uma diferenciação diagnóstica com a CF, quando a manifestação
clínica exuberante é constipação. Por outro lado, no caso de uma possível SII
com diarreia, deve-se dar particular atenção para o diagnóstico diferencial com
infecção, doença celíaca, má absorção dos carboidratos e doença inflamatória
intestinal. Deve-se levar em consideração que quanto maior o número de sinais
de alarme presentes, maior será a possibilidade da existência de uma
enfermidade orgânica (Tabela 2).
Quanto
ao tratamento, tem sido sugerido com eficácia uma dieta de eliminação que reduz
a ingestão de oligossacarídeos, dissacarídeos, monossacarídeos e pólios
fermentáveis. Tratamento comportamental também pode ser recomendado para os
pacientes com SII e o foco primário deste tratamento deve ser voltado para
desenvolver uma habilidade de otimização para superar os sintomas.
4C- Enxaqueca Abdominal (EA)
A
EA, a SVC e a enxaqueca tradicional compartilham o mesmo mecanismo
fisiopatológico, sendo da mesma forma episódica, auto-limitada e estereotípica,
apresentando intervalos livres de sintomas entre as crises. Crianças portadoras
de EA e enxaqueca tradicional relatam os mesmos mecanismos deflagradores (por
exemplo: estresse, fadiga e viagem), associados a sintomas tais como, anorexia,
náuseas e vômitos, bem como a fatores de alívio, a saber, repouso e sono. Um
aumento da atividade de amino-ácidos excitadores foi encontrado em pacientes
portadores da enxaqueca tradicional, o que possivelmente explica a eficácia do
uso de certos medicamentos que aumentam a concentração sérica do ácido
gama-aminobutírico.
No
Quadro 9 abaixo encontram-se discriminados os critérios diagnósticos da EA.
A
associação de sintomas prodrômicos inespecíficos, tais como, alterações do
comportamento e do humor (14%), fotofobia e sintomas vasomotores similares a
aqueles vivenciados pelas crianças com enxaqueca tradicional, e uma história de
alivio dos sintomas com drogas anti-enxaqueca dão suporte ao diagnóstico. A
avaliação pode requerer a exclusão de determinadas enfermidades, quando os sintomas
episódicos são intensos, tais como, obstrução intermitente do intestino delgado
ou urológica, pancreatite recorrente, enfermidade do trato biliar, febre
familiar do Mediterrâneo, transtornos metabólicos, tais como, porfiria e
transtornos psiquiátricos.
O
tratamento deve ser determinado pela frequência, intensidade e o impacto dos
episódios de EA sobre a vida diária da criança e da família. O uso oral de pizotifen uma droga com efeitos
anti-serotonina e anti-histamina tem produzido benefício profilático. O uso
profilático com drogas, tais como, amitriptilina, propranolol e ciproheptadina
tem sido exitoso.
4D- Dor abdominal funcional
inespecífica (DAFI)
Estudos
separando a DAFI da SII sugerem que estas crianças, em geral, não apresentam
hipersensibilidade retal, em contraste com as crianças portadoras da SII. Tem
sido descrito que os pacientes portadores de DAFI apresentam ritmo de contração
antral e esvaziamento gástrico mais lentos quando ingerem alimentos líquidos em
comparação com controles sadios, mas o significado clínico deste achado não
está totalmente definido. Há evidências de associação entre estresse
psicológico e dor abdominal crônica em crianças e adolescentes. Dor abdominal
crônica está associada com eventos estressantes da vida, divórcio dos pais,
hospitalização, bullying e abuso sexual. A maneira pela qual a criança e seus
pais enfrentam a dor, influência o desfecho da DAFI (Figura 2).
Figura
2 – A abordagem de qualquer episódio de dor abdominal sofrido por uma criança
pode ter impacto significativo na sua habilidade de superação do problema e
acomodar a dor, e, consequentemente sua função normal e seu desenvolvimento. Na
presença de fatores de risco ou quando fatores de proteção são menos eficazes, a
criança pode desenvolver uma resposta de má adaptação que leva a um estado de
dor crônica.
No
Quadro 10 abaixo estão descriminados os critérios diagnósticos da DAFI.
As
crianças portadoras da DAFI frequentemente relatam sintomas somáticos
inespecíficos e extra intestinais que necessariamente não requerem investigação
laboratorial ou radiológica. Na Tabela 2, estão apresentados os sinais de
alarme que sugerem uma investigação diagnóstica adicional. Com relação ao
tratamento a citalopran mostrou-se com uma tendência efetiva em ensaios
clínicos realizados. A terapia comportamental cognitiva tem proporcionado benefício
de curto e longo prazo para os pacientes portadores de DAFI.
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