terça-feira, 5 de julho de 2016

Gastrites (Parte 1)

Milena R. Macitelli & Ulysses Fagundes Neto


Introdução

Os primeiros trabalhos sobre gastrite foram realizados em material de necrópsia e, posteriormente, em material obtido no ato cirúrgico. O resultado dessas observações foi sempre contestado, em razão do tipo de material analisado.

A contestação deveu-se a dois fatores principais, a saber: 1- o material poderia estar prejudicado pelo fenômeno de autólise; 2- os materiais provinham de pacientes com afecções gástricas de diferentes etiologias.

A partir da década de 1940 com a introdução da biópsia per oral, e depois, pela endoscopia com biópsia dirigida, tornou-se possível a realização de inúmeras pesquisas, cujas conclusões pasaram a ser contestadas ou aceitas com restrição. O principal motivo destas controvérsias residia na falta de correlação entre os achados endoscópicos X achados histopatólogicos X manifestações clínicas. Como não se conheciam os agentes etiológicos e/ou a história natural da doença em questão, os achados da mucosa gástrica eram, de uma maneira geral, considerados como normais ou consequência do processo natural do envelhecimento.

O uso progressivo do termo gastrite e o mistério criado ao seu redor provocaram a descaracterização da doença como entidade nosológica. A utilização abusiva pelos patologistas dos termos: gastrite aguda, gastrite crônica e gastrite superficial, extrapolados para conceitos clínicos geraram interpretações equivocadas quanto ao menor ou maior grau de gravidade e quanto a evolução da doença.

Gastrite, na verdade, faz parte do conjunto das doenças pépticas e é uma patologia de relevância importante por diversos motivos. A doença, juntamente com a úlcera péptica, possui uma elevada morbidade e normalmente é passível de tratamento. Além disto, algumas formas de gastrite crônica e grave podem destruir elementos da mucosa gástrica, resultando em gastrite atrófica e metaplasia intestinal, que podem ser lesões pré-neoplásicas.

Assim como outras doenças na infância, a gastrite pode acarretar, a longo prazo, prejuízos de diferentes intensidades para o paciente. Vale ressaltar que apesar da gastrite e da úlcera péptica serem entidades clínicas estudadas separadamente, muitas vezes fazem parte de uma doença de continuidade.


História

A primeira grande descoberta no campo das doenças gástricas foi a descrição de câncer gástrico pelos persas em 1000 DC. No mesmo período, descrições de doenças gástricas não-neoplásicas, principalmente gastrite, eram subjetivas devido às limitações da época. A inflamação da mucosa gástrica foi nomeada pela primeira vez como "gastrite" pelo médico alemão George Ernst Stahl em 1728.




Secreções gástricas

O estômago secreta inúmeras substâncias que são de fundamental importância para o funcionamento normal do trato digestivo, a saber (Figuras 1 e 2):

  Água
  Ácido
  Bicarbonato
  Eletrólitos: Cl-, Na+ e K+
  Mucinas
  Enzimas que são ativadas no pH ácido (pepsinas e lipase)
  Fator intrínseco das células parietais


Figura 1- Substâncias e hormônios secretados pelo estômago envolvidos na produção de HCl pelas células parietais. CCK- colecistoquinina; CNS- sistema nervoso central.




Figura 2- Autoregulação da secreção ácida. Os alimentos estimulam a liberação da gastrina pelas células G. A gastrina estimula as células enterocromafins a secretarem histamina. A célula parietal contém receptores para gastrina, histamina e acetil-colina, substâncias que estimulam a produção do HCl. O aumento da produção de HCl promove a liberação da somatostatina, que inibe a liberação da gastrina.

 
Definição

Gastrite é uma lesão benigna decorrente da quebra da barreira mucosa, acarretando alterações macro e microscópicas da mucosa gástrica, associadas a uma resposta inflamatória. A mucosa gástrica possui células que produzem ácidos e enzimas (que auxiliam na quebra do alimento e digestão) e muco (que protege a mucosa do ácido). O desequilíbrio entre as forças defensivas e agressivas da barreira mucosa é responsável pela formação das lesões. Quando a mucosa gástrica está inflamada, produz menos ácido, enzimas e muco.


Mecanismos de defesa

O estômago possui uma série de mecanismos de defesa contra as agressões do meio ambiente com a função de proporcionar as condições ideais para a ocorrência dos procesos de digestão e absorção que irão se dar no intestino delgado. Os principais mecanismos de defesa estão a seguir discrimados:

Pré-epiteliais: Elevadas concentrações de glicoproteina da mucosa (muco) e bicarbonato, formam uma camada surfactante (hidrófoba), denominada BARREIRA MUCOSA – a qual fornece proteção contra fatores agressivos na cavidade gástrica (Figura 3).


Figura 3- Microanatomia da mucosa gástrica indicando o gradiente de pH promovido pela barreira mucosa.

Muco: secretado pelas células mucosas superficiais, é uma glicoproteina que recobre a superfície epitelial como um gel espesso, serve como uma camada de água imóvel, que lentifica a difusão retrógrada dos íons de hidrogênio em aproximadamente 4 vezes.

O bicarbonato (íons) secretado pelas células mucosas superficiais, neutraliza os ácidos, mantendo normalmente um gradiente de pH de 1 para 2 no lúmen e de 6 para 7 na superfície epitelial. Este gradiente de valores do pH é extremamente importante porque é o responsável pela atividade péptica. A pepsina é inativada em pH 5 e irreversivelmente inativada em pH 7.

Epiteliais: junções firmes entre as células, trocas iônicas intracelulares e capacidade de regeneração epitelial.

A regeneração da mucosa ocorre com a recuperação de áreas descobertas, pela migração de células mucosas da superfície ao longo da membrana basal, de regiões mais profundas para substituir as células danificadas, logo após a lesão.

A divisão e a regeneração celulares ocorrem depois de alguns dias, para produzir novas células epiteliais a partir de células-tronco.

Pós-epiteliais: fluxo sangüíneo e síntese de prostaglandinas.

O fluxo sangüíneo mucoso distribui oxigênio, nutrientes e bicarbonato e remove o ácido retrodifundido. Se o fluxo sangüíneo for reduzido em mais de 50%, a mucosa se torna mais vulnerável à lesão.

As prostaglandinas produzidas localmente têm um papel importante na defesa pois inibem a secreção ácida, estimulam a secreção de muco e bicarbonato e aumentam o fluxo sangüíneo e a renovação celular.

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