terça-feira, 16 de abril de 2019

Doença do Refluxo Gastroesofágico: uma atualização da apresentação, prevalência, fisiopatologia, diagnóstico e tratamento (Parte 2 - A)

Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto


Parte 2: Fisiopatologia

A Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) é definida pela presença de sintomas ou complicações diretamente relacionadas ao fluxo retrógrado do conteúdo gástrico para o esôfago. Algum grau de refluxo pode ser considerado normal, e, para que haja a ocorrência da DRGE, é necessário um aumento da exposição esofágica ao suco gástrico ou uma redução no limiar do epitélio esofágico para lesão e percepção dos sintomas. Este equilíbrio entre exposição ao refluxo, resistência epitelial e sensibilidade visceral é delicado, pois pode ser alterado por perturbações fisiológicas e fatores anatômicos, que tanto promovem ou impedem o refluxo para o esôfago, protegem ou lesam o epitélio por conta do suco gástrico.

Em condições normais, o refluxo para o esôfago é prevenido por uma barreira anti-refluxo, a qual se constitui em uma complexa zona anatômica composta por múltiplos componentes, incluindo o esfíncter esofágico inferior (EEI), o diafragma crural extrínseco e as estruturas de suporte da aba da válvula gastroesofágica (Figuras 1-2-3).
Figura 1- Anatomia da junção esôfago-gástrica.

Figura 2- Anatomia dos esfíncteres esofágicos: superior e inferior.

Figura 3- Diferentes situações do EEI de acordo com a respiração.

Quando esses componentes protetores estão comprometidos os efeitos deletérios se somam, resultando em um número aumentado de eventos de refluxo e, também, um aumento anormal na exposição esofágica pelo material refluído (Figura 4).

Figura 4- Representação esquemática da competência e da incompetência do EEI.

Quando o suco gástrico invade o esôfago, fatores de defesa auxiliam na depuração do material refluído para o esôfago e protegem o epitélio. A quebra destas forças protetoras acarreta a DRGE. Entretanto, complicações e sintomas também podem ocorrer nos indivíduos que possuem uma carga normal de refluxo, quando há tanto uma pobre resistência epitelial ou uma sensibilidade visceral aumentada. A patogênese da DRGE é, portanto, complexa e determinada por interações envolvendo múltiplos fatores agressivos e defensivos.

Exposição ao Refluxo

A DRGE surge devido à injúria provocada pelo ácido gástrico que é nocivo ao esôfago. A exposição excessiva do refluxo é normalmente prevenida por uma função de barreira anti-refluxo, e, a consequência direta da existência de uma barreira anti-refluxo prejudicada resulta no aumento do número de eventos de refluxo, por meio de uma variável diversidade de mecanismos. Uma vez que o refluxo tenha ocorrido, a lesão e os sintomas são regulados pela duração da exposição e o grau de causticidade do suco gástrico. A duração da exposição ao refluxo é determinada pela eficácia da depuração do refluxo esofágico cujos fatores determinantes são, a saber: peristaltismo, salivação e a presença ou não de hérnia de hiato. Anormalidades na depuração esofágica são provavelmente os mais importantes fatores determinantes para o desenvolvimento de esofagite, e, por outro lado, a sensibilidade esofágica é a maior determinante para a percepção da DRGE.   

Refluxo Gástrico

A secreção gástrica é uma mistura lesiva de ácido, bile e enzimas digestivos que auxiliam na digestão dos alimentos que serão encaminhados ao intestino delgado. Esse material é caustico e pode, portanto, potencialmente lesar a maioria das camadas epiteliais do esôfago, ao menos que medidas protetoras apropriadas existam no local para tamponar o ácido e proteger a mucosa da inflamação, e de outros efeitos diretos do material refluído. Muito embora todos esses componentes possam provocar lesão e irritação ao esôfago, o ácido é o determinante primário dos sintomas de refluxo e da esofagite (Figura 5).

Figura 5- Representação esquemática do refluxo ácido.

Eventos de Refluxo  

A barreira anti-refluxo é uma complexa zona anatômica de alta pressão que se origina por uma via sinérgica entre o EEI e o diafragma crural. A função desta barreira é mantida pela arquitetura da aba da válvula gastroesofágica, a qual é sustentada pelo ligamento freno-esofágico e pelas fibras gástricas do cárdia. As estruturas de sustentação auxiliam na manutenção da posição do EEI intrínseco no interior do diafragma crural extrínseco de tal forma que estas duas estruturas se sobrepõem e criam uma barreira mais eficaz. A gravidade do refluxo se correlaciona com a intensidade da disfunção de cada um dos componentes individuais da barreira anti-refluxo (Figura 6). 

Figura 6- Barreiras anti-refluxo.

O EEI é um segmento curto composto por músculo liso tonicamente contraído, localizado na porção distal do esôfago. Seu tono de repouso varia nos indivíduos normais entre 10 e 30mmHg, em relação à pressão intra-gástrica. O EEI provê uma barreira suficiente para contrabalançar o gradiente de pressão gastroesofágico, através da junção esofagogástrica. De uma maneira geral, a pressão do EEI é afetada por fatores neurogênicos e miogênicos; estes são modificados pela pressão intra-abdominal, distensão gástrica, peptídeos, hormônios, alimentos e medicamentos (Figura 7).

Figura 7- Anatomia do esfíncter esofágico inferior.

Referências Bibliográficas

       1) Gastroenterology 2008;134:696-705.
       2) Bradley & cols. – Gastroenterology 1993;88:11-19.
       3) Jansson & cols. -Aliment Pharmacol Ther 2007;26:683-691.  


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