Ana Catarina Gadelha de
Andrade e
Ulysses Fagundes Neto
Disciplina de
Gastroenterologia Pediátrica – Escola Paulista de Medicina – Universidade
Federal de São Paulo
Corte axial da face e parte do pescoço, regiões anatômicas envolvidas no processo da deglutição.
Introdução
Para a maioria das pessoas, a deglutição é um ato normal
e espontâneo, porém, apesar da sua facilidade, este processo consiste em uma
atividade sensório-motora complexa e dinâmica, que envolve 26 pares de músculos
e cinco nervos cranianos.
A complexidade da
deglutição se deve a uma via comum entre
os tratos respiratório e gastrointestinal, o que permite o fornecimento seguro
do alimento ingerido desde a boca até o estômago, assegurando a proteção das
vias respiratórias.
O
reflexo da deglutição já se encontra presente na 17ª semana de gestação
(líquido amniótico) e o reflexo da sucção na 20ª semana. Somente entre a 34ª e
35ª semanas de vida, o feto apresenta condições de coordenar sucção, deglutição
e respiração.
As
modificações da anatomia e fisiologia da cavidade oral e faringe iniciam-se
entre o terceiro e o sexto mês de vida, e a deglutição na infância está
constantemente se adaptando às mudanças ocorridas acompanhando o
desenvolvimento.
Tradicionalmente, a deglutição é dividida em três fases
convencionais sob os controles voluntário e reflexo. Distúrbios da deglutição podem acometer uma ou
mais fases. Na Figura 1 estão detalhados os diferentes estágios fisiológicos da
deglutição.
Figura
1- Estágios fisiológicos da deglutição.
A avaliação
e o manejo dos problemas da alimentação e da deglutição em Pediatria – Disfagia – raramente são caracterizados precocemente.
Cerca
de 37% a 40% dos lactentes e crianças com distúrbios da alimentação e da deglutição nasceram prematuramente e têm risco aumentado para doenças
respiratórias e neurológicas, além de atraso no desenvolvimento, o que
contribui para a ocorrência das dificuldades na alimentação e deglutição.
A
incidência de disfagia, um transtorno da deglutição, é desconhecida, embora
tudo indique que esteja em constante aumento. Uma explicação parcial para este fenômeno é o aumento da
sobrevida de crianças com antecedentes de prematuridade, baixo peso ao nascer
ou condições médicas complexas.
Os dados sobre a prevalência e a incidência dos distúrbios
da deglutição na população pediátrica são limitados, devido a escassez de protocolos
diagnósticos padronizados, os diferentes métodos de avaliação, a difícil
distinção entre os padrões alimentares variantes do normal e os distúrbios, e a
supervalorização da patologia subjacente. Na Tabela 1 estão listados os
diagnósticos mais frequentes associados a disfagia em crianças.
Tabela
1- Condições mais comuns associadas à disfagia em Pediatria.
Em
algumas crianças, os sintomas de disfagia podem ser o primeiro sinal de outras
condições subjacentes. Problemas na alimentação durante a infância podem ser
preditivos de doenças graves. Apesar do aumento do risco de disfagia associada
com diferentes condições médicas ou de desenvolvimento, a disfunção da
deglutição isoladamente tem sido documentada em crianças neurologicamente
normais, sem causas identificáveis no
momento da apresentação. Disfagia
também pode ocorrer após estados agudos de infecções respiratórias em crianças
saudáveis.
Diagnóstico
As
manifestações clínicas dos distúrbios da deglutição não são específicas para
cada etiologia, e, na verdade, constituem uma síndrome, a qual pode cursar com
recusa alimentar, fadiga e tosse durante a alimentação, escape oral,
regurgitação nasal, engasgos, asfixia, cianose e alteração da qualidade vocal,
além de problemas pulmonares e de aspiração, podendo levar a déficits
nutricionais e desidratação, resultando em perda de peso, pneumonia e morte.
Na Tabela 2 estão descritas as frequências relativas dos critérios clínicos utilizados pelos neonatologistas para a indicação da avaliação diagnóstica de disfagia em lactentes.
Tabela
2- Frequência relativa dos critérios clínicos para indicação de avaliação do
diagnóstico de disfagia em lactentes.
Na Tabela 3 estão abordados
os pontos chave que devem ser considerados na história clínica para o
diagnóstico de disfagia.
Tabela
3- Pontos chave da história clínica.
Disfagia Orofaríngea
(DO)
A DO
pode também ser denominada disfagia "alta" em virtude da sua localização,
e, pode haver disfagia individualizada (oral, faríngea) ou ambas. Geralmente há
uma disfunção neuromuscular associada.
Oral:
neste caso ocorre dificuldade para iniciar a deglutição; há derramamento dos
alimentos através dos lábios; incapacidade de mastigar ou impulsionar os
alimentos para a faringe; sialorréia ou xerostomia.
Faríngea:
sensação de bolo no pescoço; regurgitação nasal; são necessários vários
movimentos de deglutições para esvaziar a faringe; voz anasalada e disfonia; no
caso de surgir tosse ou asfixia pode sugerir aspiração.
A
Tabela 4 apresenta as principais causas de disfagia orofaríngea.
Tabela 4- Principais causas de disfagia orofaríngea.
Disfagia Esofágica
(DE)
A DE
pode também ser denominada “disfagia
baixa”. A disfagia que ocorre igualmente para sólidos e líquidos geralmente
está relacionada a dismotilidade esofágica. A suspeita é reforçada quando a
ocorrência de disfagia intermitente para sólidos e líquidos estiver associada a
dor torácica.
A disfagia
que ocorre apenas para sólidos, mas nunca para líquidos, sugere a possibilidade
de obstrução mecânica, como por exemplo, estenose da luz esofágica. Caso seja
progressiva deve-se considerar particularmente as hipóteses de estenose péptica,
esofagite eosinofílica ou carcinoma. Na Tabela 5 estão listadas as principais
causas de DE.
Tabela
5- Principais causas de DE.
Anéis Esofágicos (AE)
AEs são geralmente vistos no terço inferior do esôfago.
Podem ser dos seguintes tipos, a saber: anel muscular (tipo A) ou anel da mucosa
(Schatzki - tipo B). Anéis musculares são pouco frequentes e raramente causam disfagia. Estão
localizados em até 2 centímetros da junção escamo-colunar do esôfago e ocorrem
devido a hipertrofia muscular.
Em contraste, o anel de Schatzki está localizado na
junção escamo-colunar. É observado em 6% a 14% dos pacientes assintomáticos
durante os estudos rotineiros com bário. Pode ser visto em associação nos pacientes
que sofrem de esofagite eosinofílica. É mais comum em pacientes acima dos 40
anos de idade, mas também pode ser visto em pacientes mais jovens.
A etiologia dos anéis do esôfago não está clara. Há
evidências inconclusivas implicando doença do refluxo gastro esofágico (DRGE)
na patogênese dos anéis de Schatzki. Geralmente os anéis de Schatzki estão presentes nos pacientes que apresentam disfagia episódica para
alimentos sólidos. O diagnóstico é realizado utilizando-se o esofagograma com
bário e, também, pela endoscopia digestiva alta.
A dilatação mecânica é o tratamento de escolha para pacientes
sintomáticos, bem como deve-se dar atenção ao tratamento da condição médica
subjacente.
Estenose Péptica (EP)
A EP é uma complicação vista em 10% dos pacientes com
DRGE, mais comumente em pacientes com idade avançada e do sexo masculino, com
pirose prolongada e uso crônico de antiácido. Nesta circunstância ocorre
disfagia para sólidos e, eventualmente, para líquidos. A endoscopia digestiva
alta é o padrão ouro para o diagnóstico e o esofagograma com bário complementa o diagnóstico.
O tratamento é feito por meio da dilatação esofágica.
Acalásia
Acalásia
trata-se de um distúrbio motor primário do esôfago, relativamente incomum,
envolvendo o segmento de músculo liso do esôfago. Caracteriza-se pela ausência
de relaxamento ou relaxamento incompleto do esfíncter esofágico inferior, e
perda do peristaltismo do esofágico.
A
etiologia da acalásia é desconhecida e em cerca de 98% dos casos é idiopática. Seu
pico de incidência varia entre os 25 e os 60 anos de idade.
Os pacientes
usualmente apresentam disfagia progressiva para sólidos e líquidos, pirose, dor
no peito, soluços e perda de peso. A avaliação
diagnóstica deve incluir radiografia de tórax, que pode mostrar ausência da
bolha gástrica e nível hidroaéreo no esôfago. O esofagograma baritado, pode mostrar esôfago dilatado,
atônico com o clássico '‘bird peak’', que é um suave estreitamento da junção esofagogástrica.
A endoscopia digestiva alta permite descartar acalásia
secundária, como por exemplo, carcinoma do cárdia. A manometria esofágica deve
ser realizada para confirmar o diagnóstico de acalásia, mostrando aperistalse,
pressão intraesofágica aumentada, relaxamento do esfíncter esofágico inferior
incompleto e esfíncter hipertenso.
O tratamento
da acalasia inclui o uso de nitratos,
bloqueadores dos canais de cálcio e sildenafil. Quanto à abordagem
endoscópica, esta envolve injeção de toxina botulínica no esfíncter esofágico
inferior e dilatação pneumática.
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