quarta-feira, 15 de abril de 2020

Colite Alérgica entre primos: a evolução clínica de uma enfermidade de caráter transitório com forte evidência de herança genética (Parte 2)


Ulysses Fagundes-Neto & Jacy Alves Braga de Andrade



Discussão

CA é a manifestação clínica mais comum de alergia alimentar, em especial à proteína do leite de vaca, entre os lactentes no primeiro semestre de vida (13); sangramento retal é a queixa mais frequente, usualmente acompanhada por irritabilidade intensa e desconforto durante a amamentação (14,15). CA trata-se de uma reação imunológica não mediada por IgE desencadeada por uma proteína ou várias proteínas da dieta. Está bem estabelecido que o principal alérgeno da dieta nos primeiros meses de vida é o leite de vaca secundado pela soja (16), porém outros alimentos também podem desencadear alergia alimentar, tais como: leite de outros mamíferos, ovos, trigo, peixe, frutos do mar, cacau, nozes e amêndoas, amendoim e coco. Estes reconhecidos alérgenos alimentares ao fazerem parte da dieta da nutriz podem ser veiculados pelo leite humano. Por esta razão, lactentes que estejam recebendo aleitamento natural exclusivo e que apresentem predisposição genética para alergia, também podem apresentar sintomas de CA, ainda que muitas vezes de forma não florida (17,18). Kilshaw e Cant (19), por exemplo, demonstraram que a beta-lactoglobulina do leite de vaca pode ser detectada em amostras de leite humano entre 4 e 6 horas após a nutriz ter ingerido leite de vaca. Vale enfatizar que todos os nossos 5 pacientes receberam aleitamento natural durante um período de suas vidas e que 4 deles ainda estavam recebendo aleitamento natural exclusivo quando os sinais de colite surgiram. A tentativa de eliminar os principais alérgenos, da dieta da mãe, resultou exitosa em apenas 1 caso (VCA), visto que nos outros 2 casos, as mães decidiram suspender a lactação por não haverem conseguido levar adiante a adesão à dieta de exclusão. Inclusive a mãe de (SVBP) decidiu, por algo tempo, submeter-se a dietas extremamente restritivas, porém, ao ingerir doce de coco pela segunda vez, os sintomas de colite recrudesceram em sua filha, o que a levou a suspender a lactação de forma definitiva. Vale ressaltar que essa paciente ao atingir a idade de receber dieta sólida (6 meses) foi introduzida uma dieta à base de mistura de aminoácidos (Neocate semi-solid food). Entretanto, ao cabo de 1 semana recebendo tal dieta, surgiram lesões eczematosas nos membros superiores e inferiores, as quais desapareceram prontamente com a eliminação deste alimento.

Interessante notar, que sua prima (STBP) havia feito anteriormente uso deste mesmo produto nutricional sem que houvesse revelado quaisquer sintomas de alergia e/ou intolerância. Ficou confirmado desta intercorrência que as manifestações de alergia podem ser amplas às mais diversas proteínas heterólogas da dieta e cujas reações não obedecem a um critério universal para todos os pacientes, ou seja, podem variar de indivíduo para indivíduo (20).

No presente estudo foi possível demonstrar claramente que esta manifestação de alergia é transitória conforme é referido por outros autores (14,20,21), diferentemente de algumas intolerâncias/alergias alimentares, tais como a doença celíaca, por exemplo, enfermidade autoimune, a qual se trata de uma intolerância permanente ao trigo e derivados da dieta (22). Neste estudo tivemos a oportunidade de acompanhar os 5 pacientes desde o diagnóstico inicial até o momento em que foi realizado o desencadeamento com sucesso após um longo período de evolução que perdurou entre os 11 e os 18 meses de idade dos nossos pacientes. Até aonde nosso conhecimento alcança esta é a primeira descrição da evolução clínica completa de pacientes portadores de CA desde o diagnóstico até o exitoso momento do teste de provocação com o alimento considerado mais alergênico, o leite de vaca. Vale assinalar, também, que todos os 5 pacientes já toleravam perfeitamente todos os outros alimentos componentes da dieta rotineira da nossa cultura alimentar, antes de ser realizado o teste de provocação com leite de vaca.

As lesões colônicas macroscópicas revelaram os mesmos aspectos característicos descritos por outros autores, porém em um deles a lesão no colon direito simulando granuloma, não é um achado comum da CA (VCA). Por esta razão, foi inclusive levantada a suspeita diagnóstica de doença de Crohn, muito embora a idade precoce do paciente fosse um fator que contrariaria esta hipótese. De qualquer forma foram solicitados os testes para investigar doença inflamatória intestinal, os quais resultaram negativos, e a própria evolução clínica do paciente demonstrou tratar-se realmente de colite alérgica. Outro paciente (STBP), além das lesões características inflamatórias apresentava também uma exuberância de nódulos linfóides visíveis macroscopicamente, o que está de acordo com a experiência descrita por outros autores (23). A análise microscópica das lesões coincidiu plenamente com nossa experiência anteriormente descrita e confirma o que tem sido descrito na literatura (5,12).

Atualmente é do reconhecimento geral que existe uma predisposição genética para alergia a qual age em associação com um ou mais fatores desencadeantes (24). Particularmente, no caso da alergia alimentar alguns fatores que desempenham papel de importância no seu desencadeamento têm sido descritos, tais como, dieta materna, dieta do lactente, prematuridade, ausência de aleitamento natural exclusivo, deficiência de IgA secretora, deficiência da barreira de permeabilidade intestinal (25,26,27) etc. Entretanto, a ocorrência de CA em grupos familiares, como o verificado no presente estudo, parece sugerir uma forte evidência de predisposição genética familiar. Casos de CA têm sido raramente descritos entre irmãos ou parentes próximos. Nossos achados confirmam os de Nowak-Wegrzyn (28), em 2003, que descreveu caso de CA provocada pela proteína da soja em um par de gêmeos, bem como, os de Hill e Milla (10), em 1990, que descreveram quadro de CA em 3 irmãos, em um grupo de 13 pacientes com história de atopia em parentes de primeiro grau.

Em conclusão, tudo indica que a manifestação de CA no primeiro semestre de vida apresenta globalmente um aumento na sua incidência; foi confirmado em nosso estudo o caráter transitório desta enfermidade e, ao mesmo tempo, enfatizada uma forte evidência de predisposição genética familiar especificamente para seu desencadeamento. 

Eu sou Sueli, tenho 11 meses, agora me sinto muito bem, porém, quando eu era bem pequena meu coco tinha muito sangue e eu sentia muitas cólicas. Espero que em pouco tempo eu já poderei comer de tudo, inclusive tomar leite de vaca.  

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