Ana Catarina Gadelha de Andrade e
Ulysses Fagundes Neto
Disciplina de Gastroenterologia Pediátrica – Escola Paulista de Medicina – Universidade Federal de São Paulo
Esofagite Eosinofílica (EEo)
O
principal sintoma da EEo é a disfagia aguda ou crônica para alimentos sólidos,
incluindo até mesmo a impactação alimentar. Outros sintomas incluem dor no
peito, sinais de atopia, alergias ambientais e alimentares ou sintomas
semelhantes a DRGE.
A
suspeita diagnóstica é clínica, porém a confirmação da EEo se dá pela
endoscopia digestiva alta e o estudo anatomopatológico da mucosa esofágica.
Os
achados endoscópicos incluem edema, eritema e friabilidade da mucosa, sulcos
verticais, pápulas brancas, ou exsudatos (microabscessos eosinofílicos), anéis
ou esôfago de pequeno calibre. Na Tabela 6 estão apresentadas as principais
guias diagnósticas para a EEo.
Tabela 6-
Principais guias diagnósticas para EEo.
O
tratamento da EEo implica, além do uso de dietas de exclusão, a prescrição de
esteróides tópicos, como a fluticasona, budesonida, leucotrienos e inibidores
do receptor, o montelucaste, que são comumente usados com graus variados de
sucesso. Caso seja necessário realizar a dilatação esofágica, ela deve ser
feita com cautela devido ao alto risco de perfuração.
Lesão por Cáustico
A
maioria das lesões por cáusticos ocorrem por álcalis decorrentes de ingestão
acidental. O tipo de lesão pode levar à estenose esofágica, resultando em
sintomas de disfagia. O diagnóstico é estabelecido por estudos radiológicos e
endoscopia digestiva alta. O tratamento consiste em dilatação esofágica.
Esofagite Infecciosa (EI)
A
EI ocorre mais comumente em pacientes portadores de imunodepressão, como por
exemplo, AIDS, quimioterapia e pós-transplante. Candidíase, herpes simples,
citomegalovírus ou esofagite associada ao HIV e doença aguda ou crônica do
enxerto versus hospedeiro podem apresentar dor torácica, odinofagia e disfagia.
A
endoscopia digestiva alta é a chave para a avaliação nos pacientes
sintomáticos. O tratamento é direcionado para a etiologia, e a dilatação
esofágica pode ser necessária em pacientes com estenose.
Exame Físico
Deve-se
realizar a avaliação dos orgãos fonoarticulatórios e da integridade dos pares
cranianos envolvidos na deglutição (trigêmio, facial, glossofaríngeo, vago e
hipoglosso).
A
avaliação pode ser indireta, quando não há oferta de alimento: nesta situação
avaliam-se aspectos da mobilidade, tônus, sensibilidade e postura das
estruturas que participam da deglutição.
No
caso da avaliação direta, quando há oferta de alimento, deve-se oferecer bolos
alimentares em diferentes quantidades e consistências, que visam analisar a
dinâmica da deglutição, inter-relacionando suas diferentes fases. Deve-se,
também, detectar complicações, tais como aspiração ou déficit nutricional
(Tabela 7).
Tabela 7-
Avaliação fonoaudiológica.
A
videofluoroscopia da deglutição e a videoendoscopia da deglutição são os exames
mais comumente recomendados para avaliação da disfagia orofaríngea em lactentes
e crianças. A investigação de pacientes com disfagia esofágica deve ser baseada
na história clínica. Caso a história seja sugestiva de um distúrbio mecânico, a
endoscopia digestiva alta ou o esofagograma de bário devem ser solicitados. Por
outro lado, quando a história é sugestiva de um distúrbio de motilidade, a
manometria é o teste de eleição para o diagnóstico.
Videofluoroscopia
da Deglutição
Este
exame representa o padrão-ouro da avaliação objetiva da deglutição, pois
permite a visualização simultânea das fases oral, faríngea e
esofágica da deglutição, e a interação entre elas em tempo real.
A
sua realização envolve radiação e oferta de contraste de bário misturado a
alimentos líquidos, pastosos e sólidos, radiopacos, em volumes crescentes.
Neste exame são avaliadas manobras posturais facilitadoras e alterações
dietéticas, tais como a consistência dos alimentos. Todos os pacientes devem
ser examinados nas posições lateral (pressão) e frontal (simetria). É
possível também detectar a presença e o tempo de aspiração.
Apesar
de ser amplamente utilizada na avaliação da deglutição em pacientes pediátricos,
descrições padronizadas da dinâmica da deglutição e o grau da gravidade
da disfunção não são bem descritas. A interpretação, as impressões e as
recomendações para intervenção podem variar consideravelmente entre os
especialistas.
Os
achados radiológicos mais comuns em pacientes pediátricos são os seguintes: no
início da fase faríngea da deglutição, o acúmulo persistente do bolo alimentar
nos seios piriformes antes de começar a deglutição, o que provavelmente aumenta
o risco de aspiração.
Refluxo
nasofaríngeo: evidências radiológicas de refluxo nasofaríngeo podem
indicar insuficiência ou incoordenação velofaríngea.
A
penetração supraglótica, em crianças com risco de disfagia orofaríngea, para a
parte inferior do vestíbulo da laringe são preditivos de aspiração. Aspiração
silenciosa na ausência de tosse, asfixia ou outros sinais ocorre quando o
alimento ou líquido penetra na traqueia (Figura 2).
Figura 2
Videoendoscopia da Deglutição
Este
exame se presta para a avaliação funcional da deglutição utilizando-se a
nasofibroscopia, que se trata de uma técnica pouco invasiva, de tecnologia
barata, simples e prática (Figura 3).
O
exame simula uma refeição, com a oferta de alimentos com diferentes
consistências e quantidades, sob visão direta pelo nasofibroscópio. Além do
exame em si, também podem ser realizadas diversas intervenções terapêuticas
para determinar se mudanças posturais, dietéticas e comportamentais são bem
sucedidas na promoção de uma alimentação mais segura e eficiente por via oral.
As
principais indicações deste exame são aplicadas em indivíduos que não podem ser
expostos à radiação, aqueles com dificuldade de transporte à sala de
radiologia, obesos mórbidos, cadeirantes e naqueles pacientes que necessitam de
avaliação à beira do leito ou internados em UTI.
As
maiores limitações deste exame são: não permitir visualizar adequadamente a
fase faríngea; avaliar indiretamente as fases oral e esofágica e não avaliar a
transição faringoesofágica.
No
caso de haver dúvidas sobre deficiências na fase oral ou se houver suspeita de
um componente esofágico à disfagia, a avaliação fluoroscópica deve ser
realizada.
Figura 3
Endoscopia Digestiva Alta (EDA)
A
EDA é considerada o padrão-ouro para a avaliação de doenças da mucosa
esofágica. Pode ser recomendada para estabelecer ou confirmar um diagnóstico,
avaliar lesão da mucosa, coletar material para biópsias e realizar intervenções
terapêuticas, tais como dilatação esofágica.
Esofagograma
Este
exame parece ser mais sensível que a endoscopia para a detecção de
estreitamentos sutis do esôfago, como os causados por anéis e por estenose
péptica menores que 10 mm de diâmetro. Pode fornecer informações sobre o comprimento e extensão da lesão, que pode guiar o procedimento de dilatação. Pode ser útil na
avaliação da resposta à terapia ou progressão da doença. Em posição supina ou
oblíqua direita, pode avaliar o peristaltismo esofágico. No entanto, nenhum
estudo ainda verificou a afirmação de que o estudo com bário realizado antes da
endoscopia diminui as complicações.
Manometria Esofágica
Para
a realização deste exame usa-se um catéter com transdutores de pressão
multicanais, alocados em vários pontos do esôfago.
Trata-se
de padrão-ouro para avaliar distúrbios da motilidade esofágica e deve ser
solicitado no caso da endoscopia digestiva alta e os exames radiológicos
mostrarem-se normais.
Este
exame é extramente util para o diagnóstico de acalásia, espasmo esofágico
difuso e alterações motoras do esôfago associadas a doenças do colágeno.
A
manometria deve ser considerada para aqueles pacientes cuja disfagia persiste
apesar do tratamento adequado de lesões mecânicas e inflamatórias. No entanto,
não há tratamento específico para os distúrbios de motilidade que não acalásia
e suas variantes, e a manometria muitas vezes não altera o tratamento do
paciente.
Figura 4-
Algoritmo para o manejo da disfagia esofágica.
Tratamento
O
objetivo do tratamento é direcionado a oferecer nutrição eficaz e proporcionar
crescimento adequado a longo prazo.
No
entanto, há poucas opções de tratamento para a disfagia orofaríngea, pois os
distúrbios neuromusculares e neurológicos que a produzem, dificilmente podem
ser corrigidos por tratamento clínico ou cirúrgico.
Recomendações
podem ser obtidas a partir da avaliação clínica ou do videodeglutograma e podem
incluir: orientações nutricionais, mudanças de posição e postura, alterações no tamanho do bolo, consistência, forma, textura, temperatura e pH.
Mudanças
de utensílios: mudanças na programação de alimentação e ritmo durante as
refeições: a) programa oral motor com alimentos; b) programa oral motor não
nutritivo.
O
tratamento da disfagia esofágica deve ser direcionado para a correção da causa
básica.
ORIENTAÇÕES
NUTRICIONAIS:
Devem-se
monitorar as necessidades hídricas e nutricionais (risco de desidratação);
A
alimentação oral é a preferida sempre que possível;
Se
houver risco alto de aspiração ou se a ingestão oral for insuficiente para
manter o bom estado nutricional, deve-se considerar a possibilidade de suporte
nutricional alternativo.
MUDANÇAS
DE POSIÇÃO E POSTURA
Mudanças
de posicionamento do tronco e pescoço influenciam as fases oral e faríngea da
deglutição em pessoas com disfagia.
O
primeiro passo para ajustar a posição é conseguir o alinhamento central adequado, necessário para a coordenação entre o corpo e a
boca para atividades eficazes oral-motora e de alimentação.
Manobras
terapêuticas para adultos e crianças, geralmente, incentivam a flexão do
pescoço (chin tuck) para
reduzir o risco de aspiração, porém, deve ser orientado com cautela em crianças
pequenas pelo risco de apnéia.
Assentos
e sistemas de posicionamento são projetados para fornecer estabilidade, bem
como capacidade de mobilidade, sem restringir os movimentos potenciais.
ALTERAÇÕES
DO BOLO ALIMENTAR
Crianças
com deglutição deficiente terão mais facilidade em controlar alimentos mais
sólidos do que com texturas finas. No entanto, a mastigação mais difícil
pode estender o tempo máximo de 30 minutos esperados para uma alimentação com
sucesso.
O
uso de espessantes também pode estar indicado, e, geralmente, deve ser
utilizado para crianças com sintomas leves de DRGE, o que resulta em menor
freqüência de vômitos, sem que ocorra redução dos episódios de refluxo.
As
crianças podem responder com eficiência variada para alimentos com diferentes
temperaturas, sabores e pH.
Relatos
sobre os efeitos da temperatura dos alimentos em bebês e crianças sugerem que
um bolo frio pode estimular a sucção e deglutição.
Em
geral, orienta-se mordidas pequenas, mas algumas crianças podem precisar de
mordidas maiores, que podem fornecer maior percepção sensorial, o que se traduz
em maior facilidade na formação do bolo alimentar e no trânsito orofaríngeo.
PROGRAMA
ORAL MOTOR
Tabela 10
Quando
os achados da fase faríngea não apresentam grandes déficits, as crianças com
incoordenação e atrasos nas fases preparatória oral e oral podem se beneficiar
da terapia do sistema motor-oral.
O
sistema motor-oral refere-se ao movimento das estruturas da cavidade oral e
faríngea até o nível do esfíncter superior do esôfago através do qual o
alimento chega ao esôfago.
A
terapia tem por objetivo a longo prazo coordenar a força muscular suficiente
para que alimentos e líquidos sejam deglutidos com segurança, sem aspiração.
O
tratamento pode incluir abordagem direta através de exercícios e também
indireta que pode levar à melhora da coordenação motora-oral (mudanças na
posição e postura, variações nos aspectos dos alimentos, alterações que incluem
interações cuidador-criança e meio ambiente, alterações de estímulos sensoriais
e de comunicação).
Tabela 11
O
programa oral motor não nutritivo estimula a sucção não nutritiva rítmica, que
é considerada uma habilidade necessária, mas não suficiente, para indicar o uso
da alimentação oral.
Na
Tabela 10 estão representadas as técnicas terapêuticas da deglutição, seu
racional e respectivas indicações.
Na
Tabela 11 estão listadas as indicações cirúrgicas para correção da disfagia.