Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto
Parte
2: Fisiopatologia
A
Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) é definida pela presença de sintomas
ou complicações diretamente relacionadas ao fluxo retrógrado do conteúdo
gástrico para o esôfago. Algum grau de refluxo pode ser considerado normal, e,
para que haja a ocorrência da DRGE, é necessário um aumento da exposição
esofágica ao suco gástrico ou uma redução no limiar do epitélio esofágico para
lesão e percepção dos sintomas. Este equilíbrio entre exposição ao refluxo,
resistência epitelial e sensibilidade visceral é delicado, pois pode ser
alterado por perturbações fisiológicas e fatores anatômicos, que tanto promovem
ou impedem o refluxo para o esôfago, protegem ou lesam o epitélio por conta do
suco gástrico.
Em
condições normais, o refluxo para o esôfago é prevenido por uma barreira
anti-refluxo, a qual se constitui em uma complexa zona anatômica composta por
múltiplos componentes, incluindo o esfíncter esofágico inferior (EEI), o
diafragma crural extrínseco e as estruturas de suporte da aba da válvula
gastroesofágica (Figuras 1-2-3).
Figura
1- Anatomia da junção esôfago-gástrica.
Figura
2- Anatomia dos esfíncteres esofágicos: superior e inferior.
Figura
3- Diferentes situações do EEI de acordo com a respiração.
Quando
esses componentes protetores estão comprometidos os efeitos deletérios se
somam, resultando em um número aumentado de eventos de refluxo e, também, um
aumento anormal na exposição esofágica pelo material refluído (Figura 4).
Figura
4- Representação esquemática da competência e da incompetência do EEI.
Quando
o suco gástrico invade o esôfago, fatores de defesa auxiliam na depuração do
material refluído para o esôfago e protegem o epitélio. A quebra destas forças
protetoras acarreta a DRGE. Entretanto, complicações e sintomas também podem
ocorrer nos indivíduos que possuem uma carga normal de refluxo, quando há tanto
uma pobre resistência epitelial ou uma sensibilidade visceral aumentada. A
patogênese da DRGE é, portanto, complexa e determinada por interações
envolvendo múltiplos fatores agressivos e defensivos.
Exposição ao Refluxo
A
DRGE surge devido à injúria provocada pelo ácido gástrico que é nocivo ao
esôfago. A exposição excessiva do refluxo é normalmente prevenida por uma
função de barreira anti-refluxo, e, a consequência direta da existência de uma
barreira anti-refluxo prejudicada resulta no aumento do número de eventos de refluxo,
por meio de uma variável diversidade de mecanismos. Uma vez que o refluxo tenha
ocorrido, a lesão e os sintomas são regulados pela duração da exposição e o
grau de causticidade do suco gástrico. A duração da exposição ao refluxo é
determinada pela eficácia da depuração do refluxo esofágico cujos fatores
determinantes são, a saber: peristaltismo, salivação e a presença ou não de
hérnia de hiato. Anormalidades na depuração esofágica são provavelmente os mais
importantes fatores determinantes para o desenvolvimento de esofagite, e, por
outro lado, a sensibilidade esofágica é a maior determinante para a percepção
da DRGE.
Refluxo Gástrico
A
secreção gástrica é uma mistura lesiva de ácido, bile e enzimas digestivos que
auxiliam na digestão dos alimentos que serão encaminhados ao intestino delgado.
Esse material é caustico e pode, portanto, potencialmente lesar a maioria das
camadas epiteliais do esôfago, ao menos que medidas protetoras apropriadas existam
no local para tamponar o ácido e proteger a mucosa da inflamação, e de outros
efeitos diretos do material refluído. Muito embora todos esses componentes
possam provocar lesão e irritação ao esôfago, o ácido é o determinante primário
dos sintomas de refluxo e da esofagite (Figura 5).
Figura
5- Representação esquemática do refluxo ácido.
Eventos de Refluxo
A
barreira anti-refluxo é uma complexa zona anatômica de alta pressão que se
origina por uma via sinérgica entre o EEI e o diafragma crural. A função desta
barreira é mantida pela arquitetura da aba da válvula gastroesofágica, a qual é
sustentada pelo ligamento freno-esofágico e pelas fibras gástricas do cárdia.
As estruturas de sustentação auxiliam na manutenção da posição do EEI
intrínseco no interior do diafragma crural extrínseco de tal forma que estas
duas estruturas se sobrepõem e criam uma barreira mais eficaz. A gravidade do
refluxo se correlaciona com a intensidade da disfunção de cada um dos
componentes individuais da barreira anti-refluxo (Figura 6).
Figura
6- Barreiras anti-refluxo.
O
EEI é um segmento curto composto por músculo liso tonicamente contraído, localizado
na porção distal do esôfago. Seu tono de repouso varia nos indivíduos normais
entre 10 e 30mmHg, em relação à pressão intra-gástrica. O EEI provê uma
barreira suficiente para contrabalançar o gradiente de pressão gastroesofágico,
através da junção esofagogástrica. De uma maneira geral, a pressão do EEI é
afetada por fatores neurogênicos e miogênicos; estes são modificados pela
pressão intra-abdominal, distensão gástrica, peptídeos, hormônios, alimentos e
medicamentos (Figura 7).
Figura
7- Anatomia do esfíncter esofágico inferior.
Referências Bibliográficas
1) Gastroenterology 2008;134:696-705.
2) Bradley & cols. – Gastroenterology
1993;88:11-19.
3) Jansson
& cols. -Aliment Pharmacol Ther 2007;26:683-691.
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