Prof.
Dr. Ulysses Fagundes Neto
Introdução
A
dor abdominal recorrente (DAR) é um problema comum na prática pediátrica, com
prevalência estimada que varia de 2% a 41%. Entre 4% e 25% das crianças em
idade escolar sofrem de DAR intermitentemente, o que é bastante para interferir
em suas atividades de vida diariamente. A DAR está associada com afastamentos escolares,
internações hospitalares e em determinadas ocasiões até mesmo intervenções
cirúrgicas desnecessárias. A dor
abdominal geralmente está associada com outros sintomas, tais como: cefaleia,
dores nos membros, palidez e vômitos, os quais podem persistir até a vida
adulta. A DAR pode causar significativa ansiedade nos pais e cuidadores, os
quais se sentem sobrecarregados pelo receio da coexistência de enfermidades
mais graves, ou mesmo por se sentirem incapazes para aliviar os sintomas
apresentados pela criança.
A
DAR nas crianças representa um grupo de transtornos funcionais
gastrointestinais que apresentam uma etiologia não esclarecida. O último
consenso da Fundação Roma sugere que esses transtornos estão relacionados com
os seguintes eventos fisiopatológicos, a saber: alteração da motilidade do
trato digestivo, hipersensibilidade visceral, alteração da função imunológica e
da mucosa, alteração da microbiota intestinal e alteração nos processos envolvendo
o sistema nervoso central (Figuras 1-2-3-4).
Figura
1- Manifestações clínicas decorrentes da intolerância a determinados
carboidratos da dieta que podem estar presentes nos transtornos funcionais
gastrointestinais.
Figura
2- Representação esquemática dos diversos mecanismos fisiopatológicos
envolvidos nos transtornos funcionais.
Figura
3- Representação esquemática dos mecanismos fisiopatológicos envolvidos na
Síndrome do Intestino Irritável.
Figura
4- Representação esquemática do eixo Sistema Nervoso Central-Trato Digestivo,
destacando a grande importância das relações cognitivas e emocionais entre
ambos sistemas do nosso organismo, o trato digestivo se constituindo no chamado
“Segundo Cérebro”.
A
Fundação Roma sugere que a DAR é “o produto de interações de fatores
psicossociais e alterações fisiológicas do trato digestivo tendo como via o
eixo cérebro/intestino”. Para o propósito desta revisão sistemática a DAR foi
utilizada como um termo “guarda-chuva” para descrever o que atualmente se
refere como “transtornos funcionais de dor abdominal” de acordo com a nova
classificação de Roma IV: dispepsia funcional, síndrome do intestino irritável,
enxaqueca abdominal e dor abdominal funcional.
Até
o presente momento não existe um consenso ou guias de conduta a respeito das intervenções
oferecidas aos pacientes, e, consequentemente, o tratamento da DAR permanece sem
uma definição consistente. Esta revisão
sistemática tem por objetivo avaliar a eficácia das intervenções dietéticas,
farmacológicas e psicológicas nas crianças em idade escolar que sofrem de DAR.
Métodos
A
revisão sistemática foi conduzida de acordo com os princípios gerais publicados
pela Cochrane e foi relatada segundo os critérios estabelecidos pelas Revisões
Sistemáticas de Meta-Análises.
Critérios de Inclusão
Crianças
com idades de 5 a 18 anos com DAR ou um transtorno funcional gastrointestinal
relacionado com dor abdominal, conforme a definição dos critérios de Roma III,
foram incluídas. O efeito primariamente avaliado foi a dor, segundo os
seguintes parâmetros: intensidade, frequência, duração, ou a proporção dos
participantes que referiram significativo alívio da dor. Os estudos foram
agrupados de acordo com a sua duração, da seguinte forma: seguimento de curto
prazo (0-3 meses), médio prazo (3-6 meses) e longo prazo (6 ou mais meses). Os
seguintes desfechos secundários foram analisados: desempenho escolar,
comportamento social ou psicológico, qualidade de vida diária, e outros
adventos adversos.
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