3) Gastroparesia
A
importância do retardo do esvaziamento gástrico na DRGE é controvertida.
Estudos realizados há algum tempo indicavam que até 50% dos pacientes com
refluxo apresentavam um retardo do esvaziamento gástrico para sólidos.
Entretanto, estudos mais recentes, utilizando o teste padrão de esvaziamento
gástrico de 4 horas, encontraram uma sobreposição entre 8% e 20% dos pacientes.
Conceitualmente, retardo do esvaziamento gástrico resulta em volume aumentado do
material no estômago, o qual poderia estar disponível para sofrer refluxo para
o esôfago ou provocar distensão do estômago proximal, desencadeando
relaxamentos transitórios do esfíncter esofágico inferior. Estudos recentes
utilizando o teste da pH-impedanciometria encontraram que os valores de refluxo
ácido não se encontravam aumentados, mas consistiam de refluxo de conteúdo
alimentar, sendo que os eventos de refluxo ocorriam no período pós-prandial de
substâncias líquidas e consistiam de refluxos não ou fracamente ácidos.
Mulheres e diabéticos são mais propensos a apresentar gastroparesia associada a
DRGE secundária. Queixas, tais como, distensão abdominal, dor, náusea, vômitos
ou constipação podem ser guias auxiliares, e a manometria geralmente demonstra
uma pressão normal do esfíncter esofágico inferior. Tratando-se a gastroparesia
com dieta apropriada e pró-cinéticos pode-se evitar a necessidade do uso dos
inibidores de bomba de próton ou cirurgia anti-refluxo (Figura 5).
Figura
5- Representação esquemática comparativa entre o normal e a gastroparesia.
Prevalência global da DRGE
O
conjunto geral de prevalência de sintomas semanais da DRGE, revelado em estudos
populacionais em todo o globo terrestre, é aproximadamente de 13%, mas, há uma
considerável variação geográfica, a qual pode ser confirmada analisando-se a
Figura 6.
Figura
6- Prevalência dos sintomas semanais da DRGE no globo terrestre, baseada nos
sintomas com uma frequência de um episódio uma vez por semana ou mais.
As
complicações predominantes da DRGE incluem disfagia, sangramento devido à esofagite
erosiva e ao adenocarcinoma esofágico. Estenose esofágica recorrente que requer
repetidas dilatações endoscópicas, trata-se de outra complicação importante,
entretanto, a complicação mais temível da DRGE trata-se do adenocarcinoma
esofágico, e sua lesão precursora o esôfago de Barret.
Genética
Estimativas
da proporção da variância fenotípica dos sintomas da DRGE atribuídas aos
fatores genéticos tem apresentado uma variação de 0% a 22%. Em um estudo
envolvendo gêmeos foi estimada uma variação de 13% nos sintomas da DRGE em
virtude dos efeitos genéticos, mas, mesmo esta proporção pareceu ser mediada
por ansiedade e depressão. O risco genético para a DRGE é poligênico sem que
exista uma significativa mutação individual para a DRGE. Considerando-se o
recente aumento da prevalência do refluxo, tomando-se em conta uma profunda
investigação da história evolutiva, a etiologia do refluxo parece estar
largamente relacionada a exposições ambientais.
Fatores de riscos ambientais
Os
dois maiores fatores que podem explicar as tendências para a DRGE são a
epidemia de obesidade e a diminuição da prevalência da gastrite associada ao Helicobacter pylori. A obesidade é o
maior fator de risco para os sintomas da DRGE, e também está associada com
esofagite erosiva, esôfago de Barret e adenocarcinoma esofágico. A obesidade esta largamente relacionada ao
excesso de ingestão calórica e/ou a falta de atividade física, por este motivo,
a associação da obesidade com a DRGE e suas complicações poderiam ser
confundidas com a dieta e a atividade física. Algumas substâncias podem induzir
sintomas da DRGE, tais como, alimentos gordurosos, chocolate e bebidas gasosas,
e, indivíduos obesos podem consumir esses produtos de forma mais frequente do
que aqueles não obesos.
Por
outro lado, a relação entre atividade física e DRGE é complexa, posto que
algumas modalidades de atividades físicas estão associadas com o aumento da DRGE.
Por exemplo, posturas inclinadas, andar de bicicleta, levantamento de peso,
natação e mesmo surf, têm sido associadas com o aumento do risco para a DRGE,
particularmente durante ou após a respectiva atividade. Por outro lado,
exercícios aeróbicos moderados e feitos com regularidade têm apresentado uma
associação inversa com a DRGE.
A
queda da prevalência das gastrites por Helicobacter
pylori pode explicar a tendência da DRGE e suas complicações. Uma proporção
de pacientes com essa infecção desenvolve atrofia do corpo gástrico e consequente
diminuição da secreção ácida gástrica. Portanto, tem sido proposto que a
infecção por Helicobacter pylori pode
prevenir a DRGE em pacientes que são suscetíveis a ela. Esôfago de Barret e
adenocarcinoma esofágico, mostram uma associação inversa com a infecção por Helicobacter pylori. Por outro lado, a
gastrite antral devida a infecção por Helicobacter
pylori teria uma tendência maior de levar a uma produção excessiva de
secreção acida gástrica, do que sua diminuição, devido a uma retroalimentação
positiva, a qual estimula a produção da secreção ácida gástrica.
Há
exposições ambientais adicionais que são associadas com a DRGE, mas elas não
poderiam explicar a tendência do aumento da prevalência da DRGE. Por exemplo, o
uso do tabaco é um importante fator de risco para esofagite erosiva e adenocarcinoma
esofágico. Tabaco também está associado com estenose esofágica nos pacientes
que sofreram ressecção endoscópica ou radioterapia. Pacientes com sintomas da
DRGE, geralmente relatam que esses sintomas se tornam mais intensos com a ingestão
de álcool, e, estudos randômicos têm demostrado que a ingestão de álcool induz
mais a refluxos ácidos do que a ingestão de água. Um estudo bem planejado não
encontrou associação positiva do uso constante de álcool com esofagite erosiva,
nem tampouco com esôfago de Barret.
Meus comentários
A
ocorrência de refluxo gastro-esofágico é um evento muito frequente nos
primeiros meses de vida das crianças, que se manifesta sob a forma de episódios
recorrentes de regurgitações, os quais costumam causar grandes preocupações aos
seus pais, principalmente naqueles que estão vivendo a primeira experiência da
paternidade/maternidade. Estas manifestações se devem fundamentalmente a uma
imaturidade e consequente incompetência do esfíncter esofágico inferior. Esta
incompetência é transitória e à medida que o lactente vai se desenvolvendo os
sintomas tendem a diminuir de frequência até finalmente desaparecerem ao redor
do primeiro semestre de vida. Este tipo de manifestação clínica é, em princípio,
considerado o que se denomina Refluxo Gastro-Esofágico Fisiológico. Caso o
lactente, apesar dos episódios recorrentes de regurgitação, apresente
desenvolvimento pondero-estatural adequado, e não refira qualquer outro sintoma
que possa afetar sua qualidade de vida, a ele é jocosamente atribuído o rótulo de
“Regurgitador Feliz”, e, portanto, não está indicado tratamento medicamentoso. Por
outro lado, quando além dos episódios de regurgitação surgirem também outros
sintomas que afetem a qualidade de vida, tais como, irritabilidade intensa,
aspiração pulmonar, sangramento gastrointestinal, ganho pondero-estatural
deficiente, entre outros, neste caso estamos frente a um quadro da Doença do
Refluxo Gastro-Esofágico. Nestas circunstâncias o paciente deverá ser
minuciosamente avaliado do ponto de vista clínico, para se considerar qual ou
quais as investigações laboratoriais pertinentes a cada caso devem ser
realizadas, para que se possa estabelecer o diagnóstico etiológico de certeza
e, assim, se propor o tratamento adequado, clínico e/ou cirúrgico.
Referências
Bibliográficas
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