Prof Dr Ulysses Fagundes Neto
O número de abril
de 2020, da tradicional revista Journal of Pediatric Gastroenterology and
Nutrition, traz um inédito e importante artigo intitulado “Monitoring
Eosinophilic Esophagitis Disease Activity with Blood Eosinophil Progenitor
Levels” de autoria de Henderson A. e cols., que a seguir passo a
resumir.
Introdução
Esofagite
Eosinofílica (EEo) trada-se de uma enfermidade crônica que afeta o esôfago em
virtude de uma resposta imunológica anormal a um determinado alérgeno. O
diagnóstico da EEo é comprovado em um determinado paciente que apresenta aspectos
clínicos característicos associados a biópsia esofágica contendo >15
eosinófilos por campo de grande aumento. Ensaios com dietas de eliminação de
alimentos fazem parte comum no tratamento da EEo, e a resposta a este
tratamento é observada por meio de repetidas endoscopias com biópsias que
confirmam a regressão da eosinofilia esofágica. Os ensaios dietéticos para
reintrodução dos alimentos eliminados, após a remissão da enfermidade ser
alcançada, são realizados em forma seriada, obedecendo a reintrodução de um
alimento a cada tempo, e com a repetição da endoscopia após cada teste de
provocação com avaliação histológica da atividade da enfermidade. Um marcador
biológico sanguíneo para monitorar a atividade da enfermidade melhoraria
significativamente a qualidade de vida dos pacientes e reduziria o risco de
procedimentos repetidos, bem como os eventos anestésicos.
Os
eosinófilos são produzidos na medula óssea a partir de um Eosinófilo Progenitor
(EoP) que pode se mobilizar desde a medula óssea para a circulação sanguínea.
Recentemente, foi relatado que níveis de EoP encontravam-se significantemente
elevados no sangue periférico de pacientes com EEo em atividade, e que os
níveis de EoP correlacionavam-se com as alterações histológicas do esôfago
observadas na EEo em atividade. Considerando-se a enorme importância de ser
obtido um marcador biológico sanguíneo para avaliar a atividade da EEo foi
realizado esse trabalho.
Métodos
Foram
selecionados pacientes que obedeciam ao consenso diagnóstico de EEo, e que
fracassaram ao tratamento com inibidor de bomba de próton, e que receberam
manuseio terapêutico dietético desprovidos do uso de esteroides tópicos. Foi
obtida uma amostra de sangue de cada paciente para a identificação dos níveis
de EoP, através da técnica de citrometria de fluxo.
Biópsias
esofágicas foram obtidas durante a realização do exame de sangue para a análise
histológica, com o intuito de avaliar a atividade da EEo.
Resultados
Foram
incluídos neste estudo 34 pacientes com idades que variaram de 4 a 17 anos
sendo 18 deles portadores de EEo inativa e 16 com EEo ativa no momento da
endoscopia. As características dos participantes incluindo idade, sexo,
presença de doença atópica, uso de medicamentos, incluindo esteroides tópicos e
anti-histamínicos, não se mostraram estatisticamente diferentes entre os dois
grupos, EEo ativa e EEo inativa (Tabela 1).
A
mediana dos níveis de EoP nos participantes com EEo em atividade, mostrou-se 3
vezes superior do que nos participantes com EEo inativa (Figura 1A). Por outro
lado, a contagem do número absoluto dos eosinófilos periféricos não se mostrou
significativamente diferente entre os dois grupos de pacientes (Figura 1B). Não
houve diferenças significativas nos níveis de EoP entre os indivíduos com
história de qualquer outra enfermidade atópica tal como, dermatite atópica,
rinite alérgica, asma ou alergia alimentar mediada por IgE. Os níveis séricos
de EoP não se mostraram diferentes com entre os indivíduos com rinite alérgica
ou não, no momento da endoscopia, a despeito da atividade da EEo (Figura 1 C, D).
Além disso, não houve diferenças significativas nos níveis do EoP entre os
participantes com dermatite atópica controlada ou não controlada (Figura 1 E, F).
Foi
realizada investigação para avaliar o efeito de medicamentos nos níveis do EoP,
incluindo entre eles inibidores de bomba de próton, preparações com esteroides
(dermatológicos, inalantes e intranasal) e anti-histamínicos. Não foram
encontradas variações nos níveis séricos do EoP entre os referidos indivíduos.
Níveis
séricos do EoP identificam atividade da EEo
Foi
investigada a capacidade dos níveis do EoP, para ser usado como um marcador
biológico do sangue periférico, para efetivamente descartar a atividade da
enfermidade nos pacientes submetidos a endoscopia, para ensaios dietéticos. Uma
curva ROC mostrou uma área abaixo da curva de 0.81 (Figura 2A). Um valor de
corte para o nível do EoP que é maior ou igual a 17 detectou acuradamente
enfermidade ativa em 79% dos pacientes, com especificidade de 94,4% e
sensibilidade de 62,5% (valor preditivo positivo 91%; valor preditivo negativo
74%). Considerando-se o limiar deste nível de EoP ocorreram 7 amostras mal
classificadas, incluindo 6 falso-negativos (nível baixo de EoP com EEo em
atividade) e 1 falso-positivo (EoP elevado com EEo inativa).
Todas
as 7 amostras mal classificadas foram de pacientes que estavam naquele momento recebendo
anti-histamínicos versus 10 das 27 amostras classificadas acuradamente.
Levando-se em consideração esses dados foram desenvolvidos dois tipos
diferentes de valores de corte de EoP, um para pacientes recebendo
anti-histamínicos e um outro para aqueles que não estavam recebendo
anti-histamínicos. Uma curva ROC destes pacientes que estavam recebendo
anti-histamínicos (N=27) apresentaram uma área abaixo da curva de 0,73 (Figura
2B). O valor de corte do nível do EoP que é menor que 7.4 excluiu acuradamente
enfermidade ativa em 100% dos pacientes que receberam anti-histamínicos no
momento da endoscopia, e um valor maior que 7.4 previu de forma confiável
doença ativa em 60% dos pacientes (Figura 2B; sensibilidade 100%;
especificidade 43%; valor preditivo positivo 69%; valor preditivo negativo
100%). Ocorreram 4 resultados falso-positivos e 0 falso negativo. Uma curva ROC
para esses pacientes, que não estavam recebendo anti-histamínicos, mostrou uma
área abaixo da curva de 1 (Figura 2C). Um valor de corte para o nível de EoP
que é maior ou igual a 17, detectou acuradamente enfermidade ativa em 100% do
tempo, e um valor menor que 17, previu confiavelmente enfermidade inativa em
100% dos pacientes (Figura 2C). Utilizando-se esses dois valores de corte de
EoP para detectar enfermidade ativa, baseando-se no uso de anti-histamínicos,
acarretou um teste com sensibilidade de 100% e especificidade de 77,8% para
detectar enfermidade ativa.
Nível
de EoP identifica pacientes com achados endoscópicos associados com EEo ativa
A
atividade da EEo está associada com achados endoscópicos específicos que podem
ser mensuráveis e utilizados para identificar pacientes com enfermidade ativa.
Utilizando-se um nível de corte da EoP para identificar indivíduos nesta coorte
com enfermidade ativa, os achados endoscópicos incluindo edema, exsudato, sulcos
no esôfago distal, estavam associados com a atividade EEo.
Conclusões
O
presente estudo sugere que níveis de EoP no sangue periférico tem uma
promissora perspectiva como um marcador biológico, baseado em amostras de
sangue, para avaliar a atividade da EEo após uma modificação terapêutica,
especificamente quanto aos ensaios dietéticos. Considerando-se que a EEo, até o
presente momento, somente pode ser avaliada pelas alterações histológicas nas
biópsias esofágicas, os achados deste trabalho, caso venham a ser
posteriormente confirmados em estudos de coortes maiores, poderá diminuir a
necessidade de endoscopias e exposição a anestesias em crianças com EEo.
Meus
Comentários
Este
trabalho, embora de caráter preliminar, abre uma promissora perspectiva para a
abordagem clínica dos pacientes portadores de EEo, reduzindo sobremaneira a
necessidade de repetidas endoscopias com realização de biópsias esofágicas,
para o controle das possíveis alergias alimentares, frequentemente observadas
nesta enfermidade. Entretanto, não se pode perder de vista algumas importantes
limitações que claramente se apresentam nesta presente publicação. Os autores
reconhecem que foram incapazes de avaliar os efeitos da atividade da asma sobre
os níveis do EoP, posto que somente 5 pacientes desta coorte apresentavam asma
suficientemente grave, que necessitaram corticoides inaláveis. Muito embora os
autores reconheçam que os resultados obtidos no presente trabalho necessitam
ser validados em coortes maiores, e que o valor de corte da EoP precisa ser
confirmado, estamos em um bom caminho para diminuir a necessidade de repetidas
endoscopias, para aqueles pacientes que estão submetidos a ensaios dietéticos.
Referências
Bibliográficas
1-Henderson
A e cols – JPGN 2020;70: 482-88
2-
Furuta G e cols - Gastroenterology 2018;154: 333-45
3- Hirano I e Furuta G – Gastroenterology 2020;158: 840-51
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