5.7- Os acontecimentos políticos que afetaram a
vida do país e da população, inclusive a minha pessoal e profissional
O ano de 1973 reservou grandes transformações e
surpresas que modificaram de forma dramática o modelo político da Argentina, o
que afetou diretamente a vida da população inclusive a minha, profissional e
pessoal. Naquele ano o país teve três Presidentes da República, inicialmente
saiu de uma ditadura militar, em seguida elegeu um novo Presidente da ala moderada
da esquerda peronista e finalmente teve de volta o velho caudilho, Juan Domingo
Perón, já completamente decadente física e mentalmente.
Quando cheguei, em janeiro, governava o país o
general Alejandro Lanusse que havia se comprometido a entregar a nação de volta
à normalidade democrática, e, para tal, foi marcada a data da eleição para a
presidência da república, a qual foi vencida pelo dentista Hector Campora, um
tradicional e fiel peronista da ala moderada da esquerda, mas que imediatamente
se tornou refém dos radicais de esquerda, em especial do grupo denominado os
Montoneros. Assim que Campora assumiu o governo, em maio de 1973, os Montoneros
desencadearam uma série de invasões em propriedades públicas destituindo
diretorias em nome do povo e de uma pretensa revolução de libertação do jugo
militar. Isto também ocorreu no Posadas, toda a direção foi sumariamente
demitida em uma assembléia geral convocada de última hora, na qual todos os
funcionários do hospital tinham direito isonômico a voz e voto. Esta convocação
incluía desde os trabalhadores de apoio até os profissionais da saúde,
inclusive eu, que aparentemente não tinha nada que ver com os acontecimentos, e
que ainda, além do mais, era estrangeiro e temporário no país. Foi uma reunião
extremamente tensa e interminável, assustadora mesmo, porque em determinado
momento parecia que iria descambar para uma pancadaria generalizada, tão
intensamente alterados estavam os ânimos entre os participantes que se
digladiavam verbalmente, com violência e insultos recíprocos. Finalmente, o
Diretor Superintendente foi destituído por meio de uma votação, praticamente
simbólica, totalmente manipulada pelos Montoneros, que dirigiam a sessão.
Quando a reunião terminou conversei com Dr. Toccalino que externou todo seu
desânimo quanto ao destino futuro, pelo menos em breve prazo, do hospital; a
sensação por ele transmitida era de que uma catástrofe havia se abatido sobre a
instituição, e, tudo aquilo que poderia vir a acontecer de pior, corria-se o
risco de ocorrer daí em diante. Isto me afetou profundamente, fiquei
tremendamente preocupado com a minha vida e a da minha família, afinal de
contas eu tinha uma enorme responsabilidade com o bem estar dos meus entes
queridos e também um compromisso moral de realizar a especialização. Estava no
meio do caminho, havia aprendido muita coisa, porém havia muito mais
conhecimento a ser incorporado, ainda mais em um momento extremamente
florescente da minha formação. A angustia que em mim se abateu foi intensa, não
tinha a menor ideia de como nem quando essa desordem iria terminar. De fato,
durante as duas semanas seguintes pouco se fez em matéria de trabalho, éramos
sistematicamente convocados para assembleias gerais para discutirmos os
destinos do hospital, reuniões tensas, intermináveis e sem quaisquer soluções
práticas. Felizmente, dia após dia as coisas foram se acalmando, os Montoneros
se retiraram do hospital, e a vida foi paulatinamente voltando à rotina
anterior, como registrei em meu diário:
“Parece mentira, mas já se passaram 5 meses da
minha especialização e fazendo um balanço das coisas penso que o saldo tem sido
bastante positivo apesar de todas as intercorrências políticas que praticamente
paralisaram o serviço durante uns quinze dias, somando-se ainda a greve dos
Residentes que, por falta de pagamento dos seus salários, paralisaram suas
atividades durante dez dias. Eu, em solidariedade, os acompanhei e deixei de
cumprir com as minhas atividades assistenciais rotineiras. Agora, felizmente,
tudo já voltou ao normal.
Do ponto de vista das minhas atividades
assistenciais tenho aproveitado bastante, visto uma série grande de doenças com
as quais ainda não havia tido experiência prévia, tais como hepatite tóxica,
hepatite crônica, pólipo juvenil, cavernomatose da veia porta com hipertensão
portal (Figura 1), cirrose, alergia ao leite de vaca e à soja,
intolerância aos carboidratos, várias formas de apresentação da doença celíaca,
inclusive com constipação, glicogenose, divertículo de Meckel, doença
inflamatória intestinal, linfangiectasia intestinal, úlcera duodenal, estenose
hipertrófica do piloro, afora aquelas comumente vistas no nosso meio, tais
como, diarreia aguda e diarreia prolongada. Inclusive no que diz respeito à
doença celíaca vale a pena frisar a espetacular recuperação clínica e
nutricional que os pacientes apresentam quando são colocados em dieta isenta de
glúten, ou seja, com restrição de trigo, cevada e centeio (Figuras 2-3-4-5).
Figura 1- Da esquerda para a direita Mairon Lima, médico brasileiro, radicado em Brasília, que chegou no segundo semestre para realizar a especialização, Sonia Malowisky, residente de terceiro ano do Posadas, Ricardo Licastro, médico senior e chefe da Hepatologia, e a paciente AC, natural de Tucuman, portadora de cavernomatose da porta. Foi minha paciente durante o tempo em que esteve internada, fui seu padrinho de crisma juntamente com Sonia. Apresentava hematêmese devido a presença de varizes esofágicas, e, na época foi submetida a uma cirurgia bastante delicada, uma derivação porto-renal. AC sobreviveu voltou para Tucuman em excelente estado; em 1998, quando fui a Tucuman para dar palestras em um Congresso Médico, AC veio me visitar no hotel, tinha mais de 30 anos de idade, encontrava-se totalmente assintomática, trazia consigo sua filhinha. Este fato se traduziu por um momento de enorme emoção, nunca mais eu havia sabido da sua evolução. Mairon voltou a Brasília, lá organizou o Serviço de Gastropediatria do Hospital de Base, nos tornamos amigos íntimos, amizade que perdura até os dias atuais. Sonia se casou com Chango Córdoba e foi com ele viver em La Pampa. Licastro depois de alguns anos abandonou a medicina para se dedicar a outra atividade profissional.
Figura 2- Paciente portadora de doença celíaca por
ocasião do diagnóstico com grau intenso de desnutrição.
Figura 4- A mesma paciente depois de algumas
semanas em dieta isenta de glúten. Notar a espetacular recuperação clínica e
nutricional; a distensão abdominal costuma perdurar por certo tempo em virtude
da hipotonia da musculatura abdominal durante o período de
desnutrição.
Figura 5- A mesma paciente em visão frontal.
No tocante à parte de procedimentos tenho realizado
um bom número de biópsias de intestino delgado, em média 2 a 3 por semana (por
sinal a primeira que realizei foi no final de março), e realmente a coisa não é
segredo algum. Tenho também realizado retosigmóidoscopias com biópsia retal uma
vez por semana, e já fiz uma biópsia hepática.
Uma vez por semana faço ambulatório com Dr.
Toccalino, e isto tem sido de grande utilidade prática, pois além de atender
pacientes de consultório também acompanhamos a evolução dos pacientes que
estiveram internados. Uma grande experiência, sem dúvida alguma!”
Antes, porém, de prosseguir na descrição das minhas
atividades médicas rotineiras é importante assinalar que quando escrevi há
alguns parágrafos acima “tudo voltou ao normal” foi uma
exagerada força de expressão. Isto porque com a redemocratização do país, a
política nacional tornou-se o centro da imensa maioria das conversas em todos
os espaços que se frequentava. Um lugar comum, naqueles dias, era um manifesto
desejo de que o caudilho Perón retornasse à Argentina, posto que ele vivesse um
longo exílio havia 18 anos, em Madri, Espanha. E, de fato, o ansiado
retorno ocorreu em março de 1973. Cerca de 8 milhões de pessoas foram aguardar
no aeroporto de Ezeiza a chegada do carismático líder, denominado pelos seus
fanáticos admiradores “o pai dos descamisados”. Seu triunfal retorno
constituiu-se em um delírio generalizado, o país entrou em ebulição. Foi uma
das maiores manifestações públicas que eu já presenciei em toda a minha vida.
Na noite anterior à chegada de Perón caravanas e mais caravanas de grupos
populares tocando seus bumbos e entoando as clássicas canções de exaltação ao
velho líder “PERÓN, PERÓN, QUE GRANDE SOS, EL PRIMER TRABAJADOR...”, chegavam à
estação Retiro vindas das mais distantes cidades do interior do país e
marchavam a pé até o aeroporto de Ezeiza uma estafante caminhada de muitos
quilômetros (Figura 6).
Figura 6- A rota de cerca de 35 km que as caravanas peronistas seguiram
caminhando para celebrar a chegada de volta ao país do líder carismático Juan
Domingo Perón.
Logo após a volta de Perón a seus saudosos pagos, iniciou-se uma monumental campanha para que Campora renunciasse e novas eleições presidenciais fossem convocadas, o que de fato rapidamente ocorreu. Assim sendo, Campora se viu obrigado a renunciar ao cargo de presidente da república que há pouco havia assumido, foi nomeado embaixador no México, e desta forma abriu caminho para que em nova eleição Perón, mesmo física e mentalmente debilitado, fosse eleito pela terceira vez presidente da República Argentina tendo como vice-presidente sua terceira mulher Isabel de Perón. Perón veio a falecer em julho de 1974, ato seguinte Isabelita tomou posse e permaneceu no poder até março de 1976, quando mais um golpe militar a destituiu da presidência da República dando início a mais uma tenebrosa ditadura que se estendeu até 1983, ceifando a vida de pelo menos 30.000 argentinos.
Após este breve relato a respeito dos eventos
políticos que transcorreram naquele ano de 1973, e que também fizeram parte da
experiência de vida por mim aprendidas, voltemos ao tema principal deste texto,
ou seja, as atividades médicas. Como se pode depreender do relato do meu diário
feito há alguns parágrafos anteriores, nesta altura dos acontecimentos os
conhecimentos básicos já haviam sido incorporados, mas tudo o que viria depois
suplantou totalmente às mais exigentes expectativas, e, pelo menos para mim
posto que não fazia parte dos planos iniciais, mesmo porque sequer havia sido
imaginado. Refiro-me especificamente à investigação clínica. Entrava
eu, então, naqueles dias, orientado por Dr. Toccalino, na área mais apaixonante
da Medicina, a Pesquisa! Este era um novo mundo que se
descortinava, quase um sonho, e me absorvia integralmente, mas não conflitava
com as atividades clínicas, bem ao contrário, era uma complementação. Em
virtude da grande empatia, amizade e, acima de tudo, da confiança que foi sendo
construída entre nós, Dr. Toccalino me propôs a realização de 2 projetos de investigação
clínica envolvendo nossos pacientes portadores de diarreia aguda e crônica. Na
realidade, tratava-se de investigar a microflora bacteriana do intestino
delgado em ambos os grupos de crianças. Estudaríamos a microflora bacteriana do
intestino delgado destas crianças com a hipótese de que iríamos encontrar um
sobrecrescimento bacteriano da flora fecal anormalmente elevado na secreção
jejunal e com isto demonstrar que este achado seria pelo menos mais um fator
responsável pela perpetuação da diarreia. Para se conseguir obter amostras da
secreção jejunal era necessário fazer com que os pacientes se submetessem a
introdução de uma sonda de polietileno radiopaca por via nasal, até que sua
extremidade distal alcançasse as primeiras porções do jejuno. A evolução da
sonda era acompanhada por radioscopia e quando a mesma atingisse o local
desejado era feita aspiração da secreção com uma seringa, todo o procedimento
realizado em condições assépticas. Após a obtenção da secreção jejunal, esta
era semeada em placas de Agar para cultura e identificação das colônias
bacterianas (Figuras 7-8-9-10).
Figura 7- Foto das sondas de polietileno de tripla
via usadas para obter secreção jejunal. Ao fundo Guimaray e mais atrás o bosque
na parte posterior do hospital.
Figura 8- Fotografia de uma chapa de Raio X
mostrando a localização do trajeto da sonda ao longo do tubo digestivo.
Figura 9- Realização do procedimento de coleta da
secreção jejunal em um paciente portador de diarreia persistente, no Instituto
Malbran.
Figura 10- Dra. Norma Microbiologista do Instituto
Malbran semeando na placa de ágar o líquido jejunal.
A partir desta proposta, que imediatamente aceitei, passei a fazer um vastíssimo levantamento da literatura a respeito do meu tema, o que possibilitou que eu publicasse o primeiro trabalho na literatura médica, e o fiz em uma revista argentina e em espanhol: Fagundes Neto, U. Bacteriologia del tracto digestivo en el niño. Acta Gastroenterológica Latino Americana, 1973; 5: 195-212.
Vale ressaltar que naquela ocasião
havia surgido uma verdadeira avalanche de artigos publicados na literatura
médica a respeito da microflora bacteriana do intestino delgado em condições
normais e patológicas. Esses estudos haviam sido majoritariamente realizados em
indivíduos adultos, as publicações em pacientes pediátricos eram
escassas. Havia, entre outras inúmeras razões duas principais para
justificar esta febre de investigação clínica nesta área da gastroenterologia,
a saber:
1- A primeira conquista foi o
domínio da metodologia da realização da cultura de bactérias anaeróbias que
havia sido recentemente obtido, o que até então era algo praticamente não
disponível aos laboratórios de microbiologia, pois as culturas microbiológicas
somente eram realizadas para pesquisar bactérias aeróbias, o que tornou
factível este tipo de pesquisa. Como já era sabido pelas escassas investigações
disponíveis até aquela época, a população bacteriana do trato digestivo é
majoritariamente anaeróbia, na proporção de 1/100.000, assim, este novo avanço
tecnológico trouxe a possibilidade de se investigar a bacteriologia completa do
trato digestivo, ou seja, ambas as microfloras: anaeróbia e aeróbia. Este
extraordinário avanço metodológico passou a ser um tema altamente atraente para
os investigadores e, além disso, também porque o domínio completo da técnica de
cultura em anaerobiose era ainda restrito a pouquíssimos laboratórios de
microbiologia. No nosso caso tínhamos um grande trunfo nas mãos porque Dr.
Toccalino mantinha de longa data estreitas relações profissionais com uma
iminente microbiologista argentina, Dra. Tereza Eiguer, que trabalhava em uma
prestigiosa instituição de microbiologia denominada Instituto Malbran,
localizado no bairro de Parque Patrícios, na capital federal.
2- A segunda grande conquista diz
respeito à produção das sondas de polietileno flexíveis e radiopacas que havia
sido recentemente introduzida no mercado, o que passou a permitir que o
paciente ao ser entubado tornasse possível identificar com precisão toda sua
trajetória ao logo do trato digestivo e, também, a exata localização da
extremidade distal da sonda. Desta forma, viabilizava-se a obtenção de secreção
jejunal para a realização da cultura bacteriana em meio anaeróbio e aeróbio.
Para ser evitada uma eventual contaminação do material na luz da sonda pelas
secreções das porções superiores do trato digestivo, a sonda era selada na sua
extremidade distal com vaselina solida e na proximal ao fogo.
Dr. Toccalino e eu, tínhamos, portanto, naquele momento alcançado todos os requisitos técnicos para desenvolver os tão ambiciosos projetos de pesquisa, posto que pacientes havia em abundância, as sondas Dr. Toccalino havia conseguido de um fabricante local e, por fim, a Dra. Eiguer mostrou-se altamente interessada em realizar a investigação microbiológica em nossos pacientes.
Dr. Toccalino e eu, tínhamos, portanto, naquele momento alcançado todos os requisitos técnicos para desenvolver os tão ambiciosos projetos de pesquisa, posto que pacientes havia em abundância, as sondas Dr. Toccalino havia conseguido de um fabricante local e, por fim, a Dra. Eiguer mostrou-se altamente interessada em realizar a investigação microbiológica em nossos pacientes.
Apesar de dispormos de todos os requisitos
humanos e técnicos fundamentais para colocar em marcha nosso projeto de
pesquisa, no entanto, faltava solucionar um quesito crucial que era o
logístico, posto que o Policlínico Alejandro Posadas não podia disponibilizar qualquer
meio de transporte para este fim, e o Instituto Malbran distava cerca de 20km
do referido Policlínico (Figura 11).
Figura 11- A rota de 20 km que eu seguia com meus pacientes para coletar as
amostras de secreção jejunal.
Além disso, para a realização do estudo era absolutamente necessário que a coleta da amostra da secreção jejunal fosse realizada no Instituto Malbran e o fluido obtido imediatamente semeado em condição de anaerobiose. Quando tudo caminhava para um impasse fundamental foi ai que entrou a enorme capacidade criativa daqueles que necessitam improvisar para sobreviver, atributo bastante característico dos latino-americanos. Posso afirmar sem nenhum medo de cometer exagero que foi uma grande aventura na qual Dr. Toccalino e eu nos metemos. Como eu possuía um carro decidimos que eu levaria os pacientes ao Instituto Malbran sendo que estes iriam com a sonda previamente colocada até o destino final e ali realizaríamos a coleta da secreção jejunal. Ao findar a coleta do fluido jejunal eu retiraria a sonda naso-jejunal do paciente e retornaria ao Policlínico Alejandro Posadas com o paciente e sua mãe em meu carro. Naqueles tempos esta quase insanidade, posto que o carro era brasileiro, o motorista era médico e brasileiro com visto temporário no país, o paciente com a sonda posta e sua mãe eram argentinos, poderia ser permitida, porém, caso estivéssemos nos dias atuais, este projeto de pesquisa não teria viabilidade ao menos que fosse encontrada alguma outra forma logística de transporte que viesse a cumprir todos os trâmites burocráticos para tal. Foi sem dúvida alguma uma grande aventura, diria eu quase heroica, pois durante meses, semanalmente realizei este percurso e com muita sorte nenhuma intercorrência ocorreu. Realizamos os trabalhos que nos renderam muitos méritos científicos e que particularmente a mim, abriu as portas para uma futura próxima aventura, agora nos Estados Unidos. Infelizmente, meu querido e amado mestre, Dr. Toccalino, muito pouco pode desfrutar destes méritos, porque ele logo a seguir adoeceu de moléstia incurável e veio a falecer pouco tempo depois, sem que tivéssemos tido a oportunidade de celebrar, como seriam merecidas, as publicações dos trabalhos em revistas indexadas internacionalmente. Esta é uma frustação que carrego comigo desde sempre, e lamento constantemente a perda de um médico extraordinário, um pesquisador inquieto e um amigo incondicional. Estes trabalhos são pioneiros no que concerne a bacteriologia do intestino delgado na Pediatria. Foram incialmente apresentados por mim na sessão de temas livres do Congresso Mundial de Pediatria, em 1974, em Buenos Aires, e posteriormente publicados como segue: Fagundes Neto, U; Toccalino, H; Dujovney, F. Stool bacterial aerobic overgrowth in the small intestine of children with acute diarrhea. Acta Paediatrica Scandinavica 1976; 65: 609-17 e Fagundes Neto, U; Eiguer, T; Toccalino, H. Fermentative diarrhea and small intestinal bacterial overgrowth in infancy. Correlation with the nutritional status. Arquivos de Gastroenterologia 1976; 13: 19-28.
Além disso, para a realização do estudo era absolutamente necessário que a coleta da amostra da secreção jejunal fosse realizada no Instituto Malbran e o fluido obtido imediatamente semeado em condição de anaerobiose. Quando tudo caminhava para um impasse fundamental foi ai que entrou a enorme capacidade criativa daqueles que necessitam improvisar para sobreviver, atributo bastante característico dos latino-americanos. Posso afirmar sem nenhum medo de cometer exagero que foi uma grande aventura na qual Dr. Toccalino e eu nos metemos. Como eu possuía um carro decidimos que eu levaria os pacientes ao Instituto Malbran sendo que estes iriam com a sonda previamente colocada até o destino final e ali realizaríamos a coleta da secreção jejunal. Ao findar a coleta do fluido jejunal eu retiraria a sonda naso-jejunal do paciente e retornaria ao Policlínico Alejandro Posadas com o paciente e sua mãe em meu carro. Naqueles tempos esta quase insanidade, posto que o carro era brasileiro, o motorista era médico e brasileiro com visto temporário no país, o paciente com a sonda posta e sua mãe eram argentinos, poderia ser permitida, porém, caso estivéssemos nos dias atuais, este projeto de pesquisa não teria viabilidade ao menos que fosse encontrada alguma outra forma logística de transporte que viesse a cumprir todos os trâmites burocráticos para tal. Foi sem dúvida alguma uma grande aventura, diria eu quase heroica, pois durante meses, semanalmente realizei este percurso e com muita sorte nenhuma intercorrência ocorreu. Realizamos os trabalhos que nos renderam muitos méritos científicos e que particularmente a mim, abriu as portas para uma futura próxima aventura, agora nos Estados Unidos. Infelizmente, meu querido e amado mestre, Dr. Toccalino, muito pouco pode desfrutar destes méritos, porque ele logo a seguir adoeceu de moléstia incurável e veio a falecer pouco tempo depois, sem que tivéssemos tido a oportunidade de celebrar, como seriam merecidas, as publicações dos trabalhos em revistas indexadas internacionalmente. Esta é uma frustação que carrego comigo desde sempre, e lamento constantemente a perda de um médico extraordinário, um pesquisador inquieto e um amigo incondicional. Estes trabalhos são pioneiros no que concerne a bacteriologia do intestino delgado na Pediatria. Foram incialmente apresentados por mim na sessão de temas livres do Congresso Mundial de Pediatria, em 1974, em Buenos Aires, e posteriormente publicados como segue: Fagundes Neto, U; Toccalino, H; Dujovney, F. Stool bacterial aerobic overgrowth in the small intestine of children with acute diarrhea. Acta Paediatrica Scandinavica 1976; 65: 609-17 e Fagundes Neto, U; Eiguer, T; Toccalino, H. Fermentative diarrhea and small intestinal bacterial overgrowth in infancy. Correlation with the nutritional status. Arquivos de Gastroenterologia 1976; 13: 19-28.
Estes trabalhos nos colocavam no estado da
arte da produção científica a respeito da bacteriologia do intestino, estávamos
naquele dado momento alargando os limites da fronteira do conhecimento. Esta
experiência teve uma valia incalculável, porque quando voltei ao Brasil me
associei ao grupo do Prof. Luis Rachid Trabulsi, na Escola Paulista de
Medicina, um dos maiores pesquisadores de enterobactérias em nível
internacional, e inúmeros trabalhos de pesquisa passamos a realizar em conjunto
nos anos vindouros. Desde então a pesquisa passou a ser uma das minhas mais
importantes prioridades no plano profissional como docente, pois produzir novos
conhecimentos é um dos pilares básicos da vida acadêmica.
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