terça-feira, 15 de março de 2016

Minha História de vida e minha História vivida na EPM/UNIFESP (47)

1- A consolidação da tradição em Pesquisa, Produção e Divulgação do Conhecimento, Ensino e a sólida formação de Especialistas em Gastroenterologia e Nutrição em Pediatria (parte 3)


A descrição da história natural da Enteropatia Ambiental foi um árduo e longo caminho trilhado até ser definitivamente desvendada. Esta conquista somente foi possível graças a inestimável contribuição dos meus inúmeros alunos de Pós-Graduação que, com muita perseverança, durante anos a fio conjuntamente fomos decifrando peça a peça deste segredo até então não esclarecido, para finalmente montarmos o quebra-cabeças completo. Esta descoberta pôs por terra um preconceituoso conceito que vigia por muitos anos sob a denominação de Enteropatia Tropical. Tratava-se de um termo fatalista que trazia embutida a ideia de que este era um mal que inevitavelmente acometeria os indivíduos que vivem nos ambientes ao redor dos trópicos. Com as publicações de vários trabalhos que evidenciaram, sob vários aspectos, a influência nefasta do meio ambiente desprovido de saneamento básico sobre os indivíduos que vivem nestas comunidades totalmente insalubres, devido à contaminação ambiental, houve o reconhecimento nacional e internacional desta evidência, ao ser publicado um artigo no Journal of Tropical Pediatrics, em 1984, fator de impacto 1.256, propondo a mudança da denominação para Environmental Enteropathy (Figura 20).


Figura 20- Foto do Slide inicial da apresentação de um pesquisador Norte-americano no Congresso da NASPGHAN de 2013, em que se torna definitivamente reconhecida, a partir do meu artigo publicado no Journal of Tropical Pediatrics em 1984, a mudança da denominação da síndrome de Tropical Enteropathy para Environmental Enteropathy.
 
A extraordinária experiência adquirida com o trabalho de campo vivenciada inicialmente com a população nativa do Parque Indígena do Xingu, desde o início dos anos 1970 até o ano 2000, foi quem sabe o maior aprendizado que eu pude adquirir não somente como médico pesquisador, mas sobretudo como ser humano. Pude lá realizar o inédito trabalho de avaliação do estado nutricional da população infantil e demonstrar que desnutrição não era um problema de saúde daquela população denominada de “cultura primitiva”. Aliás muito ao contrário, a sabedoria ancestral desta civilização ensinou-me que a prática do aleitamento natural exclusivo por tempo prolongado, associada à utilização racional dos recursos naturais e à preservação do meio ambiente são princípios básicos que mantém o estado de eutrofia vigente na imensa maioria das crianças, a despeito de alguns fatores ambientais inóspitos, como por exemplo a existência da malária ser endêmica nesta região. Esta pesquisa resultou na minha tese de Doutorado em Pediatria, em 1977, apresentada e aprovada com nota 10,0 no Departamento de Pediatria da EPM. 

Posteriormente, este trabalho foi publicado na revista The American Journal of Clinical Nutrition, em 1981, uma das mais prestigiosas na área de nutrição clínica, com fator de impacto 6.8. Esta vivencia permitiu-me desenvolver uma vasta expertise que possibilitou realizar outros trabalhos de campo com populações nativas como os Terenas em Aquidauana, Mato Grosso do Sul (Figuras 21-22) e nas várias aldeias dos índios Guaranis situadas ao longo do litoral de São Paulo (Figuras 23-24).


Figuras 21-22- Minha experiência com os Terenas em Aquidauana, Mato Grosso do Sul, em 1993.




Figuras 23-24- Nossa experiência com os Guaranis no litoral de São Paulo, em 1997.



Mais ainda também proporcionou a realização do projeto assistencial e de pesquisa com a população infantil da favela Cidade Leonor, em São Paulo. Esse projeto teve oportunidade de denunciar de forma veemente as condições sub-humanas de vida dos indivíduos que habitam estas comunidades despossuídas, que se assemelham a uma verdadeira cloaca a céu aberto, tão frequentemente observadas nos grandes centros urbanos do país.

No campo da pesquisa experimental tive a oportunidade de trabalhar na Pediatric Research Division, do North Shore University Hospital, Cornell University, nos anos de 1977-78. Lá desenvolvi trabalhos de perfusão intestinal em ratos, utilizando diversos modelos experimentais, que se mostraram pioneiros na demonstração que em determinadas situações fisiopatológicas pode ocorrer ruptura da barreira de permeabilidade intestinal. Esta ruptura pode propiciar a penetração de macromoléculas intactas potencialmente alergênicas, sendo um fator predisponente à Alergia Alimentar. Dentre os modelos experimentais utilizados destacam-se as situações de sobrecrescimento bacteriano no intestino delgado, a intolerância à lactose e a desnutrição proteico-calórica. Estes trabalhos foram publicados nos seguintes periódicos internacionais: Laboratory Investigation, 1981, American Journal of Clinical Nutriton, 1981 e Pediatric Research, 1983. Os achados decorrentes dessas pesquisas serviram de base para elucidar os mecanismos fisiopatológicos do surgimento das Alergias Alimentares (Figuras 25-26-27-28).




Figuras 25-26-27-28- Eu e minha grande mestre Mary Ann Bayne realizando os estudos de perfusão intestinal em ratos para demonstrar os efeitos deletérios sobre a mucosa do intestino delgado dos sais biliares secundários e desconjugados. 

Vale referir que um destes trabalhos experimentais se transformou na minha Tese de Doutorado apresentada e aprovada com nota 10,0 no programa de Pós-Graduação da Disciplina de Gastroenterologia da EPM, em 1980. Baseado nestes novos conhecimentos pude compilar e posteriormente publicar, de forma inédita em nosso meio, uma casuística de 60 pacientes portadores de Enteropatia e Colite por Alergia à Proteína do Leite de Vaca, à Soja e à Carne de Frango, com suas respectivas manifestações clínicas, no nosso país no Jornal de Pediatria, em 1988.

Mais recentemente, juntamente com minha aluna de Doutorado, Christiane Leite e a com a Professora Edna Freymuller, descrevemos as graves alterações ultraestruturais do intestino delgado, tanto à microscopia eletrônica de transmissão quanto à microscopia eletrônica de varredura em crianças infectadas com o vírus HIV. Esse trabalho de pesquisa, absolutamente original em nosso meio, constituiu-se em sua tese de Doutorado e posteriormente foi publicado na revista Arquivos de Gastroenterologia, em 2013 (Figuras 29-30). 




Finalmente, mas não menos importante, outro tema de pesquisa extremamente atual, no qual estou profundamente envolvido, diz respeito à má absorção/intolerância à Frutose e a um seu polímero os Frutanos, de prevalência especialmente frequente em pacientes portadores da Síndrome do Intestino Irritável. Juntamente com as médicas residentes Adriana Lozinsky e Cristiane Boé, o biomédico Ricardo Palmero publicamos uma série de 40 crianças portadoras de transtornos digestivos. Neste grupo de pacientes 13 (30,2%) deles apresentavam má absorção à frutose, sendo que a Síndrome do Intestino Irritável foi caracterizada em 11 deles. Trata-se também de uma descrição original em nosso meio que foi publicada na revista Arquivos de Gatroenterologia, em 2013 (Figuras 31-32).


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