quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Colite Alérgica: Manifestações Clínicas, Diagnóstico e Tratamento (5)

Características Clínicas e Morfológicas da Mucosa Retal em Lactentes com enterorragia devido a Alergia Alimentar: Experiência Pessoal

Dias NJ, Patrício FRS, Fagundes-Neto U
Arquivos de Gastroenterologia 2002; 39:260-67

Considerando que a Colite Alérgica é a causa mais prevalente de colite nos primeiros meses de vida, e que os principais alergenos são as proteínas do leite de vaca e da soja, podendo mesmo ser veiculados pelo leite materno, e, que no nosso meio são escassos os estudos que correlacionam os dados clínicos com os achados histopatológicos na colite, realizamos esta pesquisa, que transcrevo abaixo, de forma resumida:

Objetivos:
1- Descrever as características da morfologia da mucosa retal em pacientes menores de 6 meses com alergia às proteínas do leite de vaca;
2- Comparar as características da morfologia da mucosa retal entre estes pacientes e um grupo controle.

Pacientes Métodos: Foram investigados, de forma prospectiva e consecutiva, 20 lactentes menores de 6 meses que apresentavam queixa clínica de presença de sangue vivo nas fezes e suspeita de alergia alimentar. Em cada caso foram obtidas as seguintes informações: idade, sexo, idade de início do sangramento retal, presença de outros sintomas associados (vômitos, regurgitação, diarréia, palidez, distensão abdominal, cólicas, ganho ponderal inadequado, constipação e febre), peso ao nascer, tipo de alimentação no início dos sintomas (leite materno, fórmula láctea ou outros), idade do desmame, tratamentos dietéticos prévios, antecedentes pessoais e familiares de primeiro grau com outras enfermidades de provável origem alérgica.

Testes Laboratoriais: Foram realizados os seguintes exames: hemograma; parasitológico de fezes; cultura de fezes; retosigmoidoscopia; biópsia retal.

Critérios Diagnósticos de Colite AlérgicaForam utilizados os critérios propostos por Walker-Smith (Clin Exp Allergy 1995;25:20-2).

Grupo Controle: Foram investigados 10 lactentes menores de 12 meses com suspeita de megacolon congênito. A análise da mucosa retal obtida por biópsia revelou-se sem alterações (Figuras 1 & 2).



Figura 1- Mucosa colônica normal evidenciando epitélio preservado, infiltrado linfo-plasmocitário na lâmina própria e glândulas críoticas com a células repletas de muco.


Figura 2- Mucosa retal sem alterações morfológicas evidenciando em ambas as laterais e no centro nódulos linfóides.

Avaliação Morfológica da Mucosa Retal

A biópsia retal foi realizada durante o período de estado da doença, antes do início do tratamento, sem sedação, com a cápsula de aspiração de Rubin. Em todos os pacientes foram obtidos 3 fragmentos de mucosa retal a 2, 3 e 5 cm da borda anal, das paredes lateral ou posterior do reto. Foram avaliados os seguintes elementos microscópicos: alterações no epitélio superficial (degeneração, regeneração, erosão, criptite, metaplasia de células de Paneth), alterações da arquitetura glandular (distorção, ramificação, abscessos crípticos), conteúdo mucoso das glândulas (normal ou reduzido), infiltrado da lâmina própria (tipo, extensão, quantidade), nódulos linfóides (presença, número e localização), presença de granulomas, parasitas, fungos, corpos de inclusão de citomegalovirus e outras inclusões virais. A contagem do número de eosinófilos e neutrófilos foi realizada para cada uma das camadas da mucosa retal (epitélio superficial, epitélio glandular, lâmina própria e muscular da mucosa).

A contagem de eosinófilos foi realizada tomando-se como padrão de anormalidade os achados de Winter e cols. (Mod Pathol 1990;3:5-10) e Odze e cols. Hum Pathol 1993;24:668-74), a saber:

1- Presença de um ou mais eosinófilos por campo de grande aumento (400x) avaliado, no epitélio superficial ou glandular ou na muscular da mucosa. O número total de células foi expresso como a média do número total de células contadas, dividido entre o número de campos de grande aumento avaliados.

2- Presença de 6 ou mais eosinófilos por campo de grande aumento avaliado, na lâmina própria. O número total de células foi expresso da mesma forma que no item anterior.

Foram contados apenas os eosinófilos íntegros. Para caracterização de colite foram utilizados os critérios de Goldman e cols. (Am J Surg Pathology 1986;10:75-86) .

Resultados:

A idade dos pacientes variou de 22 a 175 dias e o início dos sintomas variou entre 2 e 157 dias de vida, sendo que em 85% deles os sintomas se iniciaram antes dos 120 dias de vida.

A dieta de 60% dos pacientes se constituía de fórmula láctea ou aleitamento misto, enquanto que os 40% restantes recebiam lactância materna exclusiva. O desmame ocorreu antes dos 4 meses de idade em 92% dos pacientes (considerando-se aqueles que não estavam recebendo aleitamento materno exclusivo na primeira consulta).

Além da enterorragia os pacientes apresentavam os seguintes sintomas associados: vômitos (65%), palidez (30%), cólicas (20%), diarréia (20%), constipação (5%). Ganho ponderal inadequado foi observado em 15% deles. Lesões cutâneas de provável natureza alérgica (eczema e dermatite seborréica) estiveram presentes em 20% dos pacientes e respiratórias em 10% deles.

Com relação aos tratamentos dietéticos previamente utilizados, sem sucesso, 3 (15%) haviam recebido fórmula de soja e 2 (10%) fórmula à base de hidrolisado protéico.

Em nenhum dos pacientes foi detectada presença de parasitas e nem tampouco microorganismos enteropatogênicos nas fezes.

Erosão do epitélio superficial ou úlcera foi observada em 3 pacientes, ao passo que nos controles não foram observadas alterações no epitélio superficial. O achado mais marcante na biópsia retal dos pacientes foi a presença significativamente aumentada de eosinófilos em todas as camadas da mucosa retal em relação ao grupo controle, respectivamente, a saber: epitélio superficial 1,4 x 0,1; epitélio glandular 1,8 x 0,2; lâmina própria 10,3 x 1,3; muscular da mucosa 2,5 x 0,0. Nas Figuras 3- 4 - 5 e 6 podem ser observadas as distribuições dos eosinófilos nas diversas camadas da mucosa retal nos pacientes com Colite Alérgica.


Figura 3- Notar presença de eosinófilos no epitélio e em grande quantidade na lâmina própria.



Figura 4- Notar presença de eosinófilos em grande quantidade no epitélio e na porção superior da lâmina própia próxima do epitélio.

Figura 5 - Eosinófilos presentes no epitélio e na lâmina própria da mucosa retal.

Figura 6- Presença de eosinófilos na muscular da mucosa.
Os resultados verificados nesta investigação clínico-anátomo-patológica permitem afirmar que:
1- o quadro clínico da Colite Alérgica caracteriza-se, em geral, por início dentro dos 4 primeiros meses de vida, de forma insidiosa, com sangramento retal associado a outros sintomas, tais como diarréia, vômitos, cólicas intensas, irritabilidade;
2- as manifestações clínicas podem se apresentar em lactentes tanto em vigência de aleitamento artificial quanto natural, embora neste último caso os sinais e sintomas costumam ser menos floridos;
3- o número significativamente aumentado de eosinófilos na mucosa retal é o elemento diagnóstico mais importante;
4- o encontro de mais de 6 eosinófilos na lâmina própria e/ou 1 ou mais eosinófilos no epitélio superficial e/ou glandular, por campo de grande aumento, constituem-se nos critérios histo-patológicos para o diagnóstico definitivo de Colite Alérgica;
5- o tratamento dietético preconizado é, sempre que possível, manter o aleitamento materno, sendo que a mãe deve respeitar dieta de restrição de leite e derivados, bem como outros alergenos alimentares reconhecidos;
6- os pacientes que já estavam em aleitamento artificial devem passar a receber fórmula à base de hidrolisado protéico, e na intolerância a este tipo de dieta, deve-se introduzir fórmula à base de mistura de aminoácidos.
No próximo encontro relatarei o manejo terapêutico da Colite Alérgica

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