Frutanos do tipo Inulina: uma das categorias de
alimentos funcionais
De
acordo com o Consenso Europeu que definiu o “Conceito Científico de Alimentos
Funcionais”, um alimento deve ser considerado como funcional no caso de atender
às seguintes propriedades: ter demonstrado afetar de forma benéfica 1 ou mais
funções alvo do organismo, além dos efeitos nutricionais adequados, de tal
forma a ser relevante no que se refere ao estado de bem-estar e/ou à redução do
risco de enfermidades. Um alimento funcional deve permanecer como alimento e
demonstrar seus efeitos em quantidades que possam ser normalmente proporcionadas
dentro de uma dieta rotineira, portanto, não pode ser uma pílula ou uma
cápsula.
Frutanos do
tipo inulina são componentes naturais de inúmeros vegetais e frutas, cujo
consumo diário médio tem sido estimado entre 3 e 11 gramas na Europa e entre 1
e 4 gramas nos Estados Unidos. As fontes mais comumente utilizadas estão
presentes, entre outros, no trigo, banana, cebola, alho, alho-poro, etc. (vide
Tabela 1).
Do
ponto de vista da Química Orgânica, os Frutanos
do tipo inulina, se constituem em uma cadeia linear polidispersa de
carboidratos de ligações beta-(2-1) frutosila-frutose, muito embora não necessariamente
exclusiva, podendo mesmo ter início com uma molécula de alfa-D glicose. Estes
compostos podem ser uma mistura de oligômeros ou polímeros, que são melhor
caracterizados pelo grau de polimerização (GP), referidos tanto pelos valores
médios (GPm), como pelos valores máximos (GPmax). Do ponto de vista da
nomenclatura, os Frutanos tipo
inulina devem ser considerados oligofrutoses ou fruto-oligossacarídeos quando
seu GPmax for inferior a 10.
Em
virtude da configuração beta do C2
dos monômeros da frutose, os Frutanos
tipo inulina são resistentes à hidrólise pelos enzimas digestivos do ser
humano, os quais têm atuação específica sobre as ligações alfa glicosídeas. Por este motivo, têm sido classificados como
oligossacarídeos “não digeríveis”.
Os Frutanos
tipo inulina e o conceito de fibra
alimentar
Um
determinado alimento para ser considerado como fibra alimentar deve cumprir 4 atributos básicos, a saber: 1- ser
um componente produzido pelas células da planta (tanto os oligossacarídeos
quanto os polissacarídeos); 2- ser resistente à hidrólise pelos enzimas
digestivos dos seres humanos; 3- ser resistente à absorção no intestino
delgado; 4- sofrer hidrólise e fermentação (parcial ou total) pelas bactérias
do intestino grosso. Os Frutanos tipo
inulina atendem a todos estes atributos básicos, e, portanto, indiscutivelmente
devem ser considerados fibras
alimentares.
Desta
forma, os Frutanos tipo inulina contribuem
significativamente para uma dieta bem equilibrada aumentando e diversificando o
conteúdo de fibra, e, especificamente afetando diversas funções digestivas
(composição da flora colônica, funções da mucosa, atividades endócrinas,
absorção de minerais, etc.) e mesmo funções sistêmicas, especialmente as
relacionadas à homeostase lipídica e funções imunológicas, bem como reduzindo o
risco de surgimento de uma série de enfermidades. Estes efeitos estão
sumarizados na Tabela 2.
Tabela
2 – Efeitos nutricionais e potenciais benefícios à saúde causados pelos Frutanos tipo Inulina
A-
Estímulo das funções
- Composição e atividades
da microflora colônica
- Produção de Fezes;
- Absorção de cálcio e
outros minerais;
- Produção de peptídeos
endócrino-gastrointestinais;
- Imunidade e resistência
a infecções;
- Homeostase dos lipídeos.
|
B- Redução de riscos de doenças
- Infecções entéricas;
- Doença inflamatória intestinal;
- Câncer do colón;
- Osteoporose;
- Obesidade.
|
Os Frutanos
tipo inulina e a modulação das funções fisiológicas
A)
O conceito de uma microflora equilibrada
O
conceito da “saúde colônica” emergiu como um transcendental alvo no
desenvolvimento dos alimentos funcionais na área dos requerimentos de
incremento das suas funções.
A
composição da microflora colônica simbiótica desempenha um papel fundamental na
manutenção da “saúde do colón”. Esta
composição é fortemente determinada pela flora que se estabelece imediatamente
após o parto, e é majoritariamente “individual”, pode ser modulada por
componentes específicos da dieta, como também pode se alterar ao longo da vida,
tornando-se cada vez mais complexa com o avançar da idade.
Para
dar suporte à saúde e bem-estar e reduzir o risco de diversas enfermidades a
microflora deve permanecer “equilibrada”, ou seja, deve ser composta
predominantemente por bactérias que reconhecidamente sejam potencialmente
promotoras da saúde (tais como os Lactobacilus, Bifidobacterias, Fusobacterias,
etc) e capazes de prevenir, dificultar ou controlar a proliferação de microrganismos
potencialmente patogênicos e/ou prejudiciais à saúde, aí incluindo algumas
espécies de Escherichia coli, Clostridia,
Veillonellae, ou Candida. Não se deve
considerar que estes últimos microrganismos mencionados sejam indesejáveis ou
inúteis, e, que portanto, devam ser eliminados. Ao contrário, deve-se ter em
mente que a microflora colônica é um ecossistema altamente diversificado e que
apresenta uma grande variedade de interações entre as diferentes populações de
microrganismos. Nestas circunstâncias é possível que alguma população de
bactérias potencialmente patogênicas seja necessária desde que permaneça em
baixas concentrações em comparação com a microflora saudável.
Atualmente,
está bem estabelecido que por meio de estratégias dietéticas pode-se promover a
saúde colônica e, assim, indiretamente, alcançar o bem-estar de um determinado
indivíduo bem como ter reduzida a possibilidade do surgimento de diversas
enfermidades neste mesmo hospedeiro.
B)
Frutanos
tipo inulina e suas propriedades prebióticas
Prebióticos são determinados
ingredientes seletivamente fermentados da dieta que possibilitam alterações
específicas na composição e/ou na atividade da microflora colônica, e que
proporcionam benefícios para o bem-estar e a saúde do hospedeiro.
Para que um determinado alimento ou
ingrediente de um alimento seja considerado prebiótico é necessário ter demonstrada
as seguintes propriedades: a) ser resistente à acidez gástrica; b) não sofra
hidrólise pelos enzimas digestivos; c) não seja absorvível pela mucosa do
intestino delgado; d) sofra um processo de fermentação pela microflora colônica;
e) promova o crescimento seletivo da microflora colônica e/ou estimule sua
atividade em benefício da saúde e bem-estar do hospedeiro.
Os Frutanos
tipo inulina e as oligofrutoses são os compostos mais investigados e
definitivamente aceitos como prebióticos, posto que atendem todos os requisitos
acima mencionados. De fato, os estudos que têm sido realizados para investigar
os efeitos dos Frutanos tipo inulina
e das oligofrutoses sobre a microbiota intestinal humana têm revelado um
estímulo positivo sobre o crescimento da flora benéfica, em especial as Bifidobactérias,
em menor grau os Lactobacilos, e possivelmente outras espécies tais como os Clostridium coccoides, Eubacterium rectale, grupos estes de
bactérias que são produtores de butirato.
C)
Frutanos
tipo inulina estimulam a função colônica
Considerando que estas substâncias se
comportam como fibras alimentares, elas têm efeitos positivos sobre as funções
básicas do intestino grosso, isto é, na produção e excreção das fezes, pois aumentam a biomassa
fecal e regularizam os hábitos intestinais.
Por meio de seus efeitos específicos os Frutanos do tipo inulina possuem a
capacidade de estimular a composição, a atividade, e a funcionalidade de ambos,
a microflora colônica e a mucosa intestinal, criando desta forma condições para
uma melhor saúde do intestino e o bem-estar do indivíduo.
Frutanos tipo inulina e a Síndrome do Intestino
Irritável (SII): uma relação conflituosa
A SII é definida pelos critérios de Roma
IV de acordo com as seguintes manifestações clínicas que devem estar presentes
por pelo menos 2 meses antes do diagnóstico: a) dor abdominal de pelo menos 4
dias por semana associada com um ou mais dos seguintes sintomas: 1- relacionada
com a evacuação; 2- alteração na frequência das evacuações; 3- alteração no
formato das fezes; b) após investigação apropriada os sintomas não podem ser
explicados por alguma outra condição médica.
A SII é considerada um transtorno do
eixo cérebro-trato digestivo, e os sintomas apresentados por um determinado
paciente, diarreia ou constipação, refletem quais componentes deste eixo estão
envolvidos. O processo fisiopatológico da SII ainda não está totalmente
esclarecido, mas, admite-se que seja multifatorial envolvendo importantes
fatores biológicos e psicossociais.
Flatulência e/ou distensão abdominal
costumam ser queixas frequentes na SII. Naqueles pacientes que se queixam
predominantemente de constipação a distensão abdominal é nitidamente visível e
está associada a hipersensibilidade visceral, enquanto que nos pacientes que
apresentam diarreia a queixa de flatulência sem distensão abdominal objetiva é
mais frequentemente observada. A grande maioria dos pacientes se queixa que a
flatulência e a distensão abdominal são devidas a existência de “muito gás” no
interior do trato digestivo, em virtude de excessiva fermentação colônica. Além destes aspectos, outros fatores
isoladamente ou em conjunto estão implicados na gênese da SII, tais como,
ativação anormal da imunidade da mucosa, alteração da microflora bacteriana, hormônios
sexuais e condições psicológicas, incluindo somatização.
Pacientes portadores da SII comumente se
queixam de agravo dos sintomas após as refeições, bem como referem com
frequência reações adversas a um ou mais alimentos, que lhes acarretam prejuízos
na qualidade de vida. Em virtude desta condição desfavorável cerca de 2/3 dos
pacientes excluem aleatoriamente determinados alimentos da sua dieta na
tentativa de obter alívio dos sintomas. Entretanto, até o presente momento, do
ponto de vista clínico não existe uma linha de conduta dietética bem definida e
universalmente aceita para atender às necessidades dos pacientes portadores da
SII. Na verdade, até há pouco tempo as recomendações dietéticas propostas baseavam-se
primariamente em estudos que avaliavam as funções fisiológicas dos componentes
da dieta, e não levavam em consideração ensaios clínicos controlados,
randomizadas duplo cego, para o manejo terapêutico da SII. As recomendações
dietéticas estimulavam os pacientes a ter um padrão regular de refeição e uma
dieta “sadia” evitando refeições muito intensas, redução da ingestão de
gorduras, evitar a ingestão excessiva de fibras, redução do uso de cafeína, e
evitar alimentos produtores de “gás”, tais como feijão, repolho e cebola.
Por
outro lado, o grupo australiano liderado por Halmos e cols., em 2014, ao
realizar um ensaio clínico controlado e randomizado demonstraram que reduzindo
a ingestão de carboidratos de cadeia curta, que são de muito baixa absorção
e/ou oligossacarídeos, dissacarídeos, monossacarídeos e polióis (Fermentable oligosaccharides,
monosaccharides and polyols – FODMAPS)
reduziram significativamente a intensidade dos principais sintomas nos
pacientes portadores da SII.
A
hipótese de que a redução da ingestão dos FODMAPS
pode aliviar os sintomas digestivos nos pacientes portadores da SII baseia-se
na observação clínica de que uma proporção significativa de pacientes não
tolera a ingestão de carboidratos de cadeia curta. Estes carboidratos não são
totalmente absorvidos no intestino delgado devido a um deficiente processo de
hidrólise (lactose-lactase), excesso de frutose em relação a glicose, ou
difusão passiva (alguns monossacarídeos e os polióis). Vale ressaltar que além
destes carboidratos, os Frutanos tipo
inulina não são absorvidos no intestino delgado e sim fermentados no intestino
grosso pela flora bacteriana, e acarretam os seguintes efeitos, a saber: a) sobrecarga
osmótica; b) aumento da produção de ácidos graxos de cadeia curta, H2, CO2
e metano pela microflora colônica; c) alteração da motilidade, pois aceleram o
trânsito intestinal (Figura 6).
Figura
6- Principais sintomas decorrentes da má absorção da frutose e dos Frutanos.
A
Frutose e/ou os Frutanos não
absorvidos são fermentados pelas bactérias da microflora colônica, acarretando
a produção de gases (Metano, Dióxido de Carbono e Hidrogênio) e ácidos graxos
voláteis de cadeia curta (acético, butírico e propiônico) (Figura 7).
Figura
7- Metabolismo da frutose e dos Frutanos
no intestino grosso pela flora colônica.
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