segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Minha História de vida e minha História vivida na EPM/UNIFESP (12)

A história da realização de um Pós-Doutorado no North Shore University Hospital, Cornell University, Nova Iorque: pessoal e científica

O Convite

Em 1974, de volta ao Brasil, após realizar minha especialização em Gastroenterologia Pediátrica no Policlínico Alejandro Posadas, em Buenos Aires, no serviço do Dr. Horácio Toccalino, iniciei minhas atividades de Professor Auxiliar de Ensino no Departamento de Pediatria da Escola Paulista de Medicina (EPM) sob a chefia do Prof. Azarias Andrade de Carvalho. Juntamente com o Prof. Jamal Wehba iniciamos a criação do serviço de Gastroenterologia Pediátrica, partindo do momento zero, porque nada existia da especialidade e, portanto, tudo teria que ser construído. A nossa união tornou-se altamente profícua e em pouco tempo, seguindo as sugestões aprendidas com meu mestre na Argentina, implantamos a assistência ambulatorial, para atendermos os pacientes que nos eram referidos do Ambulatório Geral, a qual rapidamente prosperou. Ao mesmo tempo colocamos em prática os procedimentos de investigação diagnóstica e os testes laboratoriais específicos da especialidade, particularmente os testes da função digestivo-absortiva. Concomitantemente prestávamos atenção assistencial e docente aos pacientes internados nas enfermarias de Pediatria do Hospital São Paulo. Assim, em alguns meses já trabalhávamos a todo vapor e nosso serviço crescia celeremente. Constituímos uma excelente parceria com a Profa. Francy Reis Patrício, docente do Departamento de Anatomia Patológica da EPM, que se interessou em fazer as análises das biópsias de intestino delgado, intestino grosso e fígado, e também com o Prof. Nelson Machado, chefe do Laboratório Clínico do Departamento de Pediatria, que implantou os testes de avaliação das funções digestivo-absortivas, todas essas atividades essenciais para um desempenho de excelência na especialidade. Estava, pois, constituída a infraestrutura do serviço para que pudéssemos dar o primeiro salto de qualidade nas nossas atividades docentes, ou seja, enveredarmos pela investigação clínica, começar a produzir conhecimentos, um dos pilares mestres da vida acadêmica. Nosso entusiasmo era enorme posto que estávamos edificando algo que crescia dia a dia com bases sólidas, já podíamos vislumbrar os primeiros sinais de que a produção científica estava nascendo e dentro em breve poderíamos apresentar nossos próprios resultados em Congressos Científicos e inclusive iniciarmos uma era de publicações em periódicos indexados. De fato, em outubro de 1975, quando da realização do Congresso Pan-americano de Pediatria, em São Paulo, pudemos apresentar uma série de trabalhos, por nós produzidos, nas sessões de Temas Livres. Estes trabalhos chamaram a atenção de um convidado internacional, Dr. Fima Lifshitz, que se interessou tremendamente por tudo aquilo que estávamos construindo na especialidade. Em um momento de conversação informal ele me convidou para realizar um Fellowship em Investigação Pediátrica em seu serviço, em Nova Iorque, no North Shore University Hospital, afiliado da Cornell University. O convite, feito de uma forma totalmente inesperada, deixou-me absolutamente chocado, entre exultante e preocupado, porque havia menos de 2 anos de chegar da minha especialização em Buenos Aires, estava começando minha vida profissional, recém havia montado consultório, estava casado e agora já com 3 filhos (minha mulher havia voltado grávida da Argentina, nossa segunda filha nasceu em fevereiro de 1974, e logo a seguir nova gravidez e a terceira filha veio a nascer em junho de 1975), era uma enorme responsabilidade que pesava sobre os meus ombros tomar uma decisão sem consultar a família, mas a tentação era irresistível, pois ir trabalhar nos Estados Unidos, mais ainda com Fima Lifshitz era um privilégio que não podia ser descartado. Vale ressaltar que neste mesmo evento eu havia sido convidado por outro palestrante internacional Dr. Bufford Nichols para ir trabalhar na Baylor University em Houston, no Texas, o que também era uma grande tentação, mas a ideia de viver em Nova Iorque era mais atraente. Mas, sem dúvida alguma, a afinidade com Dr. Fima Lifshitz era mais intensa, inclusive pela própria linha de pesquisa dele que tinha muito a ver com a nossa em virtude da sua origem como pesquisador. Fima Lifshitz, apesar desse nome estranho, é mexicano de nascimento, filho de um imigrante judeu russo, cursou medicina no México, foi para os Estados Unidos para realizar a residência médica e em seguida tornou-se Fellow em Endocrinologia e Nutrição em Pediatria no John Hopkins Hospital, em Baltimore. Quando terminou seu treinamento nos Estados Unidos voltou ao México para trabalhar no Hospital Infantil de México e lá realizou inúmeros trabalhos de investigação clínica que se tornaram clássicos da literatura médica no que diz respeito à diarreia-desnutrição e intolerância aos carboidratos. Seus trabalhos sobre este tema foram publicados nas revistas mais prestigiosas de Pediatria dos Estados Unidos, como por exemplo, Pediatrics e Journal of Pediatrics, no início da década de 1970, e serviram de inspiração para que nós aqui na EPM reproduzíssemos seus resultados. Em virtude da falta de estímulo para seguir vivendo no México, devido as dificuldades de infraestrutura para trabalhar a contento, associado a um convite para voltar aos Estados Unidos, Fima decidiu se radicar definitivamente por lá e foi trabalhar no North Shore University Hospital, chefiando o serviço de Endocrinologia e o Laboratório de Investigação Pediátrica. Por uma coincidência do destino havia conhecido Fima Lifshitz em Buenos Aires, em outubro de 1974, durante a realização do Congresso Mundial de Pediatria realizado na Argentina. Durante uma sessão de Temas Livres apresentei 2 trabalhos sobre diarreia-desnutrição e sobrecrescimento bacteriano no intestino delgado que eu havia desenvolvido durante minha especialização no ano anterior no serviço de Horácio Toccalino. Fima Lifshitz presidia esta sessão e ficou vivamente interessado nos resultados apresentados, os quais reafirmavam os achados por ele obtidos anteriormente. Iniciamos naquele evento uma empatia que se prolonga por mais de 40 anos, agora um relacionamento absolutamente fraternal até os dias de hoje.

Após o convite de Fima Lifshitz cheguei à casa exultante de satisfação para comunicar o convite que me havia sido feito. Eu considerava irrecusável apesar de todos os fatores que poderiam pesar ao contrário, tais como uma nova viagem ao exterior por tempo prolongado, abandonar minhas atividades na EPM por uns tempos posto que ainda estivéssemos construindo nosso serviço, interromper minhas atividades recém iniciadas no consultório, que em curto espaço de tempo se mostravam bastante promissoras e, por fim, mas não menos importante, envolver minha família em mais uma aventura no terreno das incertezas. Tinha que convencer minha mulher que tudo iria dar certo, que apesar de a família ter crescido mais ainda, pois agora éramos 5 pessoas, a vida nos Estados Unidos seria uma experiência fascinante e, baseados nos filmes que assistíamos, tudo seria mais fácil e prático não haveria problemas para levarmos uma vida tranquila. As conversas de convencimento foram longas, mas eficazes. Ainda durante o Congresso Pan-americano pude dizer ao Fima que aceitava seu convite, assim acordamos que para lá iríamos em Junho de 1977 para envolver-me com investigação experimental, um antigo e ansiado desejo meu.


Como se vê haveria um relativo longo período de aproximadamente 18 meses de espera para que chegasse o momento da viagem. Portanto, neste interregno de tempo era necessário acelerar as atividades de pesquisa para que eu pudesse antes de me mudar para os Estados Unidos ter já defendido o Mestrado e o Doutorado. 

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Minha História de vida e minha História vivida na EPM/UNIFESP (11)

5.10- Meu querido mestre e amigo Horácio Toccalino: um exemplo de determinação e perseverança na vida pessoal e profissional

Assim que cheguei ao Posadas para trabalhar já no primeiro contato com Dr. Toccalino (Figuras 1-2) tive uma nítida sensação de que seria recebido com especial atenção, o que eu poderia traduzir com a expressão “empatia recíproca à primeira vista".


 
Figura 1- Toccalino (o terceiro da esquerda para a direita) participando da reunião da Sociedade Latino Americana de Investigação Pediátrica, em Viña del Mar, Chile, em 1968.


Figura 2- Toccalino juntamente com Licastro e Ortiz participando da reunião da Sociedade Latino Americana de Investigação Pediátrica, em 1975, dias antes da fundação da nossa Sociedade.

De fato, o tempo somente fez confirmar esta primeira impressão. Ao longo de todo o ano, tanto no campo profissional como no pessoal, sempre mantivemos um relacionamento extremamente amistoso, dava até a percepção de que já nos conhecíamos de longa data, eu me sentia muito à vontade em sua companhia, principalmente quando juntos atendíamos os pacientes no ambulatório de gastroenterologia. No intervalo entre as consultas sempre arranjávamos alguns minutos para conversar sobre assuntos de trabalho, de planos futuros ou mesmo de temas absolutamente informais, até de problemas pessoais e familiares. Enfim, sinto que ele me adotou e que eu me apropriei desta adoção com muita satisfação, mesmo porque este relacionamento tão afetivo perdurou nos anos que se seguiram até sua morte prematura em dezembro de 1977. Sim, Dr. Toccalino faleceu muito jovem, aos 48 anos, com muitos projetos pessoais e profissionais para serem desenvolvidos, o mais caro, no entanto, era a fundação da Sociedade Latino Americana de Gastroenterologia Pediátrica e Nutrição, a qual se logrou concretizar em outubro de 1975, em São Paulo, durante o transcurso do Congresso Pan-Americano de Pediatria. Anteriormente, porém, em 1974, durante a realização do Congresso Mundial de Pediatria, em Buenos Aires, em um determinado dia, nos reunimos para almoçar em uma churrascaria denominada El Gaucho Imortal, Toccalino, Licastro, Martins Campos (José Vicente Martins Campos, gastroenterologista brasileiro, embora sendo especialista de adultos, tinha grandes interesses em investigação na área da gastroenterologia pediátrica, de quem me tornei amigo e admirador, participava ativamente dos eventos pediátricos e era um grande amigo de Toccalino desde longa data. Vale lembrar que Dr Martins Campos tornou-se posteriormente meu orientador no curso de Mestrado no IBEPEGE) e eu. Vínhamos de um encontro da Sociedade Latino Americana de Investigação Pediátrica, em Escobar, cidade localizada nas vizinhanças de Buenos Aires. Durante o almoço Toccalino manifestou seu descontentamento com os rumos daquela Sociedade, porque entendia que a gastroenterologia estava sendo cada vez mais marginalizada em detrimento de outras especialidades pediátricas, em especial a endocrinologia e a nefrologia. Toccalino sentia que havia chegado o momento de se fundar uma Sociedade especificamente voltada à gastroenterologia, já haveria uma massa crítica suficiente para tal empreendimento. Ele conhecia alguns colegas no Uruguai que certamente adeririam à ideia, também mesmo no Brasil já havia alguns embriões da especialidade sendo gestados (Figura 3).



Figura 3- Simpósio em Belo Horizonte, no início de 1975, como parte da divulgação da criação da nossa Sociedade. Da direita para a esquerda Toccalino, Martins Campos, Francisco Penna, eu e um colega nefrologista José Silvério.

Criaríamos uma Sociedade tendo como pilares de sustentação o eixo Argentina, Uruguai e Brasil, pouco a pouco colegas de outros países seguramente viriam também a se incorporar nessa nova proposta. Martins Campos prontamente concordou com a ideia, o mesmo ocorrendo com Licastro. Eu também concordei de imediato, porque afinal das contas quem era eu para emitir qualquer opinião a respeito de um assunto sobre o qual não tinha a menor experiência, fiz o que meu mestre mandou. Ato seguinte, Martins Campos lançou mão de um guardanapo de papel do restaurante e elaborou a primeira ata de fundação desta nova Sociedade com a subscrição dos quatro presentes. Ficou então combinado que no ano seguinte durante o transcorrer do Congresso Pan-Americano, em São Paulo, nós criaríamos oficialmente a Sociedade Latino Americana de Gastroenterologia Pediátrica. Toccalino e Martins Campos se ocuparam de contatar os potenciais membros da futura Sociedade, convidando-os para a reunião oficial da sua fundação. Tínhamos praticamente um ano inteiro para desenvolver essa empreitada com êxito, era tempo suficiente. Eu fiquei encarregado de organizar a reunião, a qual se realizou na Escola Paulista de Medicina, no anfiteatro de Pediatria do Hospital São Paulo, em outubro de 1975 (Figura 4). 


Figura 4- Reunião da fundação oficial da Sociedade Latino Americana de Gastroenterologia Pediátrica e Nutrição realizada em São Paulo, na Escola Paulista de Medicina, em outubro de 1975. Da esquerda para a direita Elza Guatavino (1º Secretária), Horácio Toccalino (Presidente eleito) e José Vicente Martins Campos (Secretário Geral eleito) constituindo a primeira diretoria da Sociedade.

Vinte e cinco colegas latino americanos firmaram a constituição desta nova Sociedade; estava enfim, naquele dia, tornando-se realidade o tão almejado sonho de Toccalino (Vide cópia da ata abaixo).
 


Infelizmente, porém, naquela mesma ocasião ele tinha acabado de receber a notícia de que estava enfermo e o diagnóstico era de uma doença extremamente grave, ele sofria de um tipo muito raro de câncer, extremamente agressivo, incurável para os conhecimentos científicos daquela época e que teria uma evolução bastante rápida (Figura 5).


Figura 5- Festa de abertura do Congresso Pan-Americano de Pediatria realizado em São Paulo, em outubro de 1975. Horácio Toccalino já enfermo viajaria dias depois para os EUA para tentar tratamento para sua enfermidade.

Entretanto, em um ato de enorme bravura e autocontrole, para não prejudicar os andamentos da fundação da Sociedade, o que era para ele uma questão primordial, decidiu não contar a ninguém o seu padecimento e assim que terminou o Congresso, de São Paulo mesmo viajou diretamente para Nova Iorque, na tentativa desesperadora de encontrar alguma solução, ainda que paliativa fosse, para sua doença (Vide trecho da carta por ele escrita e a mim dirigida abaixo).



Desafortunadamente, porém, apesar do tratamento quimioterápico proposto e realizado, a cura era inviável, e o prognóstico emitido foi que inexoravelmente o câncer progrediria e ele não teria muito mais tempo de vida, provavelmente não mais que seis meses (na realidade ainda viveu três anos mais após o diagnóstico). Mas, apesar de todo este sofrimento e frustração quanto ao futuro próximo, ele não deixou se abater animicamente, ao contrário, o florescimento da nova Sociedade passou a ser o grande estímulo da sua existência daí em diante. Durante sua estada em Nova Iorque me escrevia cartas, nas quais vislumbrava o sucesso futuro da nossa Sociedade, mas para que tal êxito fosse alcançado deveríamos seguir rigorosamente determinados postulados e a mim ele atribuía a responsabilidade de assim fazê-los cumprir.

Toccalino retornou dos Estados Unidos, recobrou suas forças, continuou sua missão de fortalecer nossa Sociedade de forma obstinada viajando frequentemente enquanto sua saúde assim o permitiu, para consolidar a recém nascida Sociedade Latino Americana de Gastroenterologia Pediátrica e Nutrição. Eu assumi com ele um compromisso irrestrito, continuar a luta de manter viva a chama que com tanto sacrifício foi por ele acesa e, mais ainda, fazer florescer nossa Sociedade, tornando-a reconhecida mundialmente. O destino foi extremamente generoso comigo, também é verdade que o esforço foi gigantesco, mas valeu a pena o desafio. Nossa Sociedade passou a se reunir regularmente a cada dois anos nos mais diversos países da América Latina desde a Argentina até o México, estive presente na quase totalidade das reuniões, nestes trinta e seis anos somente me ausentei de duas delas, organizei o Congresso de 1996, em são Paulo, e fui presidente da mesma de 1996 a 1998. A Sociedade Latino Americana de Gastroenterologia Pediátrica e Nutrição, em decorrência da sua importância conquistada como consequência do trabalho incessante de longo prazo desenvolvido pelos seus membros associados, tornou-se reconhecida pelas existentes congêneres internacionais, a saber: europeia, norte-americana e asiática. Assim, finalmente, a partir deste reconhecimento foi criado o evento Congresso Mundial, congregando todas as sociedades internacionais, o qual, foi inaugurado em 2000, em Boston (Figuras 6-7), seguindo-se em 2004, em Paris, com o compromisso de ser realizado a cada quatro anos, em forma de rodízio, em cada um dos continentes. 



Figura 6- Comissão organizadora do I Congresso Mundial reunida em Denver, em outubro de 1999. Da esquerda para a direita, Ron Sokol (EUA), Samy Cadranel (Bélgica), eu, Yushiro Yamashiro (Japão) e Harland Winter (EUA).
 


Figura 7- Parte da delegação da Disciplina de Gastropediatria da Escola Paulista de Medicina, UNIFESP, docentes, pós-graduandos e especializandos, presente ao I Congresso Mundial, em Boston, em agosto de 2000.

O terceiro Congresso Mundial foi realizado em Foz do Iguaçu, em agosto de 2008, o qual eu tive a imensa alegria e honra de presidir. Revestiu-se de um extraordinário sucesso, com mais de 2500 participantes, vindos de 102 países, tendo sido apresentados 1025 trabalhos de pesquisa na área. Na sessão de abertura do Congresso Mundial, durante meu discurso, pude então, com muito orgulho e tomado de emoção, reverenciar publicamente a figura de Horácio Toccalino, por tudo aquilo que havia batalhado e realizado em pró do engrandecimento da nossa Sociedade (Vide abaixo parte transcrita do discurso de abertura) (Figuras 8-9).  


Figura 8- Momento da abertura do III Congresso Mundial de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição em Pediatria.


Figura 9- Os membros componentes do Comitê Científico durante o jantar de confraternização ao final do Congresso Mundial. Da esquerda para a direita: Jaime Gerson (México), Joaquin Kohn (Argentina), Daniel Dagostino (Argentina), Ricardo Uauy (Chile), Eduardo Salazar-Lindo (Perú), Ulysses Fagundes-Neto (Brasil), José Vicente Spolidoro (Brasil) e Domingo Jaen (Venezuela).


Finalmente, meu compromisso de vida com meu mestre e amigo Horácio Toccalino havia sido cumprido. A partir daquele momento passei a me sentir em paz com a minha consciência, a missão estava concretizada!
5.11- O término da Especialização

Em meados de outubro tive a grande alegria de receber a visita do Prof. Azarias Andrade de Carvalho, Chefe do Departamento de Pediatria da Escola Paulista de Medicina. Ele fez questão de conhecer o Policlínico Alejandro Posadas e conversar com Dr. Toccalino a respeito do meu aproveitamento. Ficou muito bem impressionado com as instalações que conheceu e também ficou bastante satisfeito em ouvir do Dr. Toccalino que meu rendimento estava sendo ótimo, sendo que ele até mesmo recomendava minha contratação quando voltasse ao Brasil, para implantar o Serviço de Gastroenterologia Pediátrica. Prof. Azarias muito gentilmente deu-me a segurança que eu necessitava, assim que houvesse concurso para ingresso na carreira do magistério superior ele apoiaria minha candidatura. Desta forma pude respirar aliviado e seguir os últimos dias da minha especialização com maior tranquilidade, assim escrevi em meu diário, em novembro de 1973:

“Creio que esta será a última vez que escrevo, a verdade é que o tempo é inexorável e sempre caminha em um mesmo sentido, tudo que começa tem que ter um final. No meu caso parece que o final está chegando e o faz muito mais rapidamente do que eu poderia esperar. Já estou aqui há 10 meses e logo mais estarei de volta. O interessante, e ao mesmo tempo pode parecer uma contradição, é que tudo se passou tão rapidamente que nem deu bem para sentir, mas, por outro lado, parece que estou aqui há muitos anos, ou melhor, que aqui sempre foi o lugar do meu trabalho; adaptei-me tão bem, sou muito bem tratado e respeitado que talvez seja essa a razão do meu sentimento... Nunca poderei me esquecer de todos estes médicos que constituem o serviço da gastropediatria (Figuras 10-11-12)...


Figura 10- Almoço da minha despedida do Policlínico Alejandro Posadas, em dezembro de 1973, com a participação da equipe de médicos da Gastropediatria.


Figura 11- Enfermeira Anita, responsável pelos cuidados dos pacientes durante os procedimentos de investigação clínica, e eu em frente a entrada principal do Policlínico Alejandro Posadas.


Figura 12- Festa da minha despedida do Policlínico Alejandro Posadas realizada na casa da enfermeira Anita, em dezembro de 1973.

Por fim, o grande chefe do circo todo, o comandante genial, o cérebro de toda a coisa, o homem prático e matemático, o conselheiro de todas as horas, o amigo irrestrito. Este homem, Horácio Toccalino, eu não poderei nunca deixar de lembrar a cada momento da minha existência como médico e cidadão. Para que se tenha ideia, um dia quando me queixava de que no Brasil não havia possibilidades de se montar um serviço como o dele, ele me disse: Lá não é nada diferente daqui, o que é necessário é trabalhar, trabalhar, trabalhar e acima de tudo formar uma equipe coesa.

Pensei muito a respeito dessas palavras, depois de algum tempo cheguei à conclusão de que tudo é possível de se realizar basta haver determinação para tal. EU VOU FAZER O QUE ELE PREGA.”

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Minha História de vida e minha História vivida na EPM/UNIFESP (10)

5.8- O retorno de Perón à Argentina e mais transformações na vida do país e também na minha
Logo após a eleição de Campora o humor da população de um modo geral sofreu uma radiante mudança, passaram a ser respirados os ares de uma plena democracia. Antes, as pessoas não se atreviam a emitir qualquer opinião política contra o governo militar por puro medo das possíveis retaliações que poderiam vir a sofrer mas agora, porém, diante da nova realidade de plena liberdade, tudo transpirava política. A partir daí pude me dar conta do alto grau de politização que fazia parte da alma do argentino, desde o mais simples cidadão do ponto de vista educacional e sociocultural, passando por todas as estratificações, até o mais refinado intelectual. Em todos os ambientes que eu frequentava, tanto no hospital quanto no bairro onde eu morava, a política era o tema que predominava em todas as conversas. Como no Brasil vivíamos uma ditadura militar que já durava nove anos, o que muito embora a mim não agradasse para nada, eu não havia tido uma participação política ativa contra a ditadura, entendia que minha função era trabalhar como médico atendendo a população e continuar a estudar para manter-me atualizado na minha área de atuação. Na verdade, afora a Medicina meu grande envolvimento era com o esporte, mais particularmente o futebol, minha eterna paixão, a qual perdura até os dias atuais. A política não me entusiasmava, na verdade eu não tinha a consciência da importância do exercício da plena cidadania, poderia mesmo me considerar um alienado politicamente falando, o tema até mesmo me aborrecia. Foi o convívio com meus pares no hospital e no bairro onde morava que, pouco a pouco, fui percebendo, quase de forma inconsciente, que a política permeia todas as nossas ações na vida, queiramos ou não ela está intimamente ligada aos nossos destinos. Assim é que no hospital, como que em um passe de mágica, o assunto das conversas que girava, até então, apenas em torno da Medicina, começou a dar lugar, mais e mais, às questões políticas pelos quais o país passava, mas, além disso, vivíamos também a época da plena guerra fria, portanto, a política mundial necessariamente entrava em cena, em particular o antagonismo direita-esquerda, capitalismo-socialismo, democracia-comunismo. Eu me considerava absolutamente neófito neste campo do conhecimento, principalmente porque meus interlocutores conheciam, pelo menos desde meu ponto de vista, profundamente o assunto, e, como eu me sentia um total ignorante, me calava para escutar e aprender. Mas como me referi anteriormente, política também se discutia no bairro, muito embora em nível bem menos elitizado. Eu morava em um prédio de três andares pertencente a um único dono e aí praticamente habitava apenas a sua família que era numerosa. O andar térreo era todo constituído por lojas que o patriarca alugava para o comércio. Dentre as várias lojas existentes havia uma quitanda e um açougue como parte do mesmo negócio que era dirigido por um senhor mais idoso e seus dois filhos que tinham aproximadamente a minha idade, o Negro e o Pepe. Como aí fazíamos as compras do dia a dia, pouco a pouco fomo-nos tornando amigos, no princípio por causa do futebol, mas depois do retorno à democracia a discussão política passou a preponderar. Em alguns dias da semana, depois de chegar do hospital, no começo da noite, como na Argentina não se costuma jantar antes das 21 horas, enquanto minha mulher preparava a comida eu descia para a quitanda para conversar com eles que sempre me esperavam com uma garrafa de vinho e algum aperitivo. Aí passávamos longos minutos divagando sobre os mais variados temas políticos, e, como já houvesse aprendido algo no hospital com meus colegas médicos, aqui eu me atrevia a dar algumas opiniões, já me sentia seguro para tal. Frequentemente outras pessoas, geralmente fornecedores de mercadorias, também participavam desses deliciosos encontros. Uma delas, em particular, o fornecedor de cigarros que vinha em seu furgãozinho, também da nossa idade, era um peronista fanático, e por mais que se criticasse Perón, ele apresentava um argumento infalível para defendê-lo. Dizia ele, meu pai era muito pobre, um simples operário, mas foi no governo de Perón que ele conseguiu adquirir a sua casa própria, isto tinha um valor incalculável, era uma dívida de honra contraída com Perón para todo o sempre. Foi aí que pude entender duas coisas ao mesmo tempo, a primeira delas, foi a razão pela qual praticamente não havia imóveis para serem alugados em Buenos Aires, e, a segunda, foi compreender o real significado da expressão “realizar o sonho de ter a casa própria”, o que a imensa maioria dos meus compatriotas não possuía. Foi assim, paulatinamente que eu fui me politizando e desfrutando com entusiasmo o direito da livre expressão, sem censuras externas ou autocensura, fui sorvendo com enorme alegria esse ambiente de democracia na sua mais pura conceituação. Havia atingido o que se denomina, em algumas situações críticas, “o ponto do não retorno”, não conseguiria mais me calar diante da falta de liberdade de expressão, esta salutar transformação me havia atingido em cheio e me conquistado definitivamente. Havia assumido um compromisso moral comigo mesmo que quando retornasse ao Brasil iria lutar ativamente pela reconquista da democracia. Dito e feito, assim que retornei ao nosso país passei a batalhar de forma incansável, pacificamente, dentro das minhas possibilidades, cotidianamente pela volta ao estado de direito democrático e pelo pleno respeito das liberdades individuais e coletivas. Eu que havia viajado apenas para fazer uma especialização em Gastroenterologia Pediátrica, retornaria com mais uma bagagem no meu currículo pessoal, ter me transformado em um ser político, um defensor incondicional da democracia.

As discussões políticas, entretanto, não impediam que eu continuasse a desempenhar ativamente minhas tarefas assistenciais e de pesquisa, mesmo porque, estas conversas ocorriam nos intervalos das nossas atividades, durante o café no meio da manhã e o almoço, conforme está registrado no meu diário:
”...tenho aproveitado muito as seções de Raios-X, uma vez por semana as rotineiras, mas na realidade tenho ido de duas a três vezes por semana para acompanhar os meus pacientes. É muito interessante principalmente acompanhar os exames contrastados visualizando também a radioscopia, o que nos dá uma excelente noção da dinâmica do trato digestivo. Nunca tinha visto tanta chapa de estômago em toda minha vida e mais uma vez a verdade se repete, quem procura acha, e tenho achado úlceras gástricas e duodenais em crianças.
Tenho estudado bastante e procurado muita bibliografia sobre tudo aquilo que diz respeito à gastroenterologia. Fiz, ou melhor, estou terminando de fazer, pelo Current Contents (era a melhor e mais moderna forma de se pesquisar a literatura médica na época, ainda não existia internet nem o Google), uma completa revisão de 1972 e praticamente enchi um caderno com referências bibliográficas. Continuo, porém, angustiado em querer estudar tudo e aprender tudo sobre esse mundo que é a gastroenterologia, e, evidentemente, não consigo dominar nem sobre 1/10 das informações disponíveis. No entanto, continuo buscando coisas novas para estudar.

Meu entendimento com o pessoal aqui é muito bom e já fiz grandes amizades, principalmente com dois especializandos de La Plata. Um deles, Eduardo Cueto Rua (Figura 1), desenvolve um trabalho sobre Balanço Metabólico, que por sinal é uma coisa muito interessante.


Figura 1- Eduardo Cueto Rua cuidando de uma criança colocada em "Balance" (Balanço Metabólico), notar embaixo da cama a proveta volumétrica que era utilizada para mensurar as perdas fecais separadas de urina. Cueto era um dos especializandos de La Plata de quem tornei-me íntimo amigo, amizade que perdura inabalável até os dias atuais. Cueto trabalha no Hospital Soror Ludovica em La Plata aonde é chefe do Serviço de Gastroenterologia; ele tem especial interesse pela Doença Celíaca.

Consiste em colocar a criança (tem que ser do sexo masculino) em uma cama cujo colchão tem um orifício na sua porção central, de tal forma a permitir que sejam coletadas separadamente as fezes da urina. Sabendo-se rigorosamente o que a criança ingeriu de líquidos e nutrientes, pode-se determinar com alto grau de precisão, confrontando-se os ingressos com as excreções urinárias e fecais, bem como medindo-se o volume das excretas e dosando-se a quantidade de gorduras, proteínas e açúcares nas fezes, se as perdas são normais ou anormais, e neste último caso qual a intensidade da anormalidade.
Aqui no hospital meu cartaz com o pessoal médico e da manutenção está grande por causa do futebol, estamos disputando um campeonato inter-hospitalar e temos ganhado todas as partidas, eu sou o artilheiro do torneio (o futebol sempre me ajudou na vida).
Em resumo estou muito feliz aqui e penso que sentirei muita saudade de tudo e de todos quando voltar ao Brasil; como experiência médica, mas, principalmente de vida, acho que todos deveriam experimentar uma coisa assim. Vale a pena!”
5.9- A implantação do Balanço Metabólico no Hospital Umberto I e os conhecimentos científicos proporcionados

Alguns anos após retornar ao Brasil, depois de inúmeras tentativas frustradas, finalmente, trabalhando no hospital Umberto I como chefe do Serviço de Pediatria, em meados da década de 1980, consegui criar uma Unidade Metabólica com a finalidade de oferecer um ótimo cuidado assistencial aos nossos pacientes portadores de Diarreia Aguda e Diarreia Persistente, à qual, em homenagem ao meu saudoso mestre, foi denominada Unidade Metabólica “Horácio Toccalino”. Para que nosso objetivo fosse atingido a implantação da técnica do Balanço Metabólico passava a ser de fundamental importância. Os Médicos Residentes foram persistentemente conscientizados da suma importância da implantação desta técnica, de tal forma que em pouco tempo passamos a ter a irrestrita colaboração de todo o corpo assistencial de saúde. Entretanto, devido ao insano trabalho para controlar todas as variáveis a cama metabólica recebeu o sugestivo apelido de “cama diabólica”, mas era unânime a opinião de que sua utilidade mostrava-se de inestimável valor para oferecer o melhor cuidado assistencial aos nossos pacientes (Figuras 2-3-4).


Figura 2- Visão da entrada da Unidade Metabólica do Hospital Umberto I inaugurada no final da década de 1980 em homenagem a Dr. Horácio Toccalino.


Figura 3- Paciente portador de diarréia persistente e desnutrição grave colocado em balanço metabólico no Hospital Umberto I.


Figura 4- Visão de uma das salas da Unidade Metabólica Dr. Horácio Toccalino no Hospital Umberto I, observando-se as enfermeiras cuidando de pacientes que se recuperaram do quadro diarréico enquanto um outro paciente encontra-se na cama "diabólica" realizando balanço metabólico.

A implantação do Balanço Metabólico, com sucesso, passou a nos permitir o cálculo, com exatidão, das perdas hidroeletrolíticas e nutricionais dos pacientes, o que nos trouxe conhecimentos fantásticos a respeito dessas doenças. As taxas de mortalidade intra-hospitalar por Diarreia Aguda caíram a ZERO e as por Diarreia Persistente se mantiveram sempre abaixo dos 5%. Estes resultados espetaculares no tratamento destas enfermidades que, em passado não remoto, haviam sido as principais causas de mortalidade intra-hospitalar no nosso meio, consequentemente, possibilitaram a realização de inúmeras publicações em periódicos médicos nacionais e internacionais, nos quais relatávamos os meios pelos quais os êxitos haviam sido alcançados (vide Curriculum vitae seções Artigos publicados em periódicos e Orientações de Teses de Mestrado e Doutorado).

5.9- A vida de bairro em Buenos Aires

Retornemos novamente aos acontecimentos cotidianos da minha vida social. Morávamos em um bairro tipicamente de classe média, muito tranquilo e totalmente seguro, tudo se assemelhava aos idos dos anos 1950 em São Paulo, as compras eram feitas diariamente na quitanda, no empório, localizados no mesmo quarteirão do nosso apartamento, não havia qualquer supermercado por perto, caminhava-se pelas ruas com absoluta segurança a qualquer hora do dia ou da noite. Assim que nos instalamos começamos a travar relações sociais com nossos vizinhos e comerciantes; como se tratava de um bairro predominantemente de origem judaica, nós éramos vistos como seres um tanto exóticos, primeiro por não sermos judeus e segundo porque éramos brasileiros, o que se constituía, naquela época, algo extremamente inusitado de se observar. Apesar de haver a barreira do idioma que pouco a pouco foi sendo vencida, éramos tratados com muita gentileza e também curiosidade por toda a vizinhança, e, para nossa surpresa, ao tomarem conhecimento que eu era médico passou a haver até mesmo certa reverência no tratamento pessoal. Conversando com as pessoas, ao saberem que eu era fanático por futebol houve uma mobilização no bairro para se formar um time, o que rapidamente aconteceu, em pouco tempo já estávamos disputando algumas partidas amistosas contra outros times das proximidades, nos fins de semana, inicialmente no Parque Palermo, em campos improvisados (Figura 5).



Figura 5- Uly e eu brincando no Parque Palermo antes de uma das partidas amistosas do time do bairro.

Posteriormente, em virtude do sucesso da empreitada, pois vencíamos quase todas as partidas, tornamo-nos mais organizados e ambiciosos. Meus entusiasmados companheiros começaram a se movimentar em busca de adversários mais qualificados, aí passamos a jogar em campos de várzea contra equipes bem formadas, com isso os desafios foram aumentando, era necessário reforçar nosso time para seguirmos vencendo. Foi em uma dessas buscas por reforços que surgiram 2 novos jogadores de alta qualidade e que ao me virem jogando fizeram-me um convite extremamente excitante, disputar pela equipe à qual eles estavam oficialmente vinculados o Campeonato Amador de Buenos-Aires, no Parque Saavedra. Tive um momento de grande hesitação porque se aceitasse este convite teria obrigatoriamente que abandonar o compromisso anteriormente assumido com meus companheiros do bairro, porém tudo ficou resolvido a contento, porque foram os próprios companheiros que se sentiram altamente orgulhosos pelo convite por mim recebido, assim, a decisão de disputar o campeonato tornou-se automática. A equipe pela qual passei a jogar era do bairro Belgrano, ficava a uns poucos quilômetros da minha casa, chamava-se El Faro, posto que sua sede se localizasse em uma linda confeitaria de mesmo nome. Passei assim a satisfazer minha eterna paixão, o esporte competitivo, era uma alegria imensa ir aos domingos pela manhã jogar pelo time que me adotou de imediato um campeonato da cidade. Naquela ocasião o Brasil ainda desfrutava um extraordinário prestigio em decorrência da conquista do tricampeonato mundial no México em 1970, e o apelido mais elogioso que se podia aplicar para um bom jogador brasileiro era Pelé, que naquela época se encontrava no auge da sua carreira. Pois bem, El Faro tinha a tradição de ser um time intermediário neste campeonato que reunia os melhores times amadores de Buenos Aires, e, pela primeira vez em sua estória tinha um jogador brasileiro em suas fileiras que, além disso, era centro-avante. Domingo após domingo o El Faro ia colecionando vitórias, eu ia marcando muitos gols, para surpresa geral nos mantínhamos na liderança do campeonato, o comentário geral era que isso se devia graças aos inúmeros gols marcados pelo “brasileño”, que agora recebeu o apelido que me encheu de orgulho: “Pelé Blanco” (Figuras 6-7). 


Figura 6- Meu time El Faro antes de uma partida do campeonato amador de Buenos Aires.



Figura 7- Meu amigo Cazon, aquele que me convidou a jogar pelo EL Faro, e eu.

Infelizmente, na parte final do campeonato eu sofri minha primeira e única distensão muscular, na parte posterior da coxa direita, não pude mais jogar. O El Faro já não fazia tantos gols como havia se acostumado a fazer, perdeu algumas partidas, terminou o campeonato em um honroso terceiro lugar, sua melhor colocação até então, o que me deixou um tanto frustrado. Por outro lado, restou o enorme prazer de ter disputado um campeonato de alto nível, ter sido reconhecido pelos meus pares como excelente jogador de futebol e acima de tudo ter aprendido muito com a escola argentina de futebol, o que trouxe grandes benefícios posteriores na minha longa e apaixonante vida de jogador de bola, tudo isso enfim, permaneceu por todo o sempre como reminiscências inesquecíveis. 
   
No tocante às questões sociais a vida na Argentina, naquela época, era bastante barata, praticamente não havia inflação, o câmbio nos favorecia significativamente, de tal forma que embora o salário de residente, que eu percebia, fosse apenas simbólico, como eu recebia o aluguel de uma casa em São Paulo, podíamos manter um nível de vida modesto, porém sem penúria. Como nossos amigos mais próximos eram os especializandos de La Plata, Eduardo Cueto Rua, Jorge Donatone, Luis Guimarey e “Negro” Rodrigues (Figuras 8-9-10-11-12) que também levavam uma vida muito modesta porque os salários eram baixos, costumávamos com frequência nos reunir nos fins de semana, no nosso apartamento em Buenos Aires ou viajávamos a La Plata, para longas conversas regadas com um vinho nacional barato, porém decente, e comer fantásticos “asados” (churrascos), porque a carne deles é realmente imbatível, além de barata.


Figura 8- Nosso filho Uly passeando em pleno inverno portenho no parque Centenário em um fim de semana. Neste parque que se localizava próximo ao nosso apartamento eu costumava dar minhas corridas na volta do hospital.


Figura 9- Desfrutando com os amigos de la Plata um "Asado" na casa quinta do sogro de Cueto, o advogado Dr. Carrera.


Figura 10- Mais uma visão do galpão aonde se comiam os "Asados", na casa quinta em Villa Eliza próximo de La Plata.


Figura 11- Nosso filho Uly brincando com Mercedita, filha de Cueto, na casa quinta de Dr. Carrera.


Figura 12- Uma foto histórica, que nunca mais pode ser repetida, com os quatro amigos "Platenses", da esquerda para a direita, Guimarey, Donatone, Cueto, eu e "Negro" Rodrigues.

Vivíamos modestamente, mas a família estava profundamente unida e feliz, tamanha era a felicidade que em Buenos Aires, como uma homenagem a quem nos acolheu com tanto carinho, foi gerada nossa segunda filha, Juliana, a “porteña”, hoje professora de inglês e atriz de enorme talento.