quinta-feira, 10 de maio de 2018

Alergia Alimentar: novos conhecimentos sobre um problema de elevada prevalência (Parte 1)


Ulysses Fagundes Neto

Este artigo baseia-se em uma revisão sobre Alergia Alimentar publicada no J Allergy Clin Immunol 2018; 141:41-58, escrito por Scott H. Sicherer e Hugh A. Sampson.


Introdução
Atualmente, encontram-se disponíveis dados demonstrativos de que a Alergia Alimentar (AA) tem apresentado um aumento significativo na sua prevalência nas últimas três décadas, e que são mais comuns em crianças em comparação com adultos. Sabe-se também que a lista de alergenos alimentares, embora esta não seja muito ampla, tem provocado sérios agravos para a saúde dos pacientes portadores de AA. Os principais alérgenos universalmente reconhecidos, entre outros menos comuns, são os seguintes, a saber: amendoim, frutos oleaginosos, peixes e frutos do mar, ovo, leite, trigo, soja e algumas sementes. Fatores de riscos genéticos, epigenéticos e ambientais têm sido elucidados de uma forma cada vez mais frequente, possibilitando a potencial elaboração de condições para aumentar as ações de prevenção, bem como a promoção de estratégias de tratamento tendo como alvo os indivíduos sob tais riscos. Investigações detalhadas a respeito da fisiopatologia das AAs têm revelado uma complexa interação da barreira epitelial, da resposta da imunidade da mucosa e, também sistêmica, a rota da exposição ao alergeno e o microbioma do hospedeiro, entre outros fatores que acabam por resultar em alergia ou tolerância. O diagnóstico da AA baseia-se acima de tudo na história clínica, testes de sensibilidade e testes de provocação oral.

Curso Natural da AA
O curso natural da AA na infância tem sido intensamente investigado e pode-se afirmar que algumas AAs são de duração transitória e apresentam um alto grau de resolução nas crianças, como por exemplo: leite (>50% entre 5 e 10 anos), ovo (>50% entre 2 e 9 anos), trigo (>50% aos 7 anos) e soja (>45% aos 6 anos) e uma continua tendência para a resolução ao alcançar a adolescência.  Por outro lado, algumas AAs apresentam uma característica típica de persistirem ou apresentarem uma baixa taxa de resolução na infância, tais como, ao amendoim (aproximadamente 20% aos 4 anos), aos frutos oleaginosos (aproximadamente 10%) e às sementes, peixes e frutos do mar, as quais também devem ser consideradas persistentes.

Teoria hipotética da AA

Várias hipóteses têm sido levantadas para explicar o aumento global da prevalência da AA. Atualmente, a hipótese da dupla exposição alergênica tem sido a mais aceita, a qual sugere que a sensibilização alérgica a um determinado alimento ocorre através da sensibilização cutânea em baixas doses, enquanto que o consumo precoce de alimento proteico induz tolerância oral. Essa hipótese foi desenvolvida após a publicação de estudos que demonstraram uma forte associação entre exposição alimentar, eczema e surgimento de AA (Figuras 1 e 2).
FIG 1. Integration of the vitamin D deficiency, hygiene, and dual-allergen exposure hypotheses. Sufficient levels of vitamin D, a diverse microbiota, and oral allergen exposure support the development of tolerance. Conversely, allergic sensitization is promoted through cutaneous exposure, reduced diversity of the microbiota, and vitamin D deficiency. Diminished microbial diversity and vitamin D deficiency are thought to interrupt the regulatory mechanisms of oral tolerance, with the latter also contributing to decreased epidermal barrier function. GI, Gastrointestinal; T-reg, regulatory T cells.

FIG 2. Interactions between the microbiota and innate and adaptive immune systems in tolerance induction within the mucosa. The gut microbiota has been shown to interact with the mucosal immune system at many levels to support the induction of tolerance. Microbially derived metabolites induce inflammasome activation in ECs, leading to release of IL-18 and antimicrobial peptide (AMP) secretion, thereby strengthening the epithelial barrier. ILC3-derived IL-22 also promotes the epithelial barrier. Macrophage-derived IL-1b promotes GM-CSF release from ILC3s, further promoting IL-10 and retinoic acid secretion by DCs, which are essential for induction of Breg and Treg cells. Mucosal DCs can be influenced directly by microbially associated metabolites, such as short-chain fatty acids (SCFAs) and histamine, which polarize cytokine production through G protein–coupled receptor (G-PCR) signaling. Bacterially derived ligands can directly activate DC pattern recognition receptors, in particular Toll-like receptor 2 (TLR2), also promoting IL-10 and retinoic acid secretion. Mucosal macrophages secrete large amounts of IL-10, thereby contributing to the tolerance state. In addition to the influence of immunoregulatory factors released by microbiota-exposed innate immune cells, on Breg and Treg polarization, the microbiota can also have direct effects on both Breg and Treg cells. Metabolites, such as SCFAs and histamine, promote polarization of these regulatory cells, and activation of Toll-like receptor 9 supports expansion of IL-101 Breg cells. cAMP, Cyclic AMP; CTLA4, cytotoxic T lymphocyte–associated protein 4; PD-1, programmed cell death 1.


Patogênese

Avanços significativos nos níveis dos conhecimentos básicos, translacionais e pesquisas clínicas, têm proporcionado novas visões nos mecanismos imunológicos causadores de AA e, portanto, proporcionam também novas sugestões terapêuticas e estratégias preventivas. O mecanismo comum que acarreta a alergia de vários alimentos baseia-se na quebra da tolerância clínica e imunológica ao alimento ingerido, a qual resulta em transtornos das reações IgE-mediadas e não-IgE mediadas, tais como: Esofagite Eosinofílica, Síndrome da Enterocolite induzida por proteína alimentar e Proctocolite induzida por proteína alimentar. A sensibilização para alergenos alimentares pode ocorrer através do trato gastrointestinal, da pele e, menos comumente, do trato respiratório, presumivelmente em conjunção com uma falha e/ou inflamação da função da barreira de permeabilidade.  A indução e a manutenção da tolerância aos antígenos alimentares requerem uma geração ativa de células T reguladoras para antígenos alimentares específicos, as quais são possivelmente influenciadas pelo microbioma residente do hospedeiro. 


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