A
história da realização de um Pós-Doutorado no North Shore University Hospital, Cornell University, Nova Iorque: pessoal e científica
O Convite
Em 1974, de volta ao Brasil, após realizar minha
especialização em Gastroenterologia Pediátrica no Policlínico Alejandro Posadas,
em Buenos Aires, no serviço do Dr. Horácio Toccalino, iniciei minhas atividades
de Professor Auxiliar de Ensino no
Departamento de Pediatria da Escola Paulista de Medicina (EPM) sob a chefia do
Prof. Azarias Andrade de Carvalho. Juntamente com o Prof. Jamal Wehba iniciamos
a criação do serviço de Gastroenterologia Pediátrica, partindo do momento zero,
porque nada existia da especialidade e, portanto, tudo teria que ser construído.
A nossa união tornou-se altamente profícua e em pouco tempo, seguindo as sugestões
aprendidas com meu mestre na Argentina, implantamos a assistência ambulatorial,
para atendermos os pacientes que nos eram referidos do Ambulatório Geral, a
qual rapidamente prosperou. Ao mesmo tempo colocamos em prática os
procedimentos de investigação diagnóstica e os testes laboratoriais específicos
da especialidade, particularmente os testes da função digestivo-absortiva.
Concomitantemente prestávamos atenção assistencial e docente aos pacientes
internados nas enfermarias de Pediatria do Hospital São Paulo. Assim, em alguns
meses já trabalhávamos a todo vapor e nosso serviço crescia celeremente.
Constituímos uma excelente parceria com a Profa. Francy Reis Patrício, docente do Departamento de Anatomia
Patológica da EPM, que se interessou em fazer as análises das biópsias de
intestino delgado, intestino grosso e fígado, e também com o Prof. Nelson Machado, chefe do
Laboratório Clínico do Departamento de Pediatria, que implantou os testes de
avaliação das funções digestivo-absortivas, todas essas atividades essenciais
para um desempenho de excelência na especialidade. Estava, pois, constituída a
infraestrutura do serviço para que pudéssemos dar o primeiro salto de qualidade
nas nossas atividades docentes, ou seja, enveredarmos pela investigação clínica,
começar a produzir conhecimentos, um dos pilares mestres da vida acadêmica.
Nosso entusiasmo era enorme posto que estávamos edificando algo que crescia dia
a dia com bases sólidas, já podíamos vislumbrar os primeiros sinais de que a
produção científica estava nascendo e dentro em breve poderíamos apresentar
nossos próprios resultados em Congressos Científicos e inclusive iniciarmos uma
era de publicações em periódicos indexados. De fato, em outubro de 1975, quando da realização do Congresso
Pan-americano de Pediatria, em São Paulo, pudemos apresentar uma série de
trabalhos, por nós produzidos, nas sessões de Temas Livres. Estes trabalhos
chamaram a atenção de um convidado internacional, Dr. Fima Lifshitz, que se
interessou tremendamente por tudo aquilo que estávamos construindo na
especialidade. Em um momento de conversação informal ele me convidou para
realizar um Fellowship em Investigação Pediátrica em seu
serviço, em Nova Iorque, no North Shore University Hospital, afiliado da
Cornell University. O convite, feito de uma forma totalmente inesperada,
deixou-me absolutamente chocado, entre exultante e preocupado, porque havia
menos de 2 anos de chegar da minha especialização em Buenos Aires, estava
começando minha vida profissional, recém havia montado consultório, estava
casado e agora já com 3 filhos (minha mulher havia voltado grávida da
Argentina, nossa segunda filha nasceu em fevereiro de 1974, e logo a seguir
nova gravidez e a terceira filha veio a nascer em junho de 1975), era uma
enorme responsabilidade que pesava sobre os meus ombros tomar uma decisão sem
consultar a família, mas a tentação era irresistível, pois ir trabalhar nos
Estados Unidos, mais ainda com Fima
Lifshitz era um privilégio que não podia ser descartado. Vale
ressaltar que neste mesmo evento eu havia sido convidado por outro palestrante
internacional Dr. Bufford Nichols para
ir trabalhar na Baylor University em
Houston, no Texas, o que também era uma grande tentação, mas a ideia de viver
em Nova Iorque era mais atraente. Mas, sem dúvida alguma, a afinidade com Dr.
Fima Lifshitz era mais intensa, inclusive pela própria linha de pesquisa dele
que tinha muito a ver com a nossa em virtude da sua origem como
pesquisador. Fima Lifshitz,
apesar desse nome estranho, é mexicano de nascimento, filho de um imigrante
judeu russo, cursou medicina no México, foi para os Estados Unidos para
realizar a residência médica e em seguida tornou-se Fellow em
Endocrinologia e Nutrição em Pediatria no John Hopkins Hospital, em Baltimore.
Quando terminou seu treinamento nos Estados Unidos voltou ao México para
trabalhar no Hospital Infantil de México e lá realizou inúmeros trabalhos de
investigação clínica que se tornaram clássicos da literatura médica no que diz
respeito à diarreia-desnutrição e intolerância aos carboidratos. Seus trabalhos sobre este tema foram
publicados nas revistas mais prestigiosas de Pediatria dos Estados Unidos, como
por exemplo, Pediatrics e Journal of Pediatrics, no início da década de 1970, e
serviram de inspiração para que nós aqui na EPM reproduzíssemos seus
resultados. Em virtude da falta de estímulo para seguir vivendo no
México, devido as dificuldades de infraestrutura para trabalhar a contento,
associado a um convite para voltar aos Estados Unidos, Fima decidiu se radicar
definitivamente por lá e foi
trabalhar no North Shore University Hospital, chefiando o serviço de
Endocrinologia e o Laboratório de Investigação Pediátrica. Por
uma coincidência do destino havia conhecido Fima Lifshitz em Buenos Aires, em outubro de 1974, durante a
realização do Congresso Mundial de
Pediatria realizado na Argentina. Durante uma sessão de Temas Livres apresentei
2 trabalhos sobre diarreia-desnutrição e sobrecrescimento bacteriano no
intestino delgado que eu havia desenvolvido durante minha especialização no ano
anterior no serviço de Horácio Toccalino. Fima Lifshitz presidia esta sessão e
ficou vivamente interessado nos resultados apresentados, os quais reafirmavam
os achados por ele obtidos anteriormente. Iniciamos naquele evento uma empatia
que se prolonga por mais de 40 anos, agora um relacionamento absolutamente
fraternal até os dias de hoje.
Após o convite de Fima Lifshitz cheguei à casa exultante de satisfação para comunicar o convite que me havia sido feito. Eu considerava irrecusável apesar de todos os fatores que poderiam pesar ao contrário, tais como uma nova viagem ao exterior por tempo prolongado, abandonar minhas atividades na EPM por uns tempos posto que ainda estivéssemos construindo nosso serviço, interromper minhas atividades recém iniciadas no consultório, que em curto espaço de tempo se mostravam bastante promissoras e, por fim, mas não menos importante, envolver minha família em mais uma aventura no terreno das incertezas. Tinha que convencer minha mulher que tudo iria dar certo, que apesar de a família ter crescido mais ainda, pois agora éramos 5 pessoas, a vida nos Estados Unidos seria uma experiência fascinante e, baseados nos filmes que assistíamos, tudo seria mais fácil e prático não haveria problemas para levarmos uma vida tranquila. As conversas de convencimento foram longas, mas eficazes. Ainda durante o Congresso Pan-americano pude dizer ao Fima que aceitava seu convite, assim acordamos que para lá iríamos em Junho de 1977 para envolver-me com investigação experimental, um antigo e ansiado desejo meu.
Após o convite de Fima Lifshitz cheguei à casa exultante de satisfação para comunicar o convite que me havia sido feito. Eu considerava irrecusável apesar de todos os fatores que poderiam pesar ao contrário, tais como uma nova viagem ao exterior por tempo prolongado, abandonar minhas atividades na EPM por uns tempos posto que ainda estivéssemos construindo nosso serviço, interromper minhas atividades recém iniciadas no consultório, que em curto espaço de tempo se mostravam bastante promissoras e, por fim, mas não menos importante, envolver minha família em mais uma aventura no terreno das incertezas. Tinha que convencer minha mulher que tudo iria dar certo, que apesar de a família ter crescido mais ainda, pois agora éramos 5 pessoas, a vida nos Estados Unidos seria uma experiência fascinante e, baseados nos filmes que assistíamos, tudo seria mais fácil e prático não haveria problemas para levarmos uma vida tranquila. As conversas de convencimento foram longas, mas eficazes. Ainda durante o Congresso Pan-americano pude dizer ao Fima que aceitava seu convite, assim acordamos que para lá iríamos em Junho de 1977 para envolver-me com investigação experimental, um antigo e ansiado desejo meu.
Como se vê haveria um relativo longo período de aproximadamente 18 meses de espera para que chegasse o momento da viagem. Portanto, neste interregno de tempo era necessário acelerar as atividades de pesquisa para que eu pudesse antes de me mudar para os Estados Unidos ter já defendido o Mestrado e o Doutorado.
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