terça-feira, 29 de janeiro de 2019

A utilização do amido na alimentação do lactente: uma perspectiva histórica e onde nos encontramos na atualidade (Parte 2)

Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

Uso de amidos modificados nos alimentos “industrializados” para o lactente: 1940 até o presente momento.

A adição de amido e amidos modificados foram importantes para o desenvolvimento da indústria de alimentos processados, especialmente na produção de purê de frutas e vegetais. O primeiro alimento industrializado moderno foi um biscoito, baseado em trigo fortificado com vitaminas e minerais, desenvolvido por pesquisadores da universidade de Toronto, em 1930. Esse biscoito foi subsequentemente comercializado na forma de cereal denominado Pablum pela Mead Johnson (Figura 5).

Este foi o primeiro cereal pré-cozido instantâneo para lactentes, fortificado com vitaminas e minerais (Fe, Ca, P, Zn e vitaminas do complexo B), produzido nos EUA, e que continha uma mistura de trigo, aveia, germe de trigo, milho e folha de alfafa. Foi um alimento revolucionário para aquela época e obteve um grande sucesso entre as mães.

A introdução de Pablum coincidiu com a sugestão de Marriot, prestigioso Pediatra americano, em 1935, que “iniciando-se entre o 5º e 6º meses de vida era a idade apropriada para introdução de alimentos sólidos na dieta dos lactentes, incluindo cereais e purê de vegetais”. Em 1937, a Associação Médica Americana afirmou que os Pediatras eram favoráveis a introdução de alimentos tais como frutas e vegetais, entre o 4º e 6º meses de vida. As recomendações para a introdução precoce de frutas e vegetais criaram um imediato mercado para a produção de alimentos com amidos modificados para os lactentes. A indústria encontrava-se pronta para atender essa necessidade, a qual incluiu o uso de amidos modificados na preparação dos alimentos para os lactentes. Esses alimentos foram prontamente aceitos pelas mães pois compensavam a inconveniência da sua elaboração doméstica, pois também incluía o cozimento, a formação do purê, o esforço para a elaboração do purê, e a preservação. A disponibilidade de tais produtos também causou impacto sobre os Pediatras, pois uma pesquisa realizada em 1954 revelou que 66% dos Pediatras rotineiramente recomendavam a introdução de alimentos sólidos antes dos 2 meses e 88% a partir dos 3 meses de idade. De fato, o Comitê de Nutrição da Academia Americana de Pediatria afirmou, em 1958, o seguinte:

Baseado nos conhecimentos atuais, o Comitê está de acordo que a introdução de alimentos sólidos na dieta dos lactentes antes dos 2 ou 3 meses de idade, não resulta em qualquer superioridade nutricional ou benefício psicológico...alimentos sólidos contendo Ferro devem ser introduzidos durante o terceiro mês de vida.”

A adição de amidos modificados, em oposição aos amidos nativos, nos alimentos para os lactentes apresentava outras vantagens, pois eles oferecem uma textura de consistência que agrada a sensação na boca, o que os produtores acreditavam ser um atributo desejável destes alimentos. Esses amidos modificados eram estáveis ao frio e resistiam à separação da água com o amido, propriedades importantes pois as porções não utilizadas desses alimentos poderiam ser estocadas na geladeira.

Em 1962, verificou-se que já mesmo nos primeiros meses de vida os lactentes eram alimentados majoritariamente com cereais processados e alimentos macerados que continham concentrações não somente significativas de amidos modificados, como também, quantidades adicionais de sal e açúcar. O relatório concluiu que os lactentes estavam “aclimatados” ao “sabor dos alimentos enlatados” e outros sabores industrializados, quase que desde o momento do nascimento. Verificou-se que 65% dos preparados comerciais para lactentes continham um ou mais de 6 a 8 amidos modificados. Estes alimentos continham ingredientes do amido que incluíam farinha de tapioca, trigo, aveia, arroz e batata. 

Um relatório realizado posteriormente verificou que, amidos modificados presentes nos alimentos dos lactentes, podiam suprir de 10 a 32% da energia total, e que potes individuais poderiam conter entre 9,5g e 15,5g de amido modificado.

O conhecimento público e o impacto negativo sobre o uso de amido modificado nos alimentos dos lactentes

Como resultado da revolução social dos anos 1960 e o crescimento da falta de confiança da opinião pública em relação às instituições governamentais, ocorreu um aumento do conhecimento dos consumidores e do exame minucioso dos meios de comunicação sobre a indústria alimentícia incluindo os alimentos para lactentes. Uma comissão do senado americano, constituída em 1969, mostrou-se altamente crítica em relação a indústria alimentícia para lactentes. Um dos membros dessa comissão chegou a afirmar: “Açúcar e amidos modificados são enchimentos baratos, menos dispendiosos do que frutas, vegetais ou carne e, que ocupam um espaço, porém, de baixo valor nutricional nos alimentos para lactentes”. Por outro lado, o Conselho Nacional de Pesquisa considerou que alimentos para lactentes contendo amidos modificados, não apresentavam bases toxicológicas para excluir o uso destes alimentos contendo amido modificado na dieta de lactentes. O conteúdo deste relatório foi confirmado em 1977, pela Academia Americana de Pediatria, que concluiu que na média, amidos modificados adicionam cerca de 20kg/kcal em cada 140g de alimento para lactente. Em 1975, o Centro de Ciência em Interesse Público, requereu que as companhias de alimentos para lactentes removessem açúcar, sal e amidos modificados nos seus produtos. O relatório notou que alimentos contendo amidos modificados poderiam compreender em até ¼ do total sólido em alguns produtos. Em 1986, alimentos para lactentes sofreram uma considerável melhoria em virtude da diminuição das quantidades de amidos modificados, como os documentados em um levantamento publicado pela Gerber entre lactentes de 2 a 12 meses. Esta companhia eliminou a adição de açúcar, sal e amidos modificados na maioria dos seus produtos.

Aonde nos encontramos atualmente?

O interesse público nos dias atuais continua a enfatizar a preferência por produtos alimentícios naturais com um aumento da utilização de alimentos para lactentes preferentemente “orgânicos” e “naturais”. Uma revisão das etiquetas das frutas e vegetais comercializados para lactentes não indicam que amidos modificados tenham sido adicionados. No que diz respeito às refeições sólidas, amidos modificados (dextrino-maltose, milho, tapioca) estão ainda indicados nas etiquetas, porém em concentrações reduzidas. Está claro que nos dias atuais o uso de amidos modificados, nos alimentos complementares para lactentes, tem sido significativamente reduzido e que, portanto, esta questão atualmente já não mais se constitui em uma preocupação para a opinião pública.

Meus Comentários

Vale enfatizar que o aleitamento natural exclusivo até o sexto mês de vida é a recomendação que eu adoto, e a partir dos seis meses iniciar a dieta sólida que deve ser a da “panela da família”.



Caso seja desejo da mãe continuar o aleitamento natural associado à dieta sólida este procedimento é altamente recomendável, pelo menos até o fim do primeiro ano de vida. Como se pode depreender dos textos acima a sociedade ocidental até fins do século XIX mantinha o aleitamento natural exclusivo por tempo prolongado. A grande mudança ocorreu quando se passou a utilizar leite de vaca na dieta do lactente e na tentativa de simular a constituição do leite de vaca ao leite humano. Durante praticamente os primeiros 60 anos do século XX  ocorreram as grandes propostas de mudança na prática alimentar dos lactentes, com a baixa prevalência do aleitamento natural e a introdução precoce de dietas sólidas. Foi a observação de que esta prática produzia mais malefícios, inclusive com aumento da mortalidade infantil que levou a Organização Mundial de Saúde, em meados dos anos 1970, a fazer uma grande campanha de estímulo ao aleitamento natural exclusivo por tempo prolongado, o que tem proporcionado uma melhoria indiscutível nas condições de saúde dos nossos lactentes.

Referências Bibliográficas

      1-   The History of Maltose-active Disaccharidases – Michael J. Lentze
JPGN 66: Supplement 3, S4, 2018
   
   2-   Use of Starch and Modified Starches in Infant Feeding: A Historical Perspective – Frank R. Greer JPGN 66: Supplement 3, S30, 2018

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