terça-feira, 12 de janeiro de 2010

O Feliz Renascimento do Aleitamento Materno: além do fator nutricional e da proteção constitui-se também numa real declaração de amor (6)

Um trabalho de pesquisa realizado no Brasil e de repercussão internacional

Conforme eu havia mencionado em nosso último encontro o presente texto refere-se a um estudo sobre aleitamento natural realizado por um grupo de consolidada tradição em pesquisa em nosso país. Este trabalho foi elaborado pelo grupo do Departamento Materno-Infantil da Universidade Feral de Pelotas, Rio Grande do Sul, tendo sido publicado no Journal of Pediatrics 2009;155:505-9. Trata-se da revista pediátrica de maior prestígio internacional e que apresenta alto fator de impacto na literatura médica. O trabalho intitula-se “Bed Sharing at 3 Months and Breast-Feeding at 1 Year in Southern Brazil” e está assinado pelos seguintes autores: Iná S.Santos, Denise M. Mota, Alicia Matijasevich, Aluísio J.D. Barros & Fernando C.F. Barros, e versa, portanto, a respeito do compartilhamento da cama entre o lactente e sua respectiva mãe aos 3 meses e qual a associação deste comportamento com a amamentação aos 12 meses de idade.
Introdução

Muitos dos fatores que influenciam a forma como as mães alimentam seus filhos, assim como a duração do aleitamento natural são bem conhecidos, e dentre eles destaca-se a proximidade de ambos. Os métodos da mãe canguru para recém-nascidos de baixo peso e do alojamento conjunto para recém-nascidos adequados para a idade gestacional estão baseados nos efeitos benéficos oriundos da proximidade da relação mãe-filho e auxiliam no sucesso da amamentação.

Por outro lado, após a alta hospitalar os efeitos da proximidade mãe-filho com relação à prática do aleitamento natural também continuam sendo investigados. Semelhante ao alojamento conjunto, o compartilhamento da cama, aqui definido como mãe e filho dormindo à noite na mesma cama, tem sido demonstrado como fator positivo para o êxito da prática do aleitamento natural, porém as informações disponíveis na literatura a esse respeito ainda são muito escassas. Além disso, o compartilhamento da cama nos últimos anos tem sido pouco estimulado devido sua associação com o risco aumentado da Síndrome da Morte Súbita do Lactente (SMSL).

O objetivo do presente estudo foi investigar a associação entre o compartilhamento da cama aos 3 meses e a persistência da prática do aleitamento natural aos 12 meses de idade em uma coorte de crianças de Pelotas, em 2004.

Métodos

A coorte de Pelotas foi constituída por 99,2% de todas as crianças nascidas em 2004 e que vivem na área urbana da cidade, e também no bairro contíguo de Jardim América. Uma entrevista com cada mãe foi realizada no período peri-natal ainda quando estivesse internada no hospital por ocasião do nascimento do seu filho e novamente durante visita domiciliar aos 3 e 12 meses após o nascimento da criança.

Na entrevista dos 3 meses as mães responderam às seguintes perguntas: trabalho remunerado extra-domiciliar, dieta, aleitamento natural, cômodo da casa aonde a criança costumava dormir e informação sobre o hábito de compartilhar a cama com adultos ou outras crianças. Compartilhamento da cama foi definido como um comportamento habitual de compartilhar a cama com outra pessoa durante parte da noite ou durante toda a noite. A prática do aleitamento aos 3 meses foi definida como exclusivo, predominante (associado a água, chá ou sucos) ou parcial (associado a chá, sucos, água e outros alimentos líquidos ou semi-sólidos). Aos 12 meses a prática do aleitamento natural foi novamente avaliada por meio de uma entrevista pessoal à mãe.

Resultados

Esta coorte foi constituída por 4231 crianças nascidas vivas, em Pelotas, em 2004, representando 99,2% da população geral, tendo havido 0,8% de perdas ou recusa em participar da pesquisa. Na visita de seguimento aos 3 meses as mães de 3985 crianças foram entrevistadas (94,2% da amostra inicial; houve 181 perdas ou recusas e 65 mortes). Dentre estas crianças 2866 estavam recebendo aleitamento natural. Na visita de 12 meses houve 5,7% de perdas ou recusas e um total de 82 mortes, fazendo com que houvesse um total final de 3907 crianças. Considerando-se o total da coorte a prevalência da prática do aleitamento natural caiu de 71,9% aos 3 meses para 37,7% (n=1442) aos 12 meses de idade.

A Tabela 1 resume as características das mães e das crianças que recebiam aleitamento natural aos 3 meses e o percentual de crianças que estava recebendo aleitamento materno aos 12 meses de idade. A Tabela 1 revela a associação entre a prática do aleitamento natural aos 12 meses e as seguintes variáveis com relação às mães: nível sócio-econômico, escolaridade, paridade, cor da pele, tipo de parto e trabalho extra-domiciliar. A persistência da prática do aleitamento natural aos 12 meses mostrou-se ser mais freqüente entre as crianças cujas mães relataram que compartilhavam a cama aos 3 meses; aos 12 meses, 59,2% das crianças que compartilhavam a cama aos 3 meses ainda recebiam aleitamento materno comparada com 44% daquelas que não compartilhavam a cama (p<0>
Tabela 1- Características das mães e seus filhos.

A Figura 1 mostra a curva evolutiva da prática do aleitamento materno desde os 3 até os 12 meses de idade comparando as crianças que compartilhavam a cama aos 3 meses com aquelas que não compartilhavam a cama aos 3 meses de idade. Como se pode apreciar a Figura 1 mostra que a taxa de desmame até os 12 meses mostrou-se mais rápido naquelas crianças que não compartilhavam a cama aos 3 meses.

Figura 1- Curva evolutiva da frequência de aleitamento materno entre as crianças que compartilhavam a cama e as que não compartilhavam a cama.


Conclusões

Os autores afirmam que o compartilhamento da cama provê uma aproximação física e ao mesmo tempo facilita que a mãe esteja mais disponível às solicitações de se alimentar por parte do filho durante o período de sono, e também oferece conforto psicológico para a criança.

Os benefícios e os prejuízos para as crianças associados ao compartilhamento da cama tem sido objeto de inúmeras investigações, a maioria das quais desenhadas para identificar os potenciais fatores de risco para a ocorrência da SMSL. A interação entre o compartilhamento da cama e o hábito de fumar com a SMSL também tem sido explorada em várias pesquisas. Embora o compartilhamento da cama tenha sido desestimulado devido ao risco da SMS, alguns estudos têm demonstrado um risco aumentado apenas para as crianças cujas mães são fumantes. Estudos epidemiológicos tem demonstrado uma diminuição entre a associação da SMSL e o compartilhamento da cama, especialmente nos lactentes que receberam aleitamento natural exclusivo até os 4 meses de idade. Até o presente momento, entretanto não há evidências científicas suficientemente conclusivas para afirmar que o compartilhamento da cama seja um fator de proteção contra a SMSL.

De qualquer forma até que se chegue a uma conclusão definitiva a respeito dos riscos e benefícios do compartilhamento da cama, os pais devem ser alertados para evitar as práticas inseguras durante o sono dos seus filhos. Estas incluem o hábito de fumar no ambiente aonde a criança convive, o compartilhamento de sofás fofos, o uso de álcool ou outra drogas que alterem o nível de consciência do adulto que compartilha a cama com a criança. Além disso, os pais também devem ser informados a respeito das boas práticas de segurança para o sono dos seus filhos, tais como, colocar a criança em posição supina (de barriga para cima), sobre uma superfície firme, evitando, portanto, sofás, travesseiros, almofadas etc.

Minha Opinião
Particularmente, eu sempre fui um ardoroso defensor do aleitamento natural exclusivo por tempo prolongado, e devo afirmar que tenho obtido grande êxito em estimular as mães dos meus pacientes em amamentá-los. Entretanto, por inúmeras razões, inclusive algumas delas expostas neste mesmo trabalho, tal como o risco da morte súbita, bem como propiciar aos pais a privacidade necessária para a preservação de um relacionamento saudável, um período de merecido descanso à mãe que amamenta, por exemplo, não sou favorável à opinião de compartilhar a cama com o lactente. Está claro, porém, que esta não é uma posição radical e a decisão de compartilhar a cama ou não com o filho tem que ser definida pelo livre arbítrio dos pais. De qualquer forma este excelente trabalho científico traz à luz pontos para serem debatidos e meditados o que sem dúvida é uma das grandes riquezas da investigação científica quando realizada com metodologia adequada.

No nosso próximo encontro iniciarei a apresentação de um novo e altamente relevante tema da gastropediatria e nutrição.

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