Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto
Mecanismos de Refluxo
Em
geral o refluxo ocorre por meio de quatro mecanismos, a saber: relações
transitórias do EEI (rtEEI), baixa pressão do EEI, relaxamentos do EEI
associados a deglutição e a tensão durante os períodos de baixa pressão do EEI.
Os mecanismos que previnem contra o refluxo variam com as circunstâncias
fisiológicas e a anatomia da junção esôfago-gástrica. Por exemplo, o diafragma
crural pode ser de capital importância devido ao aumento abrupto da pressão
intra-abdominal e o esforço. Em contraste a pressão basal do EEI, pode ser de
importância primária durante a posição de repouso recumbente e no estado
pós-prandial, e uma hipotensão do EEI pode predispor os pacientes a sofrerem
mais episódios de refluxo à noite e após as refeições. Quando estes mecanismos
protetores estão comprometidos os efeitos prejudiciais tornam-se somatórios,
aumentando os números dos eventos de refluxo e uma exposição anormal aos
refluxos esofágicos (Figura 8).
Figura 8
Há
uma evidência convincente de que os rtEEI são os mecanismos mais frequentes de
refluxo durante os períodos de pressão normal do EEI (acima de 10mmHg). Por
definição relaxamentos transitórios da EEI ocorrem independentemente da
deglutição, não são acompanhados por peristaltismo, são acompanhados por
inibição diafragmática, e persistem por mais longos períodos do que os
relaxamentos da EEI induzidos pela deglutição. O estímulo dominante da rtEEI é
a distensão do estômago proximal, a qual estimula as fibras intraglanglionares
terminais encontradas nos receptores finais dos aferentes vagais.
A
DRGE pode ocorrer em decorrência de uma diminuição da pressão do EEI, tanto por
esforço induzido ou por refluxo livre. O refluxo induzido por esforço ocorre
quando há um episódio de hipotensão do EEI em associação com um aumento abrupto
da pressão intra-abdominal. Dados de estudos de manometria indicam que este
fato raramente ocorre quando a pressão do EEI é superior a 10 mmHg. O refluxo
livre é caracterizado por uma diminuição do pH intra-esofágico na ausência de
uma alteração identificável, tanto na pressão intragástrica quanto na pressão
do EEI.
Episódios
de refluxos livres são observados somente quando a pressão da EEI se encontra
entre 0-4 mmHg da pressão intragástrica; este fato é observado em pacientes no
estágio final da esclerodermia ou após a miotomia cirúrgica em pacientes com
acalasia.
Depuração Esofágica
Após
ocorrer um evento de refluxo, a duração que a mucosa esofágica permanece
exposta ao suco gástrico é denominada tempo de exposição ao refluxo ou tempo de
contato do bolus. A exposição da mucosa aos componentes cáusticos e irritantes
do suco gástrico provoca lesão, inflamação e sintomas; a depuração prolongada
do ácido, se correlaciona com a intensidade da esofagite e a presença de
metaplasia de Barret. Entretanto, o limiar para estas respostas e complicações
variam, e, tudo indica, sejam influenciadas pela integridade do epitélio. A
avaliação convencional da depuração esofágica, tem focado, portanto, na
mensuração do pH, e o tempo de depuração ácida esofágica é determinado pelo
tempo no qual o lúmen esofágico permanece acidificado pelo pH menor
que 4, após o evento de um refluxo. Embora esta análise focalize sobre a
acidez, novas metodologias têm utilizado a impedância como um sinal para
analisar a presença e a depuração do bolus. Estas ferramentas têm sido úteis
para identificar subpopulações que responderão à supressão ácida, e isto
enfatiza a importância da exposição do refluxo além do ácido.
A
depuração esofágica do bolus e do ácido inicia-se com o peristaltismo após a
ocorrência de um evento de refluxo, e esta ação é complementada por um
tamponamento adicional causado pela saliva deglutida. Portanto, as duas principais causas
potenciais de exposição prolongada ao refluxo e da depuração ácida são
decorrentes de uma disfunção que prejudica o esvaziamento esofágico via
peristaltismo e da função salivar prejudicada. Entretanto, outro componente
importante que pode impedir a depuração do refluxo é a hérnia de hiato, posto
que esta anormalidade anatômica está associada ao re-refluxo durante a
deglutição, a qual burla a função de esvaziamento pelo peristaltismo.
Sintomas não esofágicos da
DRGE
Devido
a exposição do esôfago ao material refluído, a DRGE provoca sintomas esofágicos
(queimação retroesternal, regurgitação e dor torácica) e lesões (esofagite de
refluxo, estenoses e esôfago de Barret). Entretanto, a DRGE também tem sido
envolvida na patogênese de um número significativo de manifestações sintomáticas denominadas atípicas ou
extra esofágicas, incluindo o ouvido, nariz e garganta (laringite e faringite);
transtornos pulmonares (asma e tosse) e dentárias (erosão dentária). Há alguma
controvérsia a respeito do papel da DRGE na patogênese destes transtornos e
pouco se conhece acerca da fisiopatologia das manifestações extra esofágicas da
DGRE.
As
manifestações da DRGE podem surgir por meio de um mecanismo direto de refluxo,
no qual a microaspiração do conteúdo gástrico causa lesão ao ouvido, nariz e
garganta ou no epitélio respiratório.
Esse mecanismo encontra-se apoiado por estudos demonstrando a ocorrência
de refluxo para as vias respiratórias superiores ao utilizar monitoramento do
pH faríngeo ou análise dos componentes do suco gástrico (pepsina e bile) no
fluido de lavagem brônquio-alveolar.
Sensibilidade aos episódios
de refluxo
A
sensibilidade aumentada ao refluxo ácido tem sido implicada na baixa resposta
terapêutica à supressão ácida nos pacientes com DRGE não erosiva. A
sensibilidade mecânica poderia também contribuir para os sintomas relacionados
ao refluxo. Pacientes com a DRGE erosiva não apresentam sensibilidade mecânica
alterada do esôfago em comparação com controles, porém, pacientes com esôfago
sensível ao ácido apresentam sensibilidade aumentada à distensão esofágica com
balão. Estudos utilizando distensão com balão têm demonstrado a indução de
queimação retroesternal e, também, que o esôfago proximal é mais sensível do
que o distal. A ativação das vias aferentes mecânico-sensíveis quando o esôfago
é distendido durante os eventos de refluxo, é, portanto, um importante
mecanismo de geração de sintomas durante um episódio de refluxo fracamente
ácido. Por exemplo, isso poderia ocorrer nos pacientes sintomáticos a despeito
de uma terapia de supressão ácida adequada (Figura 9).
Figura 9
Mecanismos periféricos
Terminações
nervosas que supostamente intermediam a sensibilidade dos conteúdos gástricos
refluídos estão presentes na camada submucosa do esôfago, o que determina que o
sinal do refluído necessita cruzar a barreira mucosa para possibilitar a
percepção dos sintomas. A resistência diminuída pela penetração transmucosa dos
componentes do material refluído é um potencial mecanismo periférico para a
hipersensibilidade esofágica ao refluxo. A correlação morfológica desta perda
da integridade da mucosa se deve ao achado de espaços intercelulares dilatados,
quando as biópsias esofágicas são estudadas pela histologia, ou de forma mais
acurada, pela microscopia eletrônica. Uma série de estudos têm demonstrado a
existência de receptores ácidos sensíveis, expressos nas terminações nervosas
da submucosa, e que são os transdutores sensoriais para os sintomas induzidos
pelo refluxo. Estes estudos fornecem evidências de que os espaços
intercelulares dilatados são uma consequência dos fatores agressivos do
material refluído, que induzem o conteúdo do lúmen esofágico a ativar as
terminações nervosas, levando à geração dos sintomas (Figura 10).
Figura 10
Mecanismos centrais
Mecanismos
centrais, atribuídos às alterações do processamento dos sinais aferentes desde
o esôfago, também têm sido explicados na patogênese da hipersensibilidade
esofágica. Esses mecanismos poderiam envolver a amplificação dos sinais de
entrada e a falta de inibição das vias descendentes anti-noceptivas. Estas vias
são reguladas por fatores que afetam os mecanismos centrais, tais como:
estresse, ansiedade e características da personalidade.
Sistemas
de neurotransmissores envolvidos nos efeitos anti-noceptivos centrais incluem
opioides endógenos, endocanabinóides e serotonina.
Inúmeros
pacientes com DRGE relatam que o estresse exacerba seus sintomas. Estudos
realizados por Fass e cols. e Bradley e cols. evidenciaram que estressores
agudos exacerbaram os sintomas de queimação retroesternal em pacientes com
DRGE, por acentuarem a resposta perceptiva à exposição ácida no esôfago. O
estresse está frequentemente associado a alterações do processamento central
dos sinais aferentes, como por exemplo, a queimação retroesternal.
Comorbidades
psicossociais também determinam a intensidade da DRGE e a resposta à
terapêutica. Pacientes com sintomas de refluxo geralmente sofrem de ansiedade e
depressão. Estes pacientes apresentam acentuados efeitos dos sintomas e referem
baixa qualidade de vida, mesmo quando os parâmetros de refluxo não diferem
daqueles pacientes que não apresentam essas comorbidades.
Conclusões
A
fisiopatologia da DRGE continua a ser uma área de progressos na pesquisa,
graças aos avanços tecnológicos que têm contribuído para as mudanças de
conceitos. O conhecimento atual origina-se de pesquisas que têm focalizado na
exposição ao refluxo e na respectiva sensibilidade esofágica à exposição do
material refluído. A consideração de fatores motores e anatômicos tem permitido
uma melhor compreensão das causas da exposição do refluxo. A natureza do
material refluído determina seu impacto na existência de sintomas, lesões e
complicações. Mecanismos sensoriais determinam a relação entre a exposição ao
refluxo e a geração dos sintomas. Fatores primordiais são a função de barreira
da mucosa, a expressão dos nervos sensoriais e o nível da modulação no sistema
nervoso central. As respostas do sistema nervoso central são moduladas por
vários fatores, tais como: estresse e comorbidades psicossociais. Uma maior
compreensão dos mecanismos fisiopatológicos dos sintomas da DRGE, e suas
consequentes lesões, devem acarretar novos e mais eficazes opções para um
melhor alvo no tratamento de cada paciente individualmente.
Referências
Bibliográficas
1) Tack J & Pandolfino JE – Gastroenterology
2018;154:277-288
2)Fass & cols. – Gastroenterology
2008;134:696-705
3)Bradley & cols. – Gastroenterology
1993;88:11-19
4)Jansson
& cols. -Aliment Pharmacol Ther 2007;26:683-691
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