segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Frutanos e sua real importância para o trato digestivo: Bem-Estar e Intolerância (parte 2)

Frutanos do tipo Inulina: uma das categorias de alimentos funcionais

De acordo com o Consenso Europeu que definiu o “Conceito Científico de Alimentos Funcionais”, um alimento deve ser considerado como funcional no caso de atender às seguintes propriedades: ter demonstrado afetar de forma benéfica 1 ou mais funções alvo do organismo, além dos efeitos nutricionais adequados, de tal forma a ser relevante no que se refere ao estado de bem-estar e/ou à redução do risco de enfermidades. Um alimento funcional deve permanecer como alimento e demonstrar seus efeitos em quantidades que possam ser normalmente proporcionadas dentro de uma dieta rotineira, portanto, não pode ser uma pílula ou uma cápsula.

Frutanos do tipo inulina são componentes naturais de inúmeros vegetais e frutas, cujo consumo diário médio tem sido estimado entre 3 e 11 gramas na Europa e entre 1 e 4 gramas nos Estados Unidos. As fontes mais comumente utilizadas estão presentes, entre outros, no trigo, banana, cebola, alho, alho-poro, etc. (vide Tabela 1).




Do ponto de vista da Química Orgânica, os Frutanos do tipo inulina, se constituem em uma cadeia linear polidispersa de carboidratos de ligações beta-(2-1) frutosila-frutose, muito embora não necessariamente exclusiva, podendo mesmo ter início com uma molécula de alfa-D glicose. Estes compostos podem ser uma mistura de oligômeros ou polímeros, que são melhor caracterizados pelo grau de polimerização (GP), referidos tanto pelos valores médios (GPm), como pelos valores máximos (GPmax). Do ponto de vista da nomenclatura, os Frutanos tipo inulina devem ser considerados oligofrutoses ou fruto-oligossacarídeos quando seu GPmax for inferior a 10.

Em virtude da configuração beta do C2 dos monômeros da frutose, os Frutanos tipo inulina são resistentes à hidrólise pelos enzimas digestivos do ser humano, os quais têm atuação específica sobre as ligações alfa glicosídeas. Por este motivo, têm sido classificados como oligossacarídeos “não digeríveis”.  

Os Frutanos tipo inulina e o conceito de fibra alimentar

Um determinado alimento para ser considerado como fibra alimentar deve cumprir 4 atributos básicos, a saber: 1- ser um componente produzido pelas células da planta (tanto os oligossacarídeos quanto os polissacarídeos); 2- ser resistente à hidrólise pelos enzimas digestivos dos seres humanos; 3- ser resistente à absorção no intestino delgado; 4- sofrer hidrólise e fermentação (parcial ou total) pelas bactérias do intestino grosso. Os Frutanos tipo inulina atendem a todos estes atributos básicos, e, portanto, indiscutivelmente devem ser considerados fibras alimentares.   

Desta forma, os Frutanos tipo inulina contribuem significativamente para uma dieta bem equilibrada aumentando e diversificando o conteúdo de fibra, e, especificamente afetando diversas funções digestivas (composição da flora colônica, funções da mucosa, atividades endócrinas, absorção de minerais, etc.) e mesmo funções sistêmicas, especialmente as relacionadas à homeostase lipídica e funções imunológicas, bem como reduzindo o risco de surgimento de uma série de enfermidades. Estes efeitos estão sumarizados na Tabela 2.

Tabela 2 – Efeitos nutricionais e potenciais benefícios à saúde causados pelos Frutanos tipo Inulina

A-         Estímulo das funções 
        
- Composição e atividades da microflora colônica
- Produção de Fezes;
- Absorção de cálcio e outros minerais;
- Produção de peptídeos endócrino-gastrointestinais;
- Imunidade e resistência a infecções;
- Homeostase dos lipídeos.
B- Redução de riscos de doenças

- Infecções entéricas;
- Doença inflamatória intestinal;
- Câncer do colón;
- Osteoporose;
- Obesidade.

Os Frutanos tipo inulina e a modulação das funções fisiológicas

A)         O conceito de uma microflora equilibrada

O conceito da “saúde colônica” emergiu como um transcendental alvo no desenvolvimento dos alimentos funcionais na área dos requerimentos de incremento das suas funções.

A composição da microflora colônica simbiótica desempenha um papel fundamental na manutenção da “saúde do colón”.  Esta composição é fortemente determinada pela flora que se estabelece imediatamente após o parto, e é majoritariamente “individual”, pode ser modulada por componentes específicos da dieta, como também pode se alterar ao longo da vida, tornando-se cada vez mais complexa com o avançar da idade.

Para dar suporte à saúde e bem-estar e reduzir o risco de diversas enfermidades a microflora deve permanecer “equilibrada”, ou seja, deve ser composta predominantemente por bactérias que reconhecidamente sejam potencialmente promotoras da saúde (tais como os Lactobacilus, Bifidobacterias, Fusobacterias, etc) e capazes de prevenir, dificultar ou controlar a proliferação de microrganismos potencialmente patogênicos e/ou prejudiciais à saúde, aí incluindo algumas espécies de Escherichia coli, Clostridia, Veillonellae, ou Candida. Não se deve considerar que estes últimos microrganismos mencionados sejam indesejáveis ou inúteis, e, que portanto, devam ser eliminados. Ao contrário, deve-se ter em mente que a microflora colônica é um ecossistema altamente diversificado e que apresenta uma grande variedade de interações entre as diferentes populações de microrganismos. Nestas circunstâncias é possível que alguma população de bactérias potencialmente patogênicas seja necessária desde que permaneça em baixas concentrações em comparação com a microflora saudável.

Atualmente, está bem estabelecido que por meio de estratégias dietéticas pode-se promover a saúde colônica e, assim, indiretamente, alcançar o bem-estar de um determinado indivíduo bem como ter reduzida a possibilidade do surgimento de diversas enfermidades neste mesmo hospedeiro.

B)         Frutanos tipo inulina e suas propriedades prebióticas

Prebióticos são determinados ingredientes seletivamente fermentados da dieta que possibilitam alterações específicas na composição e/ou na atividade da microflora colônica, e que proporcionam benefícios para o bem-estar e a saúde do hospedeiro.

Para que um determinado alimento ou ingrediente de um alimento seja considerado prebiótico é necessário ter demonstrada as seguintes propriedades: a) ser resistente à acidez gástrica; b) não sofra hidrólise pelos enzimas digestivos; c) não seja absorvível pela mucosa do intestino delgado; d) sofra um processo de fermentação pela microflora colônica; e) promova o crescimento seletivo da microflora colônica e/ou estimule sua atividade em benefício da saúde e bem-estar do hospedeiro.

Os Frutanos tipo inulina e as oligofrutoses são os compostos mais investigados e definitivamente aceitos como prebióticos, posto que atendem todos os requisitos acima mencionados. De fato, os estudos que têm sido realizados para investigar os efeitos dos Frutanos tipo inulina e das oligofrutoses sobre a microbiota intestinal humana têm revelado um estímulo positivo sobre o crescimento da flora benéfica, em especial as Bifidobactérias, em menor grau os Lactobacilos, e possivelmente outras espécies tais como os Clostridium coccoides, Eubacterium rectale, grupos estes de bactérias que são produtores de butirato.

C)         Frutanos tipo inulina estimulam a função colônica

Considerando que estas substâncias se comportam como fibras alimentares, elas têm efeitos positivos sobre as funções básicas do intestino grosso, isto é, na produção e  excreção das fezes, pois aumentam a biomassa fecal e regularizam os hábitos intestinais.

Por meio de seus efeitos específicos os Frutanos do tipo inulina possuem a capacidade de estimular a composição, a atividade, e a funcionalidade de ambos, a microflora colônica e a mucosa intestinal, criando desta forma condições para uma melhor saúde do intestino e o bem-estar do indivíduo.  

Frutanos tipo inulina e a Síndrome do Intestino Irritável (SII): uma relação conflituosa

A SII é definida pelos critérios de Roma IV de acordo com as seguintes manifestações clínicas que devem estar presentes por pelo menos 2 meses antes do diagnóstico: a) dor abdominal de pelo menos 4 dias por semana associada com um ou mais dos seguintes sintomas: 1- relacionada com a evacuação; 2- alteração na frequência das evacuações; 3- alteração no formato das fezes; b) após investigação apropriada os sintomas não podem ser explicados por alguma outra condição médica.

A SII é considerada um transtorno do eixo cérebro-trato digestivo, e os sintomas apresentados por um determinado paciente, diarreia ou constipação, refletem quais componentes deste eixo estão envolvidos. O processo fisiopatológico da SII ainda não está totalmente esclarecido, mas, admite-se que seja multifatorial envolvendo importantes fatores biológicos e psicossociais.

Flatulência e/ou distensão abdominal costumam ser queixas frequentes na SII. Naqueles pacientes que se queixam predominantemente de constipação a distensão abdominal é nitidamente visível e está associada a hipersensibilidade visceral, enquanto que nos pacientes que apresentam diarreia a queixa de flatulência sem distensão abdominal objetiva é mais frequentemente observada. A grande maioria dos pacientes se queixa que a flatulência e a distensão abdominal são devidas a existência de “muito gás” no interior do trato digestivo, em virtude de excessiva fermentação colônica.  Além destes aspectos, outros fatores isoladamente ou em conjunto estão implicados na gênese da SII, tais como, ativação anormal da imunidade da mucosa, alteração da microflora bacteriana, hormônios sexuais e condições psicológicas, incluindo somatização.

Pacientes portadores da SII comumente se queixam de agravo dos sintomas após as refeições, bem como referem com frequência reações adversas a um ou mais alimentos, que lhes acarretam prejuízos na qualidade de vida. Em virtude desta condição desfavorável cerca de 2/3 dos pacientes excluem aleatoriamente determinados alimentos da sua dieta na tentativa de obter alívio dos sintomas. Entretanto, até o presente momento, do ponto de vista clínico não existe uma linha de conduta dietética bem definida e universalmente aceita para atender às necessidades dos pacientes portadores da SII. Na verdade, até há pouco tempo as recomendações dietéticas propostas baseavam-se primariamente em estudos que avaliavam as funções fisiológicas dos componentes da dieta, e não levavam em consideração ensaios clínicos controlados, randomizadas duplo cego, para o manejo terapêutico da SII. As recomendações dietéticas estimulavam os pacientes a ter um padrão regular de refeição e uma dieta “sadia” evitando refeições muito intensas, redução da ingestão de gorduras, evitar a ingestão excessiva de fibras, redução do uso de cafeína, e evitar alimentos produtores de “gás”, tais como feijão, repolho e cebola.
   
Por outro lado, o grupo australiano liderado por Halmos e cols., em 2014, ao realizar um ensaio clínico controlado e randomizado demonstraram que reduzindo a ingestão de carboidratos de cadeia curta, que são de muito baixa absorção e/ou oligossacarídeos, dissacarídeos, monossacarídeos e polióis (Fermentable oligosaccharides, monosaccharides and polyolsFODMAPS) reduziram significativamente a intensidade dos principais sintomas nos pacientes portadores da SII.

A hipótese de que a redução da ingestão dos FODMAPS pode aliviar os sintomas digestivos nos pacientes portadores da SII baseia-se na observação clínica de que uma proporção significativa de pacientes não tolera a ingestão de carboidratos de cadeia curta. Estes carboidratos não são totalmente absorvidos no intestino delgado devido a um deficiente processo de hidrólise (lactose-lactase), excesso de frutose em relação a glicose, ou difusão passiva (alguns monossacarídeos e os polióis). Vale ressaltar que além destes carboidratos, os Frutanos tipo inulina não são absorvidos no intestino delgado e sim fermentados no intestino grosso pela flora bacteriana, e acarretam os seguintes efeitos, a saber: a) sobrecarga osmótica; b) aumento da produção de ácidos graxos de cadeia curta, H2, CO2 e metano pela microflora colônica; c) alteração da motilidade, pois aceleram o trânsito intestinal (Figura 6).

Figura 6- Principais sintomas decorrentes da má absorção da frutose e dos Frutanos.

A Frutose e/ou os Frutanos não absorvidos são fermentados pelas bactérias da microflora colônica, acarretando a produção de gases (Metano, Dióxido de Carbono e Hidrogênio) e ácidos graxos voláteis de cadeia curta (acético, butírico e propiônico) (Figura 7).

Figura 7- Metabolismo da frutose e dos Frutanos no intestino grosso pela flora colônica.


Nenhum comentário: