Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto
Instituto de Gastroenterologia Pediátrica de São Paulo
(I-Gastroped)
Má Absorção x Intolerância
Teste
do H2 no ar expirado com sobrecarga oral de lactose
Atualmente
este teste é considerado padrão ouro por ser sensível e especifico, de fácil
execução e não invasivo.
Cerca
de 20% do H2 formado
durante a fermentação bacteriana no cólon é absorvido e eliminado pelos
pulmões, podendo, portanto, ser medido por cromatografia gasosa.
Figura
45- Teste do Hidrogênio no ar expirado: princípios teóricos do teste.
Este
teste baseia-se nos seguintes princípios da fisiologia da digestão e absorção
dos carboidratos da dieta:
1º)
O Hidrogênio não é produzido ou
metabolizado pelos seres humanos sadios em jejum e em repouso.
2º)
A fermentação bacteriana é a única fonte de produção de Hidrogênio no ser humano. A microbiota do cólon, em especial as
bactérias anaeróbias, é capaz de produzir Hidrogênio
pela fermentação dos carboidratos não absorvidos. O Hidrogênio é excretado por meio de flatos e/ou por difusão,
atravessa a mucosa intestinal, alcança a circulação sanguínea, chega aos
pulmões aonde é eliminado durante a respiração.
3º)
Portanto, a excreção pulmonar de Hidrogênio
reflete sua produção no cólon, e sua concentração pode ser mensurada no ar expirado, em partes por milhão (ppm).
Figura
46- Princípio prático do teste do Hidrogênio no ar expirado.
O paciente
deve estar em jejum de 6-8 horas. Inicialmente coleta-se uma amostra de ar
expirado em jejum para dosagem basal de H2.
A
seguir o paciente deve ingerir uma solução aquosa de Lactose a 10%, à dose de 2
gramas/kg de peso (máximo 25 gramas). Amostras de ar expirado devem ser obtidas
aos 15, 30, 45, 60, 90 e 120 minutos após ingestão da solução aquosa.
A
elevação dos níveis de H2 no
ar expirado acima de 20 ppm sobre o
nível do jejum, indica má digestão e/ou absorção da Lactose.
Podem
ocorrer falsos positivos e falsos negativos (até 20%) por hiperventilação,
retardo no esvaziamento gástrico, colonização bacteriana do intestino delgado,
alteração da flora intestinal, alterações da motilidade intestinal e não
produção de H2.
Sobrecrescimento
bacteriano no intestino delgado
Pode
ocorrer duplo pico de produção de Hidrogênio,
a saber: a) precoce, devido a
presença da flora colônica nas porções altas do intestino; b) tardio, devido à má absorção de Lactose.
Tratamento
O
tratamento da intolerância/má absorção de Lactose baseia-se simplesmente na exclusão
da causa, ou seja, eliminação da Lactose da dieta.
Existem
também outras propostas terapêuticas com ofertas diminuídas na concentração de Lactose que podem ser bem toleradas
pelos pacientes que não apresentam ausência total da Lactase, a saber: fermentação da Lactose (iogurtes), adição de Lactase
aos alimentos contendo Lactose, utilização
de fórmulas lácteas com baixo teor de Lactose,
Fórmulas à base de soja, que são isentas de Lactose, e fórmulas à base de Hidrolisados Proteicos, quando há
associação com Alergia à Proteína do Leite de Vaca.
O
tratamento só deve ser iniciado na presença
de sintomas comprovados de intolerância à Lactose. Deve ser ressaltado que, devido à variabilidade individual
da intolerância à Lactose, é de fundamental
importância personalizar a orientação nutricional. O consumo de Lactose deve ser reduzido a uma
quantidade que não proporcione o aparecimento de sintomas. Há evidência
disponível de que muitos adultos e adolescentes com diagnóstico
comprovado de má absorção à Lactose podem
chegar a tolerar a ingestão de até cerca de 12g de Lactose (equivalente a 1 xícara de leite de vaca = 250ml), sem
que esta carga de Lactose cause sintomas.
Pequenas
quantidades de Lactose consumidas
diversas vezes ao longo do dia são melhor toleradas do que se consumidas em uma
única refeição. Alimentos contendo Lactose
são melhor tolerados se consumidos juntamente com outros alimentos; tal fato
pode ser atribuído ao retardo no esvaziamento gástrico. Outras
modificações dietéticas que colaboram para a redução dos sintomas de
intolerância à Lactose
incluem consumir alimentos com baixo teor deste carboidrato, tais
como iogurte e produtos lácteos tratados com Lactobacillus.
O
iogurte é uma excelente alternativa visto que a Lactose nele contida encontra-se em concentração reduzida pela
metade. Além disso, deve-se levar em conta que o iogurte também contém
proteínas e gorduras na sua composição. Diferentemente do que ocorre na solução
aquosa de Lactose, a presença destes
outros nutrientes leva ao retardamento do esvaziamento gástrico, ao aumento do
tempo de trânsito intestinal e, portanto, a uma menor oferta da concentração de
Lactose por área de superfície dos
enterócitos na unidade de tempo.
Caso
seja necessária a utilização de uma dieta de exclusão total de Lactose, devido à uma incapacidade de
digerir uma concentração minimamente ideal deste carboidrato, a mesma deve
incluir um boa fonte de Cálcio, ou então, iniciar a suplementação de
Cálcio, para atender os níveis de ingestão diários recomendados para este
micronutriente.
Sempre
que possível, produtos lácteos não devem ser totalmente eliminados da
dieta, pois fornecem micronutrientes essenciais, tais como: Cálcio, vitaminas A
e D, riboflavina e fósforo.
Figura
47- Tabela da concentração da Lactose
em diversos tipos de leite em comparação com o leite humano.
Conclusões
Deve
ser enfatizado que não existe um tratamento para aumentar a capacidade de
produção da Lactase, porém, os
sintomas de intolerância à Lactose
podem ser minimizados, ou mesmo eliminados, ao se utilizar uma dieta com teor
reduzido deste carboidrato, dentro do limiar de tolerância de cada indivíduo.
É
importante assinalar que toda dieta deve ser devidamente apropriada para suprir
as necessidades nutricionais de um determinado indivíduo e garantir a
manutenção de um estado nutricional global adequado.
PESQUISA CLÍNICA
Genética da Produção ou Restrição da
Lactase
No
heredrograma abaixo foram estudados 2 grupos étnicos distintos na África
comparados com indivíduos europeus, a saber: a) Yoruba reconhecidamente mal absorvedores da Lactose; b) um grupo misto composto por indivíduos da etnia Yoruba miscigenada com indivíduos de
origem europeia Yoruba-Europeus, dos
quais 44% eram mal absorvedores europeus da Lactose; c) um grupo de indivíduos Europeus dos quais 22% eram mal absorvedores da Lactose
Y=
Yoruba LAC*R (Má Absorção de
Lactose)
BR=
Europeu (LAC*P/LAC*R)
Y-Br=
Yoruba-Europeu LAC*R e LAC*P/LAC*R
Este
estudo realizado na África demostrou que quando ambos os progenitores eram Mal Absorvedores toda a progênie
resultou Mal Absorvedora de Lactose.
Entretanto,
quando o correu a miscigenação entre o grupo 100% LAC*R (Yoruba) e o grupo
de etnia europeia dentre os quais 22% eram LAC*R
e os demais 78% eram LAC*P/P
e/ou LAC*P/LAC*R resultou em uma
progênie mista de Absorvedores e Mal Absorvedores à Lactose.
Estes
dados confirmam enfaticamente a dependência genética da produção de Lactase na
vida adulta.