terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Distúrbios da deglutição: diagnóstico e tratamento (Parte 2)

Ana Catarina Gadelha de Andrade e 
Ulysses Fagundes Neto

Disciplina de Gastroenterologia Pediátrica – Escola Paulista de Medicina – Universidade Federal de São Paulo
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Esofagite Eosinofílica (EEo)
O principal sintoma da EEo é a disfagia aguda ou crônica para alimentos sólidos, incluindo até mesmo a impactação alimentar. Outros sintomas incluem dor no peito, sinais de atopia, alergias ambientais e alimentares ou sintomas semelhantes a DRGE.
A suspeita diagnóstica é clínica, porém a confirmação da EEo se dá pela endoscopia digestiva alta e o estudo anatomopatológico da mucosa esofágica.
Os achados endoscópicos incluem edema, eritema e friabilidade da mucosa, sulcos verticais, pápulas brancas, ou exsudatos (microabscessos eosinofílicos), anéis ou esôfago de pequeno calibre. Na Tabela 6 estão apresentadas as principais guias diagnósticas para a EEo.
Tabela 6- Principais guias diagnósticas para EEo.

O tratamento da EEo implica, além do uso de dietas de exclusão, a prescrição de esteróides tópicos, como a fluticasona, budesonida, leucotrienos e inibidores do receptor, o montelucaste, que são comumente usados com graus variados de sucesso. Caso seja necessário realizar a dilatação esofágica, ela deve ser feita com cautela devido ao alto risco de perfuração.
Lesão por Cáustico
A maioria das lesões por cáusticos ocorrem por álcalis decorrentes de ingestão acidental. O tipo de lesão pode levar à estenose esofágica, resultando em sintomas de disfagia. O diagnóstico é estabelecido por estudos radiológicos e endoscopia digestiva alta. O tratamento consiste em dilatação esofágica.
Esofagite Infecciosa (EI)
A EI ocorre mais comumente em pacientes portadores de imunodepressão, como por exemplo, AIDS, quimioterapia e pós-transplante. Candidíase, herpes simples, citomegalovírus ou esofagite associada ao HIV e doença aguda ou crônica do enxerto versus hospedeiro podem apresentar dor torácica, odinofagia e disfagia.
A endoscopia digestiva alta é a chave para a avaliação nos pacientes sintomáticos. O tratamento é direcionado para a etiologia, e a dilatação esofágica pode ser necessária em pacientes com estenose.
Exame Físico
Deve-se realizar a avaliação dos orgãos fonoarticulatórios e da integridade dos pares cranianos envolvidos na deglutição (trigêmio, facial, glossofaríngeo, vago e hipoglosso).
A avaliação pode ser indireta, quando não há oferta de alimento: nesta situação avaliam-se aspectos da mobilidade, tônus, sensibilidade e postura das estruturas que participam da deglutição.
No caso da avaliação direta, quando há oferta de alimento, deve-se oferecer bolos alimentares em diferentes quantidades e consistências, que visam analisar a dinâmica da deglutição, inter-relacionando suas diferentes fases. Deve-se, também, detectar complicações, tais como aspiração ou déficit nutricional (Tabela 7).
Tabela 7- Avaliação fonoaudiológica.

A videofluoroscopia da deglutição e a videoendoscopia da deglutição são os exames mais comumente recomendados para avaliação da disfagia orofaríngea em lactentes e crianças. A investigação de pacientes com disfagia esofágica deve ser baseada na história clínica. Caso a história seja sugestiva de um distúrbio mecânico, a endoscopia digestiva alta ou o esofagograma de bário devem ser solicitados. Por outro lado, quando a história é sugestiva de um distúrbio de motilidade, a manometria é o teste de eleição para o diagnóstico.
Videofluoroscopia da  Deglutição
Este exame representa o padrão-ouro da avaliação objetiva da deglutição, pois permite a visualização simultânea das fases oral, faríngea  e esofágica  da deglutição, e a interação entre elas em tempo real.
A sua realização envolve radiação e oferta de contraste de bário misturado a alimentos líquidos, pastosos e sólidos, radiopacos, em volumes crescentes. Neste exame são avaliadas manobras posturais facilitadoras e alterações dietéticas, tais como a consistência dos alimentos. Todos os pacientes devem ser examinados nas posições lateral  (pressão) e frontal (simetria). É possível também detectar a presença e o tempo de aspiração.
Apesar de ser amplamente utilizada na avaliação da deglutição em pacientes pediátricos, descrições padronizadas  da dinâmica da deglutição e o grau da gravidade da disfunção não são bem descritas. A interpretação, as impressões e as recomendações para intervenção podem variar consideravelmente entre os especialistas.
Os achados radiológicos mais comuns em pacientes pediátricos são os seguintes: no início da fase faríngea da deglutição, o acúmulo persistente do bolo alimentar nos seios piriformes antes de começar a deglutição, o que provavelmente aumenta o risco de aspiração.
Refluxo nasofaríngeo: evidências radiológicas de refluxo nasofaríngeo podem indicar  insuficiência ou incoordenação velofaríngea.
A penetração supraglótica, em crianças com risco de disfagia orofaríngea, para a parte inferior do vestíbulo da laringe são preditivos de aspiração. Aspiração silenciosa na ausência de tosse, asfixia ou outros sinais ocorre quando o alimento ou líquido penetra na traqueia (Figura 2).
Figura 2
Videoendoscopia da Deglutição
Este exame se presta para a avaliação funcional da deglutição utilizando-se a nasofibroscopia, que se trata de uma técnica pouco invasiva, de tecnologia barata, simples e prática (Figura 3).
O exame simula uma refeição, com a oferta de alimentos com diferentes consistências e quantidades, sob visão direta pelo nasofibroscópio. Além do exame em si, também podem ser realizadas diversas intervenções terapêuticas para determinar se mudanças posturais, dietéticas e comportamentais são bem sucedidas na promoção de uma alimentação mais segura e eficiente por via oral.
As principais indicações deste exame são aplicadas em indivíduos que não podem ser expostos à radiação, aqueles com dificuldade de transporte à sala de radiologia, obesos mórbidos, cadeirantes e naqueles pacientes que necessitam de avaliação à beira do leito ou internados em UTI.
As maiores limitações deste exame são: não permitir visualizar adequadamente a fase faríngea; avaliar indiretamente as fases oral e esofágica e não avaliar a transição faringoesofágica.
No caso de haver dúvidas sobre deficiências na fase oral ou se houver suspeita de um componente esofágico à disfagia, a avaliação fluoroscópica deve ser realizada.
Figura 3

Endoscopia Digestiva Alta (EDA)
A EDA é considerada o padrão-ouro para a avaliação de doenças da mucosa esofágica. Pode ser recomendada para estabelecer ou confirmar um diagnóstico, avaliar  lesão da mucosa, coletar material para biópsias e realizar intervenções terapêuticas, tais como dilatação esofágica.
Esofagograma
Este exame parece ser mais sensível que a endoscopia para a detecção de estreitamentos sutis do esôfago, como os causados por anéis e por estenose péptica menores que 10 mm de diâmetro. Pode fornecer informações sobre o comprimento e extensão da lesão, que pode guiar o procedimento de dilatação. Pode ser útil na avaliação da resposta à terapia ou progressão da doença. Em posição supina ou oblíqua direita, pode avaliar o peristaltismo esofágico. No entanto, nenhum estudo ainda verificou a afirmação de que o estudo com bário realizado antes da endoscopia diminui as complicações.
Manometria Esofágica
Para a realização deste exame usa-se um catéter com transdutores de pressão multicanais, alocados em vários pontos do esôfago.
Trata-se de padrão-ouro para avaliar distúrbios da motilidade esofágica e deve ser solicitado no caso da endoscopia digestiva alta e os exames radiológicos mostrarem-se normais.
Este exame é extramente util para o diagnóstico de acalásia, espasmo esofágico difuso e alterações motoras do esôfago associadas a doenças do colágeno.
A manometria deve ser considerada para aqueles pacientes cuja disfagia persiste apesar do tratamento adequado de lesões mecânicas e inflamatórias. No entanto, não há tratamento específico para os distúrbios de motilidade que não acalásia e suas variantes, e a manometria muitas vezes não altera o tratamento do paciente.
Figura 4- Algoritmo para o manejo da disfagia esofágica.

Tratamento
O objetivo do tratamento é direcionado a oferecer nutrição eficaz e proporcionar crescimento adequado a longo prazo.
No entanto, há poucas opções de tratamento para a disfagia orofaríngea, pois os distúrbios neuromusculares e neurológicos que a produzem, dificilmente podem ser corrigidos por tratamento clínico ou cirúrgico.
Recomendações podem ser obtidas a partir da avaliação clínica ou do videodeglutograma e podem incluir: orientações nutricionais, mudanças de posição e postura, alterações no tamanho do bolo, consistência, forma, textura, temperatura e pH.
Mudanças de utensílios: mudanças na programação de alimentação e ritmo durante as refeições: a) programa oral motor com alimentos; b) programa oral motor não nutritivo.
O tratamento da disfagia esofágica deve ser direcionado para a correção da causa básica.
ORIENTAÇÕES NUTRICIONAIS:
Devem-se monitorar as necessidades hídricas e nutricionais (risco de desidratação);
A alimentação oral é a preferida sempre que possível;
Se houver risco alto de aspiração ou se a ingestão oral for insuficiente para manter o bom estado nutricional, deve-se considerar a possibilidade de suporte nutricional alternativo.
MUDANÇAS DE POSIÇÃO E POSTURA
Mudanças de posicionamento do tronco e pescoço influenciam as fases oral e faríngea da deglutição em pessoas com disfagia.
O primeiro passo para ajustar a  posição é conseguir o alinhamento central adequado, necessário para a coordenação entre o corpo e a boca para atividades eficazes oral-motora e de alimentação.
Manobras terapêuticas para adultos e crianças, geralmente, incentivam a flexão do pescoço (chin tuck) para reduzir o risco de aspiração, porém, deve ser orientado com cautela em crianças pequenas pelo risco de apnéia.
Assentos e sistemas de posicionamento são projetados para fornecer estabilidade, bem como capacidade de mobilidade, sem restringir os movimentos potenciais.
ALTERAÇÕES DO BOLO ALIMENTAR
Crianças com deglutição deficiente terão mais facilidade em controlar alimentos mais sólidos do que com texturas  finas. No entanto, a mastigação mais difícil pode estender o tempo máximo de 30 minutos esperados para uma alimentação com sucesso.
O uso de espessantes também pode estar indicado, e, geralmente, deve ser utilizado para crianças com sintomas leves de DRGE, o que resulta em menor freqüência de vômitos, sem que ocorra redução dos episódios de refluxo.
As crianças podem responder com eficiência variada para alimentos com diferentes temperaturas, sabores e pH.
Relatos sobre os efeitos da temperatura dos alimentos em bebês e crianças sugerem que um bolo frio pode estimular a sucção e deglutição.
Em geral, orienta-se mordidas pequenas, mas algumas crianças podem precisar de mordidas maiores, que podem fornecer maior percepção sensorial, o que se traduz em maior facilidade na formação do bolo alimentar e no trânsito orofaríngeo.
PROGRAMA ORAL MOTOR
Tabela 10

Quando os achados da fase faríngea não apresentam grandes déficits, as crianças com incoordenação e atrasos nas fases preparatória oral e oral podem se beneficiar da terapia do sistema motor-oral.
O sistema motor-oral refere-se ao movimento das estruturas da cavidade oral e faríngea até o nível do esfíncter superior do esôfago através do qual o alimento chega ao esôfago.
A terapia tem por objetivo a longo prazo coordenar a força muscular suficiente para que alimentos e líquidos sejam deglutidos com segurança, sem aspiração.
O tratamento pode incluir abordagem direta através de exercícios e também indireta que pode levar à melhora da coordenação motora-oral (mudanças na posição e postura, variações nos aspectos dos alimentos, alterações que incluem interações cuidador-criança e meio ambiente, alterações de estímulos sensoriais e de comunicação).
Tabela 11
O programa oral motor não nutritivo estimula a sucção não nutritiva rítmica, que é considerada uma habilidade necessária, mas não suficiente, para indicar o uso da alimentação oral.
Na Tabela 10 estão representadas as técnicas terapêuticas da deglutição, seu racional e respectivas indicações.
Na Tabela 11 estão listadas as indicações cirúrgicas para correção da disfagia.


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