Cristiane Boé e Ulysses Fagundes Neto
Diagnóstico
O diagnóstico de FC deve ser suspeitado na presença
de uma ou mais
manifestações fenotípicas (clínicas) características:
- Doença sinusal ou pulmonar crônica e/ou;
- Insuficiência exócrina pancreática
crônica e/ou;
- História familiar de FC confirmada e/ou;
- Teste duplamente positivo de triagem
neonatal.
Associada(s)
à evidência de elevação anormal da concentração de Cloro no suor, em duas
ocasiões diferentes ou, em
casos especiais, deve-se solicitar a identificação
genética de duas mutações da FC.
Figura
9- Esquema do procedimento do teste do suor.
Figura
10- Representação esquemática dos princípios que se baseia o teste do suor.
O
teste do suor realizado pelo teste da iontoforese de pilocarpina é o método mais
sensível para o diagnóstico da FC. As
seguintes definições são recomendadas para a interpretação do teste do suor:
- concentração de Cloro superior a 60 mmol/l dá
suporte para o diagnóstico de FC;
- concentração intermediária de Cloro
entre 40‐60 mmol/l é sugestivo, porém não
diagnóstico;
- concentração de Cloro
inferior a 40 mmol/l, indica teste normal;
- a concentração de Sódio
não deve ser interpretada na ausência da respectiva dosagem do Cloro;
<40 l="" mmol="" normal="" o:p="">40>
- condutividade
inferior a 60mmol/l e superior a <60mmol a="" associada="" e="" estar="" fc="" improv="" l="" valores="" vel="">90mmol/l
são sugestivos de FC.60mmol>
Tratamento da insuficiência pancreática exócrina
Recomenda-se
a terapia de substituição enzimática, de acordo com cada caso (pancreolipase).
A dose de enzimas baseia-se no peso do paciente e deve começar com 1000
unidades de lipase/kg/refeição para crianças com menos de 4 anos de idade, e
com 500 unidades de lipase/kg/refeição para crianças com mais de 4 anos; a dose deve ser ajustada de acordo com a
gravidade da doença, o controle da esteatorreia e a manutenção de um bom estado
nutricional; de um modo geral, os pacientes não devem exceder a dose de 10.000
unidades de lipase/kg de peso por dia.
As
enzimas pancreáticas exógenas devem ser ingeridas antes de cada refeição. A
adequação da dose das enzimas ingeridas deve ser realizada através da dosagem da
gordura fecal coletada durante 72 horas (Van de Kamer), além da avaliação clínica levando-se
em consideração a curva ponderal e a ocorrência ou não de diarreia.
A
elastase fecal e a quimiotripsina fecal servem para avaliar a função
pancreática, mas não para ajustar a dose de enzimas.
Figura
11- Princípios básicos do tratamento da FC.
Colonopatia
fibrosante:
Trata-se da complicação causada
pelo uso crônico de altas doses de enzimas pancreáticas para o controle da má
absorção. A dose de enzima associada a esta complicação varia de 24.000 UI
a 50.000 UI de lipase/kg/dia. Como resultado, há deposição de colágeno na
submucosa do intestino grosso, com consequente fibrose.
Fracasso
no tratamento:
No caso de haver um fracasso terapêutico, como
primeiro
passo deve-se avaliar a aderência ao tratamento, à dieta e à hora de
administração da enzima. A primeira opção é aumentar a dose de lipase oferecida
e observar a resposta. Caso não houver sucesso, recomenda-se modificar a dieta,
em particular reduzindo o consumo de gordura para 50 a 75 g/dia. Deve-se também
reduzir o consumo de fibras, álcool, cálcio e magnésio, pois estas substâncias
podem contribuir para aumentar a esteatorreia. Quando necessário o próximo
passo é administrar medicamentos anti-ácidos, como inibidores do H2
ou inibidores da bomba de prótons. Caso não ocorra diminuição da esteatorreia, é
recomendada a investigação de possível infestação por Giardia e, também, a
existência de sobrecrescimento bacteriano no intestino delgado.
Síndrome
Shwachman-Diamond (SSD)
Esta
enfermidade foi descrita primeiramente em 1964 e, seguindo a FC, é a causa mais
comum de insuficiência pancreática exócrina em crianças. Sua etiologia é
desconhecida, porém, tudo indica ser de herança autossômica recessiva. A
insuficiência pancreática apresenta gravidade variável e é um achado
consistente da síndrome. A lesão pancreática é devida a uma falha do
desenvolvimento acinar do pâncreas. Nesta síndrome ocorre um extenso
remodelamento gorduroso do tecido do pâncreas com arquitetura ductular normal.
Mais
de 98% da capacidade acinar exócrina do pâncreas deve estar comprometida para
que os sintomas da insuficiência pancreática apareçam. Usualmente a esteatorreia
surge nos 6 primeiros meses de vida em 50% dos casos, e em 90% antes de 1 ano
de vida. Níveis baixos de tripsinogênio pancreático e isoamilase são marcadores
úteis de insuficiência pancreática em pacientes com SSD. Em contraste com a FC,
a função pancreática frequentemente melhora com a idade.
Excluir
o diagnóstico de FC pelo teste do suor é essencial. O IRT na SSD deve ser
normal ou baixo, pois também em contraste com a FC, a insuficiência pancreática
é secundária à hipoplasia, não à obstrução/destruição do pâncreas.
A
medida da elastase fecal é um bom método para triagem. A Tomografia Computadorizada, a Ressonância
Magnética e a Ultrassonografia frequentemente mostram um pâncreas pequeno, com
estrutura anormal e composto principalmente por gordura.
Hepatomegalia
é encontrada em 15% dos casos e entre 50% e 75% deles apresentam enzimas de
avaliação da função hepática em níveis de 2 a 3 vezes acima do valor da
normalidade, isto se deve à esteatose hepática.
Além
das manifestações de insuficiência pancreática também podem ocorrer inúmeras
outras anormalidades extra-pancreáticas conforme as que estão descritas na
Figura 12 e no Quadro 2, abaixo.
Figura
12- Principais repercussões clínicas da SSD.
Quadro 2- Relação das
diversas possíveis manifestações extra-pancreáticas na SSD.
Quadro
3- Critérios diagnósticos da SSD.
A
maioria dos pacientes requer suplementação de enzimas pancreáticas, entretanto,
a esteatorreia desaparece espontaneamente em aproximadamente 50% dos casos.
A reposição
de vitaminas lipossolúveis está indicada (A, D, E e K). O tempo de protrombina
quando está anormal pode ser útil como marcador para deficiência de vitamina K.
Síndrome
Johanson-Blizzard
Trata-se
de uma síndrome rara, multissistêmica de herança autossômica recessiva,
decorrente de mutação no gene UBR1 no cromossomo 15q15-21, descrita pela
primeira vez em 1971. Até 2002, tinham sido relatados 38 pacientes com esta
síndrome, sendo a insuficiência pancreática um achado constante em 37 deles. Outros
achados frequentes são: aplasia da aleta nasal, surdez, hipotireoidismo,
ausência de dentes permanentes, aplasia do couro cabeludo e insuficiência
pancreática exócrina (Tabela 1).
A
agenesia da cartilagem nasal torna o diagnóstico da síndrome mais fácil, bem
como a ausência de anomalias na medula óssea e esqueléticas a diferencia da
SSD. A insuficiência pancreática é devida a defeitos primários das células
acinares, similar ao que ocorre na SSD. A Tomografia Computadorizada do abdome
mostra remodelamento gorduroso do pâncreas. Vale ressaltar que há descrição de
evolução para insuficiência pancreática endócrina (Diabetes mellitus).
É
importante enfatizar que nos lactentes a morte pode ocorrer em virtude de má
absorção grave secundária ao quadro de insuficiência pancreática.
O
tratamento é feito com reposição de enzimas pancreáticas.
Síndrome
de Pearson
Trata-se
de síndrome rara, caracterizada por insuficiência pancreática exócrina
associada a anemia sideroblástica refratária ao tratamento. Logo após o
nascimento, há anemia macrocítica com graus variáveis de neutropenia e
trombocitopenia. O aspirado da medula óssea mostra vacuolização marcante dos
precursores eritróides e mieloides, juntamente com grau intenso de sideroblastos
em anel e hemossiderose, diferente dos achados descritos na SSD.
Os pacientes
evoluem com déficit de crescimento e requerem transfusões sanguíneas
frequentes. Os testes da função qualitativa pancreática revelam depressão da
função acinar (análises de autópsias mostram atrofia das células acinares e
fibrose).
O
tratamento da disfunção pancreática também é realizado com reposição
enzimática.
Conclusão
As
causas de insuficiência pancreática podem ser de natureza variável e muito
embora os casos de pancreatite aguda e/ou crônica sejam prevalentes na vida
adulta, por outro lado, na infância as principais causas são de origem
hereditária, e, portanto, devem chamar a atenção do clínico desde o período
neonatal e ao longo do primeiro ano de vida. Deficiência do ganho
pondero-estatural associada a diarreia com esteatorreia são as manifestações
clínicas mais importantes e que devem levar à suspeição de insuficiência
pancreática. Nestas circunstâncias impõem-se que a investigação diagnóstica
seja realizada o mais rapidamente possível, visando proporcionar que o
tratamento de reposição enzimática seja instituído de forma eficaz, para evitar
a evolução para desnutrição e risco de vida.
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