terça-feira, 8 de março de 2016

Minha História de vida e minha História vivida na EPM/UNIFESP (46)

1- A consolidação da tradição em Pesquisa, Produção e Divulgação do Conhecimento, Ensino e a sólida formação de Especialistas em Gastroenterologia e Nutrição em Pediatria (parte 2)

Ao longo destes 40 anos de intensa atividade acadêmica, incontáveis conquistas foram pouco a pouco se acumulando em meu Curriculum vitae, as quais abaixo passo resumidamente a descrever:

1.1-  Bolsa de Produtividade em Pesquisa do CNPQ 

Ao retornar do meu Pós-Doutorado no North Shore University Hospital, Cornell University, em 1979, fiz uma aplicação ao CNPQ para solicitar uma Bolsa de Produtividade em Pesquisa, a qual foi aprovada na qualidade IC e que posteriormente foi promovida para IA. Esta Bolsa tem a duração de 48 meses e requer a apresentação de um projeto de pesquisa que deve ser cumprido neste espaço de tempo. Antes do término da vigência da mesma pode ser feita a aplicação para uma nova Bolsa acompanhada respectivamente de um novo projeto de pesquisa. A renovação da Bolsa está condicionada ao total cumprimento do projeto anterior e o novo projeto apresentado, para ser aprovado, irá depender da importância do seu mérito científico. Este processo, no meu caso, perdurou ao longo de 35 anos, por sucessivas e consecutivas reaplicações, até março de 2014 (ano da minha aposentadoria). Além das aprovações das minhas solicitações de Bolsas, vale a pena referir que em 1992 fui eleito pelos meus pares Pediatras, ligados à vida acadêmica, para fazer parte do Comitê de Pesquisa do CNPQ, na área da Pediatria para um mandato de 3 anos. Neste período de tempo 2 vezes por ano permanecia em Brasília, durante 1 semana, para julgar os pedidos de Bolsa Pesquisador e os de financiamento de trabalhos de pesquisa enviados por pesquisadores vinculados às diversas instituições universitárias nacionais. 

1.2-   Produção Científica

Coerente com os princípios de que a pesquisa uma vez terminada, para ter validade reconhecida, necessita vir seguida da elaboração do respectivo artigo manuscrito.  Este deve ser submetido à aprovação do Conselho Editorial de um periódico científico para, no caso de ser aprovado, vir a ser publicado. Trata-se de um árduo esforço e, muitas vezes, de prolongadas discussões com os pares revisores para até finalmente se obter, ou não, a aprovação do trabalho. Somente após ser cumprida toda esta delongada tramitação é que se pode afirmar que sua pesquisa passou a caracterizar uma divulgação do conhecimento produzido. Por todas estas razões, independentemente dos inúmeros anos vivenciados para esta atividade, é sempre uma enorme emoção ver seu esforço dedicado à pesquisa ser recompensado pela publicação do seu artigo em um periódico científico. 

Ao longo destes anos de atividade acadêmica tive a incontida alegria de ter publicado 321 artigos de pesquisa, 210 deles em periódicos nacionais e 111 em periódicos internacionais. Alguns destes artigos são considerados “landmarkers” da especialidade por terem sido responsáveis por desvendar caminhos até então desconhecidos quer seja em nível nacional como também internacional. Permito-me abordar alguns deles como exemplo insofismável desta afirmação.

Quando realizei minha especialização em Gastroenterologia Pediátrica no Policlínico Alejandro Posadas sob a orientação do Dr. Horácio Toccalino, em Buenos Aires, durante o ano de 1973, como parte do meu programa de Residência Médica na EPM (Estágio optativo), tive a oportunidade de pela primeira vez, em minha atividade profissional, ver crianças portadoras de Doença Celíaca (Figura 14).

Figura 14- Estes foram os primeiros pacientes portadores de Doença Celíaca que vi na minha especialização em Buenos Aires em 1973.


Logo no início do treinamento pude atender os primeiros celíacos e comprovei que eles tinham o mesmo aspecto das crianças com desnutrição que eu atendia no Hospital São Paulo, e que eram consideradas desnutridas por problemas socioeconômicos. Este fato me fez refletir profundamente do por que não se diagnosticava Doença Celíaca no Brasil, cheguei a simples conclusão de que não se pensava nesta possibilidade, era mais simples rotular estes pacientes como produto dos problemas socioeconômicos existentes entre no nosso país. No entanto, após vivenciar esta experiência eu estava seguro que ao voltar iria encontrar esta enfermidade entre nós. Dito e feito, assim que retornei ao HSP, como dispúnhamos de uma cápsula de Crosby-Kugler para realizar biópsia de intestino delgado, pude comprovar a que aqui também havia Doença Celíaca. Foi em 1974, em um paciente de 17 meses com diarreia crônica e desnutrição grave, que até então era imputada ao tal problema socioeconômico. O quadro clínico do paciente era assustador, pelo aspecto da desnutrição grave, pela total apatia e desinteresse do ambiente que o cercava, pelo grau de atrofia da musculatura glútea e pela praticamente ausência de tecido celular subcutâneo. A biópsia do intestino delgado revelou atrofia vilositária subtotal e hiperplasia das glândulas crípticas. Como a lesão anatomopatológica mostrava-se altamente característica de Doença Celíaca foi introduzida uma dieta isenta de glúten (Figuras 15-16).


Figuras 15-16- Nosso primeiro paciente com Doença Celíaca diagnosticado no Hospital São Paulo em 1974, e publicado na revista Pediatria Prática em 1976.


Pouco a pouco o paciente passou a se interessar pelo mundo que o rodeava, iniciou a brincar e rapidamente tornou-se assintomático (Figura 17).

Figura 17- Nosso paciente no início do tratamento com dieta isenta de glúten, já evidenciando um interesse pelas coisas que o cercam.


Sua evolução clínica em pouco tempo mostrou-se espetacular e a recuperação nutricional foi se tornando evidente até a completa normalização. O paciente recebeu alta hospitalar em excelentes condições clínicas e a família foi devidamente orientada para a necessidade de cumprir a dieta isenta de glúten e encaminhada para o nosso ambulatório. No seguimento ambulatorial o paciente persistia cumprindo à risca a dieta isenta de glúten, mantinha-se assintomático e ao cabo de 6 meses após o início da dieta foi realizada uma nova biópsia intestinal que se revelou totalmente normal (Figura 18).

Figura 18- Nosso paciente alguns meses após o início da dieta isenta de glúten em completa recuperação clínica e nutricional.


Este foi o primeiro caso de Doença Celíaca comprovada com 2 biópsias publicado em nosso meio, na revista Pediatria Prática, em 1976. A partir daí Doença Celíaca passou a ser parte da nossa linha de pesquisa, pois uma grande quantidade de novos casos foi sendo diagnosticada, o que comprovou de forma cabal que a existência desta enfermidade está longe de ser rara no nosso meio. Ao longo destes anos inúmeros projetos de pesquisa abordando os mais distintos aspectos da Doença Celíaca passaram a ser realizados pelo nosso grupo, os quais resultaram em teses de Mestrado e Doutorado, merecendo também importantes publicações em periódicos nacionais e internacionais.
 
Na nossa linha de pesquisa Diarreia-Desnutrição pudemos caracterizar os mecanismos fisiopatológicos envolvidos na gênese da Diarreia Aguda, a interação entre o agente enteropatogênico e o hospedeiro, em especial nos casos da diarreia provocada pelas diferentes cepas enteropatogênicas de Escherichia coli. O conhecimento desta interação agente-hospedeiro possibilitou a compreensão e descrição das intolerâncias alimentares, principalmente dos carboidratos da dieta, mais particularmente da lactose e até mesmo aos monossacarídeos, como também alergia alimentar, que acarretam persistência da diarreia com grave agravo nutricional e alto risco de morte. A identificação destes fatores de complicação possibilitou a intervenção nutricional apropriada que resultou em dramática redução da mortalidade por diarreia em crianças menores de 5 anos, a qual foi praticamente extinta em nossa instituição. Como reconhecimento internacional desta contribuição para aliviar o sofrimento das crianças fui convidado pela revista The Lancet, uma das mais conceituadas revistas médicas do mundo, cujo Fator de Impacto é 39, para escrever o artigo intitulado “Escherichia coli infections and Malnutritionem um número especialmente editado em 2000, para divulgar as mais importantes conquistas médicas das últimas décadas (Figura 19).

Figura 19- Capa do número da revista The Lancet aonde meu artigo foi publicado.


O melhor conhecimento das disfunções digestivo-absortivas na desnutrição proteico-calórica, em especial, as graves alterações morfológicas da mucosa do intestino delgado, em lactentes portadores de diarreia crônica, foram possíveis graças à investigação que resultou na minha Tese de Mestrado, apresentada e aprovada com nota 10,0, no IBEPEGE. 

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