Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto
Uso de amidos modificados nos alimentos
“industrializados” para o lactente: 1940 até o presente momento.
A adição
de amido e amidos modificados foram importantes para o desenvolvimento da
indústria de alimentos processados, especialmente na produção de purê de frutas
e vegetais. O primeiro alimento industrializado moderno foi um biscoito,
baseado em trigo fortificado com vitaminas e minerais, desenvolvido por
pesquisadores da universidade de Toronto, em 1930. Esse biscoito foi
subsequentemente comercializado na forma de cereal denominado Pablum pela Mead
Johnson (Figura 5).
Este
foi o primeiro cereal pré-cozido instantâneo para lactentes, fortificado com
vitaminas e minerais (Fe, Ca, P, Zn e vitaminas do complexo B), produzido nos
EUA, e que continha uma mistura de trigo, aveia, germe de trigo, milho e folha
de alfafa. Foi um alimento revolucionário para aquela época e obteve um grande
sucesso entre as mães.
A
introdução de Pablum coincidiu com a sugestão de Marriot, prestigioso Pediatra
americano, em 1935, que “iniciando-se entre o 5º e 6º meses de vida era a idade
apropriada para introdução de alimentos sólidos na dieta dos lactentes,
incluindo cereais e purê de vegetais”. Em 1937, a Associação Médica Americana
afirmou que os Pediatras eram favoráveis a introdução de alimentos tais como
frutas e vegetais, entre o 4º e 6º meses de vida. As recomendações para a
introdução precoce de frutas e vegetais criaram um imediato mercado para a
produção de alimentos com amidos modificados para os lactentes. A indústria
encontrava-se pronta para atender essa necessidade, a qual incluiu o uso de
amidos modificados na preparação dos alimentos para os lactentes. Esses
alimentos foram prontamente aceitos pelas mães pois compensavam a
inconveniência da sua elaboração doméstica, pois também incluía o cozimento, a
formação do purê, o esforço para a elaboração do purê, e a preservação. A
disponibilidade de tais produtos também causou impacto sobre os Pediatras, pois
uma pesquisa realizada em 1954 revelou que 66% dos Pediatras rotineiramente
recomendavam a introdução de alimentos sólidos antes dos 2 meses e 88% a partir
dos 3 meses de idade. De fato, o Comitê de Nutrição da Academia Americana de
Pediatria afirmou, em 1958, o seguinte:
“Baseado nos conhecimentos atuais, o Comitê
está de acordo que a introdução de alimentos sólidos na dieta dos lactentes
antes dos 2 ou 3 meses de idade, não resulta em qualquer superioridade
nutricional ou benefício psicológico...alimentos sólidos contendo Ferro devem
ser introduzidos durante o terceiro mês de vida.”
A
adição de amidos modificados, em oposição aos amidos nativos, nos alimentos para
os lactentes apresentava outras vantagens, pois eles oferecem uma textura de
consistência que agrada a sensação na boca, o que os produtores acreditavam ser
um atributo desejável destes alimentos. Esses amidos modificados eram estáveis
ao frio e resistiam à separação da água com o amido, propriedades importantes
pois as porções não utilizadas desses alimentos poderiam ser estocadas na
geladeira.
Em
1962, verificou-se que já mesmo nos primeiros meses de vida os lactentes eram
alimentados majoritariamente com cereais processados e alimentos macerados que
continham concentrações não somente significativas de amidos modificados, como
também, quantidades adicionais de sal e açúcar. O relatório concluiu que os
lactentes estavam “aclimatados” ao “sabor dos alimentos enlatados” e outros
sabores industrializados, quase que desde o momento do nascimento. Verificou-se
que 65% dos preparados comerciais para lactentes continham um ou mais de 6 a 8
amidos modificados. Estes alimentos continham ingredientes do amido que
incluíam farinha de tapioca, trigo, aveia, arroz e batata.
Um
relatório realizado posteriormente verificou que, amidos modificados presentes
nos alimentos dos lactentes, podiam suprir de 10 a 32% da energia total, e que
potes individuais poderiam conter entre 9,5g e 15,5g de amido modificado.
O conhecimento público e o impacto
negativo sobre o uso de amido modificado nos alimentos dos lactentes
Como
resultado da revolução social dos anos 1960 e o crescimento da falta de confiança
da opinião pública em relação às instituições governamentais, ocorreu um
aumento do conhecimento dos consumidores e do exame minucioso dos meios de
comunicação sobre a indústria alimentícia incluindo os alimentos para
lactentes. Uma comissão do senado americano, constituída em 1969, mostrou-se
altamente crítica em relação a indústria alimentícia para lactentes. Um dos
membros dessa comissão chegou a afirmar: “Açúcar e amidos modificados são
enchimentos baratos, menos dispendiosos do que frutas, vegetais ou carne e, que
ocupam um espaço, porém, de baixo valor nutricional nos alimentos para
lactentes”. Por outro lado, o Conselho Nacional de Pesquisa considerou que
alimentos para lactentes contendo amidos modificados, não apresentavam bases
toxicológicas para excluir o uso destes alimentos contendo amido modificado na
dieta de lactentes. O conteúdo deste relatório foi confirmado em 1977, pela
Academia Americana de Pediatria, que concluiu que na média, amidos modificados
adicionam cerca de 20kg/kcal em cada 140g de alimento para lactente. Em 1975, o
Centro de Ciência em Interesse Público, requereu que as companhias de alimentos
para lactentes removessem açúcar, sal e amidos modificados nos seus produtos. O
relatório notou que alimentos contendo amidos modificados poderiam compreender
em até ¼ do total sólido em alguns produtos. Em 1986, alimentos para lactentes
sofreram uma considerável melhoria em virtude da diminuição das quantidades de
amidos modificados, como os documentados em um levantamento publicado pela
Gerber entre lactentes de 2 a 12 meses. Esta companhia eliminou a adição de
açúcar, sal e amidos modificados na maioria dos seus produtos.
Aonde nos encontramos atualmente?
O
interesse público nos dias atuais continua a enfatizar a preferência por produtos
alimentícios naturais com um aumento da utilização de alimentos para lactentes
preferentemente “orgânicos” e “naturais”. Uma revisão das etiquetas das frutas
e vegetais comercializados para
lactentes não indicam que amidos modificados tenham sido adicionados. No que
diz respeito às refeições sólidas, amidos modificados (dextrino-maltose, milho,
tapioca) estão ainda indicados nas etiquetas, porém em concentrações reduzidas.
Está claro que nos dias atuais o uso de amidos modificados, nos alimentos complementares
para lactentes, tem sido significativamente reduzido e que, portanto, esta
questão atualmente já não mais se constitui em uma preocupação para a opinião
pública.
Meus Comentários
Vale
enfatizar que o aleitamento natural exclusivo até o sexto mês de vida é a
recomendação que eu adoto, e a partir dos seis meses iniciar a dieta sólida que
deve ser a da “panela da família”.
Caso seja desejo da mãe continuar o
aleitamento natural associado à dieta sólida este procedimento é altamente
recomendável, pelo menos até o fim do primeiro ano de vida. Como se pode
depreender dos textos acima a sociedade ocidental até fins do século XIX
mantinha o aleitamento natural exclusivo por tempo prolongado. A grande mudança
ocorreu quando se passou a utilizar leite de vaca na dieta do lactente e na
tentativa de simular a constituição do leite de vaca ao leite humano. Durante
praticamente os primeiros 60 anos do século XX ocorreram as grandes
propostas de mudança na prática alimentar dos lactentes, com a baixa
prevalência do aleitamento natural e a introdução precoce de dietas sólidas.
Foi a observação de que esta prática produzia mais malefícios, inclusive com
aumento da mortalidade infantil que levou a Organização Mundial de Saúde, em
meados dos anos 1970, a fazer uma grande campanha de estímulo ao aleitamento
natural exclusivo por tempo prolongado, o que tem proporcionado uma melhoria
indiscutível nas condições de saúde dos nossos lactentes.
Referências
Bibliográficas
1-
The
History of Maltose-active Disaccharidases – Michael J. Lentze
JPGN 66: Supplement 3, S4, 2018
2-
Use
of Starch and Modified Starches in Infant Feeding: A Historical Perspective –
Frank R. Greer JPGN 66: Supplement 3, S30, 2018
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