quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Relato de Caso: Lesões polipoides gástricas em paciente portador de Gastroenterite Eosinofílica

 Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

 

O número de abril de 2020, da tradicional revista Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition, traz um Relato de Caso intitulado “Appearance of Gastric Polypoid Lesions in Eosinophilic Gastroenteritis de autoria de Mizuo A.  e cols., que a seguir passo a resumir.

Menino de 10 anos de idade foi referido ao hospital com história clínica de gastroenteropatia perdedora de proteínas  associada a vômitos persistentes, com 1 mês de duração. Além disso, o paciente referia história prévia de diarreia e anemia havia 4 anos e, há 3 anos, história de hipoalbuminemia. Pesquisa de antígeno fecal de H. pylori resultou negativa.

No momento da internação, os exames laboratoriais revelaram leucopenia (4.100 mm3) com eosinófilopenia (164 mm3) e IgE elevada (1.793 IU/ml). Foi realizada endoscopia digestiva alta que revelou múltiplas lesões polipoides avermelhadas recobertas por muco esbranquiçado na região pilórica (Figura 1A).

 

Foi realizada colonoscopia que revelou lesões aftosas e eritema difuso na mucosa colônica. O exame histológico das amostras de biópsias obtidas das lesões polipoides gástricas, revelaram infiltração eosinofílica. O teste de H. pylori revelou-se negativo, bem como as glândulas císticas não se encontravam dilatadas, como são frequentemente observadas nos pólipos juvenis, e, também, não havia bandas de colágeno como se observa na gastrite colágena e nem tão pouco alterações neoplásicas. (Figura 2A e B).

Estes achados possibilitaram a conclusão diagnóstica de Gastroenterite Eosinofílica. Considerando-se os potenciais efeitos adversos dos corticosteroides, foi iniciado tratamento com cromoglicato de sódio e montelucaste.  Após 1 mês, a anemia e a hipoalbuminemia haviam regredido; 5 meses mais tarde os sintomas haviam desaparecido por completo e, após 12 meses, os achados endoscópicos anormais haviam desaparecido totalmente (Figura 1B). 



Embora os achados endoscópicos na Gastroenterite Eosinofílica costumam ser geralmente variáveis, assemelhando-se tanto a uma mucosa normal ou a outros tipos de gastrenterites, este caso revelou-se o primeiro achado endoscópico de lesões polipoides gástricas muito semelhantemente associadas com inflamação crônica decorrente da Gastroenterite Eosinofílica. Os medicamentos utilizados resultaram eficazes como uma alternativa ao uso dos esteroides. O aspecto das lesões polipoides gástricas associadas aos sintomas clínicos tudo indica ser a comprovação de um caso de Gastroenterite Eosinofílica.      


Meus Comentários

Trata-se de um interessante e incomum relato de caso se apresentando como supostamente de Enteropatia Perdedora de Proteínas. Os dados clínicos e laboratoriais apresentados nos levam nesta direção, porém, não há objetivamente a demonstração da perda proteica fecal. Na minha opinião deveria ter sido realizada a determinação fecal da alfa 1 anti-tripsina para a confirmação diagnóstica de certeza, posto que se trata de um exame de fácil acesso aos laboratórios e de grande acurácia.

 

Referências Bibliográficas   

1-   Mizuo A e cols. - JPGN 2020; 70:84.

2-   Teng X e cols. – Fetal Pediatr Pathol 2013;32:276-83.

3-   Reed C e cols. – Dig Liver Dis 2015;47:197-201.

quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Eosinólifio Progenitor: um promissor marcador biológico sanguíneo da atividade da Esofagite Eosinofílica

Prof Dr Ulysses Fagundes Neto

O número de abril de 2020, da tradicional revista Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition, traz um inédito e importante artigo intitulado “Monitoring Eosinophilic Esophagitis Disease Activity with Blood Eosinophil Progenitor Levels de autoria de Henderson A.  e cols., que a seguir passo a resumir.

Introdução

Esofagite Eosinofílica (EEo) trada-se de uma enfermidade crônica que afeta o esôfago em virtude de uma resposta imunológica anormal a um determinado alérgeno. O diagnóstico da EEo é comprovado em um determinado paciente que apresenta aspectos clínicos característicos associados a biópsia esofágica contendo >15 eosinófilos por campo de grande aumento. Ensaios com dietas de eliminação de alimentos fazem parte comum no tratamento da EEo, e a resposta a este tratamento é observada por meio de repetidas endoscopias com biópsias que confirmam a regressão da eosinofilia esofágica. Os ensaios dietéticos para reintrodução dos alimentos eliminados, após a remissão da enfermidade ser alcançada, são realizados em forma seriada, obedecendo a reintrodução de um alimento a cada tempo, e com a repetição da endoscopia após cada teste de provocação com avaliação histológica da atividade da enfermidade. Um marcador biológico sanguíneo para monitorar a atividade da enfermidade melhoraria significativamente a qualidade de vida dos pacientes e reduziria o risco de procedimentos repetidos, bem como os eventos anestésicos.

Os eosinófilos são produzidos na medula óssea a partir de um Eosinófilo Progenitor (EoP) que pode se mobilizar desde a medula óssea para a circulação sanguínea. Recentemente, foi relatado que níveis de EoP encontravam-se significantemente elevados no sangue periférico de pacientes com EEo em atividade, e que os níveis de EoP correlacionavam-se com as alterações histológicas do esôfago observadas na EEo em atividade. Considerando-se a enorme importância de ser obtido um marcador biológico sanguíneo para avaliar a atividade da EEo foi realizado esse trabalho.

Métodos

Foram selecionados pacientes que obedeciam ao consenso diagnóstico de EEo, e que fracassaram ao tratamento com inibidor de bomba de próton, e que receberam manuseio terapêutico dietético desprovidos do uso de esteroides tópicos. Foi obtida uma amostra de sangue de cada paciente para a identificação dos níveis de EoP, através da técnica de citrometria de fluxo.

Biópsias esofágicas foram obtidas durante a realização do exame de sangue para a análise histológica, com o intuito de avaliar a atividade da EEo.

Resultados

Foram incluídos neste estudo 34 pacientes com idades que variaram de 4 a 17 anos sendo 18 deles portadores de EEo inativa e 16 com EEo ativa no momento da endoscopia. As características dos participantes incluindo idade, sexo, presença de doença atópica, uso de medicamentos, incluindo esteroides tópicos e anti-histamínicos, não se mostraram estatisticamente diferentes entre os dois grupos, EEo ativa e EEo inativa (Tabela 1).


 

A mediana dos níveis de EoP nos participantes com EEo em atividade, mostrou-se 3 vezes superior do que nos participantes com EEo inativa (Figura 1A). Por outro lado, a contagem do número absoluto dos eosinófilos periféricos não se mostrou significativamente diferente entre os dois grupos de pacientes (Figura 1B). Não houve diferenças significativas nos níveis de EoP entre os indivíduos com história de qualquer outra enfermidade atópica tal como, dermatite atópica, rinite alérgica, asma ou alergia alimentar mediada por IgE. Os níveis séricos de EoP não se mostraram diferentes com entre os indivíduos com rinite alérgica ou não, no momento da endoscopia, a despeito da atividade da EEo (Figura 1 C, D). Além disso, não houve diferenças significativas nos níveis do EoP entre os participantes com dermatite atópica controlada ou não controlada (Figura 1 E, F).




Foi realizada investigação para avaliar o efeito de medicamentos nos níveis do EoP, incluindo entre eles inibidores de bomba de próton, preparações com esteroides (dermatológicos, inalantes e intranasal) e anti-histamínicos. Não foram encontradas variações nos níveis séricos do EoP entre os referidos indivíduos.

Níveis séricos do EoP identificam atividade da EEo    

Foi investigada a capacidade dos níveis do EoP, para ser usado como um marcador biológico do sangue periférico, para efetivamente descartar a atividade da enfermidade nos pacientes submetidos a endoscopia, para ensaios dietéticos. Uma curva ROC mostrou uma área abaixo da curva de 0.81 (Figura 2A). Um valor de corte para o nível do EoP que é maior ou igual a 17 detectou acuradamente enfermidade ativa em 79% dos pacientes, com especificidade de 94,4% e sensibilidade de 62,5% (valor preditivo positivo 91%; valor preditivo negativo 74%). Considerando-se o limiar deste nível de EoP ocorreram 7 amostras mal classificadas, incluindo 6 falso-negativos (nível baixo de EoP com EEo em atividade) e 1 falso-positivo (EoP elevado com EEo inativa).      

Todas as 7 amostras mal classificadas foram de pacientes que estavam naquele momento recebendo anti-histamínicos versus 10 das 27 amostras classificadas acuradamente. Levando-se em consideração esses dados foram desenvolvidos dois tipos diferentes de valores de corte de EoP, um para pacientes recebendo anti-histamínicos e um outro para aqueles que não estavam recebendo anti-histamínicos. Uma curva ROC destes pacientes que estavam recebendo anti-histamínicos (N=27) apresentaram uma área abaixo da curva de 0,73 (Figura 2B). O valor de corte do nível do EoP que é menor que 7.4 excluiu acuradamente enfermidade ativa em 100% dos pacientes que receberam anti-histamínicos no momento da endoscopia, e um valor maior que 7.4 previu de forma confiável doença ativa em 60% dos pacientes (Figura 2B; sensibilidade 100%; especificidade 43%; valor preditivo positivo 69%; valor preditivo negativo 100%). Ocorreram 4 resultados falso-positivos e 0 falso negativo. Uma curva ROC para esses pacientes, que não estavam recebendo anti-histamínicos, mostrou uma área abaixo da curva de 1 (Figura 2C). Um valor de corte para o nível de EoP que é maior ou igual a 17, detectou acuradamente enfermidade ativa em 100% do tempo, e um valor menor que 17, previu confiavelmente enfermidade inativa em 100% dos pacientes (Figura 2C). Utilizando-se esses dois valores de corte de EoP para detectar enfermidade ativa, baseando-se no uso de anti-histamínicos, acarretou um teste com sensibilidade de 100% e especificidade de 77,8% para detectar enfermidade ativa.




Nível de EoP identifica pacientes com achados endoscópicos associados com EEo ativa

A atividade da EEo está associada com achados endoscópicos específicos que podem ser mensuráveis e utilizados para identificar pacientes com enfermidade ativa. Utilizando-se um nível de corte da EoP para identificar indivíduos nesta coorte com enfermidade ativa, os achados endoscópicos incluindo edema, exsudato, sulcos no esôfago distal, estavam associados com a atividade EEo.

Conclusões

O presente estudo sugere que níveis de EoP no sangue periférico tem uma promissora perspectiva como um marcador biológico, baseado em amostras de sangue, para avaliar a atividade da EEo após uma modificação terapêutica, especificamente quanto aos ensaios dietéticos. Considerando-se que a EEo, até o presente momento, somente pode ser avaliada pelas alterações histológicas nas biópsias esofágicas, os achados deste trabalho, caso venham a ser posteriormente confirmados em estudos de coortes maiores, poderá diminuir a necessidade de endoscopias e exposição a anestesias em crianças com EEo.

Meus Comentários

Este trabalho, embora de caráter preliminar, abre uma promissora perspectiva para a abordagem clínica dos pacientes portadores de EEo, reduzindo sobremaneira a necessidade de repetidas endoscopias com realização de biópsias esofágicas, para o controle das possíveis alergias alimentares, frequentemente observadas nesta enfermidade. Entretanto, não se pode perder de vista algumas importantes limitações que claramente se apresentam nesta presente publicação. Os autores reconhecem que foram incapazes de avaliar os efeitos da atividade da asma sobre os níveis do EoP, posto que somente 5 pacientes desta coorte apresentavam asma suficientemente grave, que necessitaram corticoides inaláveis. Muito embora os autores reconheçam que os resultados obtidos no presente trabalho necessitam ser validados em coortes maiores, e que o valor de corte da EoP precisa ser confirmado, estamos em um bom caminho para diminuir a necessidade de repetidas endoscopias, para aqueles pacientes que estão submetidos a ensaios dietéticos.      

Referências Bibliográficas

1-Henderson A e cols – JPGN 2020;70: 482-88

2- Furuta G e cols - Gastroenterology 2018;154: 333-45

3- Hirano I e Furuta G – Gastroenterology 2020;158: 840-51