terça-feira, 26 de julho de 2016

Gastrites (Parte 4)

        Milena R. Macitelli & Ulysses Fagundes Neto


Gastrite por H. pylori

H. pylori, juntamente com o Streptococcus mutans, agente da cárie dentária, são considerados os patógenos mais comuns das infecções crônicas no ser humano e o agente microbiano mais importante do trato digestório alto. A infecção por H. pylori é a principal causa de gastrite no mundo. A maioria das pessoas com gastrite por H. pylori é assintomática, a não ser que desenvolvam doença ulcerosa, adenocarcinoma ou linfoma.

O H. pylori é uma bactéria espiralada, Gram -, em forma de bastonete, com 3-5 mm de comprimento e 0,5 a 1 mm de largura. Possui potente atividade ureásica, sugerindo a presença dessa enzima pré-formada. Admite-se que o ser humano é o único reservatório natural da bactéria, mas estudos apontam achados de colônias em gatos domésticos. O H. pylori é adaptado para colonizar apenas a mucosa gástrica, sendo raramente observado em áreas de metaplasia intestinal. Quando é observado em outros sítios, como esôfago e duodeno, está localizado nas áreas de metaplasia gástrica ou em áreas de mucosa gástrica ectópica. Em crianças e adultos, normalmente localiza-se na mucosa antral, mas pode estar presente no corpo e na cárdia. Ao chegar ao estômago, a bactéria hidrolisa a ureia, por meio da urease, produzindo amônia e CO2. A amônia funciona como um tampão para os íons de Hidrogênio, criando um ambiente com pH ótimo para a sua sobrevivência. Com a ajuda dos flagelos, que lhe proporcionam uma locomoção helicoidal, a bactéria penetra na barreira mucosa, atinge as proximidades do epitélio gástrico e adere-se às células epiteliais, por meio das adesinas. Então, localiza-se no muco, em contato direto com as células epiteliais ou mesmo dentro dos espaços intracelulares (onde há alta concentração de substâncias nutritivas, pH alto e baixo nível de O2, o que favorece sua reprodução e sua atividade.

Quanto à epidemiologia o H. pylori tem distribuição universal, apresentando prevalência global superior a 50%.  Nos países em desenvolvimento, observam-se taxas mais altas de prevalência e a contaminação ocorre em idades mais precoces, pois as condições de saneamento básico precário são favoráveis a disseminação da bactéria. São também fatores de risco para as altas taxas de infecção pelo H. pylori a baixa condição socioeconômica, falta de higiene, situações de   promiscuidade e famílias populosas vivendo na mesma casa.

A incidência e a prevalência variam muito dentro e entre os países. No Brasil, estima-se que a prevalência seja a seguinte: 6 a 8 anos: 30%, 10 a 19 anos: 78%, adultos: 82%.


Patogenicidade do H. pylori

 


Figura 7- Mecanismos de patogenicidade do H. pylori. A ingestão do H. pylori e a subsequente colonização gástrica podem induzir a inflamação da mucosa do estômago e diferentes lesões orgânicas, tais como, gastrite crônica, úlcera péptica e câncer gástrico. Os fatores determinantes da evolução incluem os relacionados ao hospedeiro, ao ambiente, aos mecanismos de virulência da bactéria e a intensidade e o local da inflamação.

O H. pylori induz, tanto em adultos quanto em crianças infectadas, a produção de um infiltrado neutrofílico agudo, seguido de gastrite crônica, geralmente assintomática, sem úlceras, a qual permanece presente na duração da infecção.  A infecção aguda pode causar dor epigástrica, náusea, vômitos, halitose e cefaleia. Como consequência precoce da infecção aguda ocorre aumento da secreção ácida gástrica, seguida de acloridria em aproximadamente 1 semana e que pode durar 6 semanas ou mais. A diminuição da secreção ácida gástrica parece estar relacionada ao tempo e ao grau de inflamação da mucosa gástrica.

Alguns estudos mostram que a infecção aguda por H. pylori em crianças tendem a desaparecer espontaneamente, o que oposto ao que costuma ocorrer nos adultos. A gastrite crônica é diagnosticada com maior frequência que a aguda. A localização da lesão tem predomínio na região antral, o que acarreta maior risco de úlcera péptica duodenal. Um menor número de pacientes pode desenvolver gastrite atrófica com metaplasia intestinal, o que representa risco posterior de desenvolvimento de úlcera e adenocarcinomas gástricos.

Diversos trabalhos mostram uma prevalência muito variada de gastrite atrófica (4 a 72%), dependendo da metodologia utilizada e da população avaliada. Gastrite crônica assintomática não é indicação para erradicação da bactéria para a maioria dos consensos, mas a gastrite atrófica é considerada indicação relativa.


Diagnóstico

A Endoscopia Digestiva Alta (EDA) com biópsia para estudo histopatológico é indicada para avaliação da criança com suspeita de doença péptica gastroduodenal e possibilita tanto a pesquisa de H. pylori como o diagnóstico de doenças gastroduodenais. A pesquisa de H. pylori pelo estudo histopatológico é um método de alta sensibilidade e especificidade. A bactéria pode ser evidenciada pela coloração hematoxilina-eosina, mas nos casos de baixa densidade bacteriana a coloração Giemsa modificada ou a imuno-histoquímica são mais indicadas.

A EDA com biópsia e avaliação histopatológica tem sido considerada, por muitos autores, como o padrão-ouro para a pesquisa do H. pylori, apesar da desvantagem do alto custo e da necessidade de sedação ou anestesia geral.

Como a distribuição do H. pylori não ocorre de maneira homogênea na mucosa, recomenda-se a retirada de pelo menos 4 fragmentos: 2 do corpo e 2 do antro. As amostras do antro, local onde a bactéria geralmente é encontrada em maior densidade e frequência, devem ser retiradas da região pré-pilórica, 2 a 3 cm do piloro (uma na grande e outra na pequena curvatura). Para evitar resultados falso-negativos, recomenda-se realizar o teste para pesquisa de H. pylori no mínimo 2 semanas após a interrupção do tratamento com inibidores da bomba de próton (IBP) e 4 semanas após a interrupção dos antibióticos ou tratamento para erradicação do H. pylori.

As figuras 8-9 e 10 demonstram a lesão macroscópica e os achados do microrganismo no exame histopatológico. 


Figura 8- Nodularidade difusa antral observada na endoscopia de um adolescente com dor abdominal epigástrica. 



Figura 9- Detecção do H. pylori pelo método da imuno-histoquímica.



Figura 10- Detecção do H. pylori pela coloração hetoxilina-eosina.


Cultura

A cultura do material da biópsia gástrica, possibilita o diagnóstico da infecção, o estudo da sensibilidade da bactéria aos antimicrobianos, a escolha correta das medicações a serem utilizadas e a presença de fatores de virulência. Além disso, tem também a vantagem de permitir a realização do antibiograma, útil principalmente nos casos de fracasso terapêutico. A sensibilidade deste método varia de 77 a 100%. Para se obter o sucesso no isolamento da bactéria, deve-se avaliar pelo menos 2 fragmentos (1 de corpo e 1 de antro). A desvantagem deste teste é seu alto custo, portanto, deve ser reservado aos grupos de pesquisa e na suspeita de resistência às drogas.


Teste da urease

A urease pré-formada pelo H. pylori encontra-se presente no material da biópsia gástrica e hidrolisa a ureia contida no reativo, produzindo amônia e alcalinizando o meio. A alcalinização é percebida por um indicador de pH, que altera a cor da solução de amarelo para cor-de-rosa ou vermelho. O teste é considerado positivo no caso de o gel tornar-se vermelho na leitura realizada 24 horas após o exame, porém, mudanças de cor mais tardias podem resultar falso-positivos. A eficácia do teste depende do número de tecidos testados, dos sítios das biópsias, da carga bacteriana, da presença de sangramento e do uso prévio de antibióticos ou IBP.


Novas técnicas diagnósticas


A EDA com magnificação apresenta boa sensibilidade e especificidade; a EDA com luz branca e autofluorescência é utilizada para identificar áreas da mucosa gástrica normal (como na gastrite atrófica), auxiliando na escolha do local a ser biopsiado. A Espectroscopia infravermelha de Raman, que é uma técnica vibracional espectroscópica, quando adaptada à endoscopia, detectou a presença de H. pylori com sensibilidade e especificidade em torno de 80%.


Tratamento

O tratamento indicado é terapia tríplice durante 4 semanas com os seguintes medicamentos:

Omeprazol + Amoxicilina + Claritromicina

Indicações de tratamento conforme consensos e diretrizes:

Consenso Brasileiro:

Úlcera duodenal: ativa ou cicatrizada

Linfoma MALT de baixo grau

Pós-cirurgia para câncer gástrico avançado, em    pacientes submetidos a gastrectomia parcial

Gastrite com histologia intensa

Outras situações:
     Pacientes de risco para úlcera/complicações que utilizam anti-inflamatórios não esteroides.
     Pacientes com história prévia de úlcera ou hemorragia digestiva alta que deverão usar AINE inibidores específicos ou não da COX2.
     Indivíduos de risco para câncer gástrico

World Gastroenterological Organization:

Úlcera gástrica e/ou duodenal, passada ou presente, com ou sem complicações
Após ressecção de câncer gástrico
Linfoma MALT
Gastrite atrófica
Dispepsia
Parentes de primeiro grau com câncer gástrico
Desejo do paciente

Prognóstico

A gastrite crônica associada a infecção por H. pylori normalmente é bem controlada com terapia medicamentosa. A resolução da infecção pela bactéria geralmente é alcançada de 80 a 95% dos casos. Ocasionalmente pode progredir para úlceras, necessitando de tempo maior de tratamento.

Nenhum comentário: